Intolerâncias da Vida

Leone Borges
Pela Metade
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4 min readAug 3, 2018
Ninguém disse que seria fácil. Mas, a gente pode tentar!

Um simples rapaz latino americano de 30 (e quase poucos) anos, gay e que acredita em Jesus, Alah, Goku, Jeová, Universo, Energias, Fadas e afins. Gosto de me definir assim, no tocante a espiritualidade, pois sinto que passa uma neutralidade sóbria e lúdica. Uma neutralidade infantilizada e tolerante, o que não deixa de ser verdade. E vou explicar — ou pelo menos tentar — por quê.

Cresci em uma família muito humilde, em meio a uma favela. Sempre fomos bem católicos e o meio em si era bem caótico, mas tudo bem. Esse meio em que cresci e vivi, era o lado materno, apenas para ilustrar. Logo, convivi (menos do que gostaria, confesso) com uma outra família: mais alternativa, liberal, com uma raiz nas matrizes africanas bem intensas, e não eram tão, tão humildes assim, esse era o lado paterno. E entrementes, estava eu ali, uma criança “viada” que se esforçava muito (mesmo sem saber ainda) para se encaixar. E olha, eu AMAVA Chiquititas e IDOLATRAVA Sandy e Junior, e pasmem muita gente se chocou quando eu me descobri gay e entendi que não dava para ser diferente.

E claro, não posso dizer que o fato de amar coisas ditas “de garotas”, me fazia garota. Não, até porque não tem nada demais em brincar e experimentar quando se é criança. Criança é criança. E não tem problema gostar de coisas mais lúdicas e/ou artísticas. Mas gente, quando eu ouvia que “o Diego vinha virando a esquina com toooda alegria festejando”, era im-pos-sí-vel segurar os gritinhos agudos e quadris que balançavam freneticamente ao som de asereje.

Queria muito, mas sinto que não estou totalmente “preparado” para expor uma infância de bullying ( antes mesmo de existir esse termo ) na escola, a falta de amigos, os olhares de julgamento (e as piadas) dos familiares, além das obrigações com a FÉ. Confesso que me sentia normal e “feliz” porque era aquela a única realidade que eu conhecia, e confesso ainda que gostava (muito) de ir à igreja, ler sobre como tudo nasceu, exercer meus dotes artísticos e ter pessoas que me abraçavam — literalmente — mesmo sem ter tanta proximidade, já que esse costume não era comum em casa. Era uma criança “viada”, católica, bullynada e feliz, pasmem.

Dando um salto para o fim da adolescência e início da fase adulta, as coisas já se configuravam de uma maneira diferente, muito caótica, pelo menos por dentro. Eu amava ir à igreja, porque sentia que podia pertencer a um lugar, tinha “amigos” nela, e de certa forma meu caráter foi moldado ali. Perfeito, né?! Exceto pelo detalhe gritante: EU.

Na vida sempre temos que tentar, eu ODEIO altura, mas lá de cima fica tudo tão mais LINDO.

Em um determinado ponto, não concordava com quase nada que lia e estudava, não achava coerente discursos limitantes e que excluíam minorias, outros pensamentos, outra forma de fé e até coisas pequenas como: meninos de brinco. Não conseguia entender, logo, estudava mais e mais. E a conta continuava a não fechar. Comecei a entender melhor, quando dei um passo para trás e observei de longe. Me afastei por um período e no início foi muito difícil. Então, o fato era que: existiam algumas coisas muito erradas, mas não era EU. Um alívio meus caros. Sabe aquela sensação de alívio, quando mesmo com o medo de altura, estar no topo de uma roda gigante e ver a beleza de tudo, por um ângulo novo ameniza a sensação de medo?!

Me senti bem quando me deparei com um mundo sem culpas, sem arrependimentos e sem frustrações, fora daquele que vivi por muitos anos. Logicamente, o mundo ainda era o mesmo, ainda existe caos, mas ao menos dentro de mim ele foi se organizando, em suma, a percepção que passei a ter dele mudou, bastante. Porque saí da caixinha. Tudo o que eu encontrava dentro de mim, antes, eram esses sentimentos conflitantes. Então, quando parei, me afastei, reavaliei e me percebi. Foi uma das melhores coisas da minha vida.

Porque entenda, se perceber sendo intolerante com você mesmo, é pior do que o mundo ser intolerante com você (é uma metáfora, calma).

Entendam que essa é uma experiência extremamente pessoal, intensa e por vezes intrínseca e tentar resumi-la em um pequeno texto é até mesquinho. Não era a minha família, não era a igreja. Toda uma construção de anos me tornou intolerante comigo, com meus sentimentos e por muito tempo meus valores eram deturpados.

Ainda dá tempo de ser diferente. Ainda dá tempo de fazer a diferença, se não na sua vida, na vida de outra pessoa. Vejo tantos tipos de intolerâncias sendo vomitados em nossa cara, e muitas vezes empurrados garganta a baixo por pessoas tão novas, inexperientes ou até mesmo por pessoas ignorantes, isso é um alerta. Um grande aviso (NEON E PISCANDO) de PARE, olhe nos olhos de alguém e converse, ensine, explique, gaste tempo — se você achar que essa pessoa importa, se você achar que vale a pena. Mas não, não seja intolerante. Tolere, ou pelo menos respeite.

Um adendo importante, não me refiro apenas a sexualidade. Me refiro a TUDO! Intolerâncias religiosas, culturais, misóginas, raciais, sociais, enconômicas… enfim. Vocês entenderam!

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Leone Borges
Pela Metade

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