Mudar para em outro país…

…da perspectiva de quem nunca fez isso.

Felipe Bittencourt
Pela Metade
5 min readSep 9, 2018

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Diabos, eu nunca nem sequer fiz uma viagem internacional. Mas um de meus grandes sonhos quando mais novo era morar em outro país. Num lugar mais civilizado, dizia eu. Aqui é muito bagunçado, dizia eu.

Eventos recentes demonstram de forma bastante transparente que a vida no nosso Brasilzão não é fácil, não chega nem perto. Por isso de nada espanta que temos vivido um considerável fluxo de saída de brasileiros na busca de melhores condições de vida nos últimos anos; decidir pela saída de seu país de origem não é das mais fáceis, mas certamente o faria sem um pingo de dificuldade, dizia eu.

Há algumas semanas escrevi sobre como aprendemos com a passagem do tempo. Nesse assunto não foi diferente. Conforme amadureci comecei a enxergar que algumas das concepções que eu carregava sobre minha vontade de mudar de vida e partir para um país não estavam totalmente completamente certas.

Deixo bastante claro aqui que o que mudou foram as minhas concepções sobre o que funciona sobre a minha própria vida; emigrar não é uma decisão trivial, e tenho certeza que cada um que ler esse texto reconhecerá a importância de colocar a mão na consciência, avaliar a viabilidade de executar esse plano e as consequências de partir. Essas respostas serão diferentes pra cada pessoa, e por isso acredito que não há soluções prontas.

Tentarei apenas desmistificar algumas das pré concepções que eu mesmo tinha, mas que caíram com o tempo.

O Brasil é muito zoneado.

Sim, é. E nesse ponto o Brasil tem peculiaridades que são bastante parecidas com… Praticamente qualquer outro país. Temos problemas sociais extremamente relevantes, além de questões não resolvidos em pontos políticos e econômicos.

No campo da corrupção, por exemplo, tenho um dos principais argumentos que me motivavam a buscar esse sonho. E que, francamente, é um motivador muito poderoso até hoje. No entanto, como brasileiros inseridos em nosso próprio contexto, temos a tendência a acreditar que nossa realidade é mais grave e nossos problemas mais acentuados.

O fato é que todo lugar tem problemas, e, a nossos olhos de estrangeiros que nunca estaremos plenamente conscientes da realidade de outros lugares, a verdade é que dificilmente temos a capacidade de compreender plenamente todas as dificuldades e adversidades que um outro povo passa ao longo de sua história. Além do problema crônico da síndrome de vira lata do qual nosso povo sofre, o fato de termos pouquíssima noção histórica do que aconteceu em outros lugares (e nem vou falar de nossa própria história) cria a tempestade perfeita para proporcionar o ambiente de ignorância que nos faz admirar outras culturas incondicionalmente, como se a nossa fosse a única que precisasse de conserto, e estivesse respirando por aparelhos.

Voltando ao problema da corrupção, por exemplo, certamente não somos os únicos que percebemos essa mazela. Mas não é como se ela não existisse em outros lugares, e não é como se fosse um problema impossível de ser mensurado.

Para mim, esse é somente mais um mito que ruiu.

Ah, o idioma não é uma barreira tão grande, certo?

Errado. Amigos, o brasileiro tem problema pra se entender com o sujeito do lado que fala exatamente a mesma língua. Somos prolixos, temos uma linguagem não verbal extremamente complexa e sofisticada que demora anos ao estrangeiros para dominar. Sem falar que diálogo e comunicação não são traços marcantes da maioria das famílias brasileiras, por isso não aprendemos de berço como realmente estabelecer um canal de comunicação por onde a mensagem realmente flui. Se em português é complicado, imagine numa outra língua.

Saber um outro idioma de verdade é compreender como seu povo pensa e se relaciona. Sua história, seus costumes. Seus conflitos, derrotas e triunfos. Regras gramaticais e fonéticas certamente são relevantes, e aprendemos muito bem a replicar esses padrões acriticamente, muito bem adestrados, sem dúvida. Mas os segredos da verdadeira comunicação ainda são alienígenas quando estamos pensando somente dentro desses termos técnicos e formais.

Essa sofisticação era um aspecto que eu menosprezava demais. Saber que você será compreendido por praticamente qualquer pessoa na rua é uma facilidade que raramente apreciamos em nosso cotidiano. E não são poucas as pessoas que fizeram essa mudança e que sentem o impacto da barreira do idioma em suas vidas.

Mas não tem como comparar o padrão de vida de um lugar com uma economia forte, né?

Também um engano muito comum. O Brasil é grande demais, e a complexidade de suas inúmeras realidades nos foge completamente. Novamente a nossa educação deficiente (para dentro e para fora) faz mais vítimas. Atribuímos aos países que hoje temos como exemplo de sucesso e pujança econômica uma qualidade de virtude inerente de seu povo, e ignoramos por completo que essas realidades são resultados de escolhas sociais conscientes e projetos de longo prazo para a coletividade.

Eu acreditava que o padrão de vida que eu desejava necessariamente era uma consequência do desempenho de um grupo como motor da economia. Que gracinha.

Simplesmente nos esquecemos que temos a disposição aquelas mesmas possibilidades de escolhas, e que todas elas são acompanhadas pelas devidas consequências. Preferimos não processar a informação de que, no final, e independentemente de onde olhemos, interesses sempre estarão em conflito uns com os outros. E que o "padrão de vida" almejado pela nossa coletividade é resultado desse jogo de empurra empurra que, arbitrariamente, concluímos que outros povos jogam melhores que nós. E não de um jeito diferente.

No fim das contas, não deixei para trás essa vontade de morar num lugar diferente, num contexto completamente estranho. Se tem algo quem esse aprendizado proporcionou para mim foi justamente uma curiosidade ainda maior de entender melhor como esses lugares, essas pessoas, essas culturas funcionam. De mergulhar no que aconteceu no passado e no que está acontecendo agora, para tentar prever, aprender, desconstruir.

Se pensarmos direitinho, talvez dê pra fazer isso sem nem botar o pé para o outro lado da fronteira; ainda falta muito para compreendermos o outro, o estranho, o diferente que está logo aqui do lado. Ainda falta muito para abandonarmos as soluções que se apresentam como mágicas e milagrosas para problemas antigos e complexos.

Mas e você, o que pensa sobre esse assunto? Tem ou já teve a vontade de morar lá fora? Conta pra gente aí embaixo (depois de deixar seu joinha)!

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Felipe Bittencourt
Pela Metade

Trekker. Entusiasta do Direito e da tecnologia. Neverending work in progress.