Na natureza selvagem de cada um

Thais Mello
Pela Metade
Published in
6 min readSep 25, 2018

Desde que me entendo por gente sempre senti um prazer enorme em meio a natureza. Na semana passada, depois de algum tempo sem fazer isso de uma forma mais demorada, fui para o Capão passar três noites. E nossa, como foi uma experiência antropológica pessoal interessante…

Lá o sinal do celular (onde funciona) é bem fraco. O que naturalmente faz com que você se afaste mais de Internet, de correria, daquela ânsia nervosa de saber o que está acontecendo, daquela fuga de mergulhar no mundo "perfeito" dos outros pra fugir de você mesmo… entre outras cositas más.

Nesse pouco tempo pude refletir sobre algumas coisas que compartilho um pouco aqui.

A vida é como uma trilha pra uma cachoeira

Fiz algumas trilhas lá no Capão, e depois que cheguei de viagem essa conclusão me pareceu fazer algum sentido, pelo seguintes motivos:

Às vezes o caminho é tenso, tem pedra, declive, cascalho, escorrega, tem umas subidas que tiram o fôlego, e você acha que não vai chegar nunca. Tem uns galhinhos perto do chão bem fininhos que você acredita que são inofensivos, mas que cortam as canelas e podem até fazer sangrar.

As vezes você precisa de apoio pra caminhar na trilha. Pode ser de quem está caminhando com você, pode ser de um desconhecido que já fez o caminho e pode lhe ajudar, ou de alguém que não te conhece mas está fazendo o mesmo percurso. Pode ser da natureza ao redor também: um tronco de árvore mais firme, uma pedra bem presa… As vezes você se apoia em algo que não tem muita firmeza, tropeça, cai e rala o joelho… Dói. Vish, as vezes dói de verdade. Mas você pensa: “cacete, eu já cheguei até aqui, tô morto de cansado, não posso desistir! Tenho que chegar até a cachoeira!”. E você vai.

Com o corpo moído, suando, respirando fundo… As vezes você precisa parar, se escorar em alguma coisa, beber uma água, e ganhar um pouco mais de fôlego, pra poder continuar com mais afinco. E você vai. Escutar o barulho da água corrente é um carinho nos ouvidos, que faz até você ignorar o corpo já latejando de dor e dar o gás pra alcançar. E você finalmente vê!

Uau!… a depender da imensidão, da emoção, do cansaço, do quanto você desejou aquilo, é impossível não ficar com os olhos marejados diante de uma cachoeira majestosa (por mais que ela não seja tão alta). “Consegui!” Agora é hora de entrar na água. Você pensa que é simplesmente entrar. Mas não é.

É necessário contornar mais algumas pedras, se despir e, aí sim, entrar. Você pode optar por entrar devagar, molhar os pés e ir se acostumando com a temperatura aos poucos. Frio de cachoeira é sempre cortante! Ou você pode simplesmente se jogar. A sensação de medo quando você entra de uma vez e mergulha é maior, mas, normalmente você se acostuma com o prazer que vem em seguida mais rápido.

Independente de entrar rápido ou devagar em algum momento você vai sentir toda aquela água gelada do entorno te abraçar. Os músculos vão relaxando, o eventual sangue de algum corte vai sendo limpo, e você começa a apreciar a paisagem ali de dentro d’água. De uma perspectiva totalmente diferente daquela que tinha quando estava no meio do mato todo lanhado.

De alguma forma o caminho parece menos complicado e mais bonito do que quando você estava atravessando. Em dias de sol intenso, a mistura do calor com a água gelada é extasiante. É hora de voltar.

Você volta feliz porque atingiu o objetivo. Você conhece melhor as pedras do caminho, sabe onde escorrega, onde corta e onde pode se apoiar. Eventualmente você escorrega e se rala todo de novo. Mas o caminho já lhe ensinou que a recompensa chega logo mais, logo menos… E que existem várias outras cachoeiras!

A natureza te coloca no seu lugar

Já passei mais de uma vez pela sensação de me sentir beeem pequena diante da imensidão da natureza. Normalmente essa sensação brota diante de paisagens vastas.. Uma cadeia de montanhas, um marzão, dunas, uma floresta densa… O combo é ainda mais completo se envolver altura, te dando uma perspectiva ainda maior da paisagem.

E isso pode ser uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que pode ser reconfortante, porque você tem uma noção de que tudo aquilo que acha grande e pesado na vida, diante daquela imensidão é um nadica de nada, por outro lado, também pode gerar um sentimento de pequeneza em excesso, de se sentir meio bosta real. Eu sempre fiquei do primeiro lado.

A simplicidade de quem está em contato com a natureza

O Capão é conhecido por ter uma comunidade local com as ares meio “hippies”. Um pessoal que fala mais devagar, tem outro ritmo de vida e precisa de muito pouco para ser feliz.

Sempre desconfiei que as pessoas que vivem em contato mais íntimo com a natureza se sentem de alguma forma mais “preenchidas”. É comum a gente ouvir falar nesses lugares de beleza natural estonteante de gente que largou “tudo” pra viver lá (um “tudo” quase sempre baseado em status e bem materiais).

Quando estávamos voltando pra cidade um jovem mochileiro carioca pediu carona. Encostamos o carro, ele entrou, e nos acompanhou por mais ou menos uma hora até o seu destino final naquele dia.

Durante esse tempo contou um pouco de onde vinha, para onde ia e o porque da sua viagem. Contou que no ano passado depois de perder um filho ainda grávida, sua irmã entrou em uma depressão profunda que lhe tirou a vida (contou de uma forma que não soou como sentimentalidade pra conseguir uma carona ou qualquer outra coisa — estava sentada do seu lado e vi que ele precisou respirar fundo pra conter a emoção quando lhe perguntei o porque de ter começado a viajar daquela forma).

A família ficou despedaçada, e ele pensou: "nossa, minha irmã se foi, e nem teve a oportunidade de conhecer nada fora do Rio de Janeiro". Esse foi o gatilho para realizar um sonho: conhecer o mundo com pouco (ou nenhum) dinheiro, pedindo carona, trocando hospedagem e comida por serviços. Ele era o conhecido “menino do TI” de uma empresa, que cansou disso e depois do baque pessoal, tomou coragem. Viajava em nome da memória da irmã e por ele mesmo.

Sorriu por inúmeras vezes ao contar da generosidade das pessoas que cruzaram seu caminho, especialmente ali no Capão, um lugar que já considerava mágico. Ressaltou como algumas pessoas, mesmo com pouco, insistiam em lhe abrigar, dividir um prato de comida e uma conversa boa…

Os pequenos gestos que ecoam

Ali, com menos bombardeio de informação, a percepção (especialmente àquelas do coração, eu arrisco dizer) fica mais aguçada. Observar os animais, o vento passar, o sol se por, a lua surgir (infelizmente as noites não estavam tãão estreladas como de costume) são feitas com uma dedicação que normalmente a gente não tem no dia a dia corrido da cidade…

Coisas simples como estender uma xícara de café, dividir um colchão meio duro, dar uma mão pra saltar das pedras, ou aquela espiadela pelo retrovisor do carro para checar se está tudo bem, ganham um verniz de beleza diferenciado, pelo simples fato de que nossa atenção está ali.

O olho no olho parece mais real.

É até meio difícil de descrever como coisas simples parecem tão bonitas quando você simplesmente está.

:)

celular só pra tentar registrar de forma breve a beleza do lugar

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