Medo

Fobia de santos. Um casamento.

Matheus Galvão
Pela Metade
2 min readOct 23, 2018

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Ela se recusou a entrar na igreja. Dizia que o lugar estava cheio de monstros. Desde pequena morria de medo dos Santos. Nunca soube bem por que motivo. Seus pais eram católicos fervorosos e desde sempre ela frequentara igrejas pelo mundo todo. Lembrava de ter ido a Salamanca e dado um escândalo.

Na ocasião, uma freira tentou lhe acalmar e levou um chute certeiro na boca. O sangue jorrou e a viagem em família se transformou numa prestação de socorro. O carro alugado estava completamente sujo de sangue, que, no tecido preto do hábito, tinha um tom quase imperceptível.

– Ela vai morrer?

– Não!

Sua mãe estava com uma toalha rosa molhada encostada na boca da freira. A garotinha assustada no janela pedia desculpas.

O médico que atendeu perguntou o que acontecera e não acreditou muito na história. Mas a freira confirmou e ficou tudo bem.

Talvez por isso o trauma tenha piorado. Ou aparecido. Agora estava ali diante da Sé e não queria entrar de jeito nenhum.

– É sua irmã quem está casando!

– Casasse a céu aberto se me quisesse realmente no casamento.

Sentou na escada porque não achou um assento por ali e o carro estava muito longe. Sequer se preocupou com o vestido ralando no cimento áspero.

Conseguiu ouvir tudo de onde estava. Inclusive o seu cunhado cantando “eu tenho tanto pra lhe falar”. Achou clichê e ridículo.

– Nossa, que mico, todo desafinado.

Não chorou. Não era de chorar. Não era de sentir. A não ser sentir medo de santos.

Pôde ouvir os votos. Aí teve até vontade de chorar, mas foi interrompida por uma mordida de formiga gigante. Deu um escândalo. Sua batata da perna ficou inchada e vermelha.

– Será que vou morrer?

– Deixa de ser dramática.

Enfim, os noivos saem. Ela – a noiva – está realmente linda. Vê a irmã mancando e desce correndo.

– O que aconteceu?

– Uma desgraça de formiga.

– Para de xingar!

– Acho que preciso ir ao médico.

– Não vai pra recepção? Temos que fazer as fotos e você precisa estar lá.

– Nossa Senhora, é mesmo.

Ela entrou no carro.

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