Nostalgia, obrigada por existir

Talita Sobral
Pela Metade
Published in
4 min readSep 13, 2018

Um dos muitos significados de nostalgia é “Saudade de alguma coisa, de uma circunstância já passada ou de uma condição que (uma pessoa) deixou de possuir”. É sobre este, em especial, que quero falar sobre.

Ilustração de Eugenia Mello (instagram.com/eumiel)

Sempre fui uma pessoa muito apegada a músicas. Todas as fases da minha vida tiveram uma trilha sonora, umas que continuei gostando depois do fim da fase específica e outras que simplesmente saíram dela. Mais do que trilhas, essas músicas são verdadeiras máquinas do tempo que me levam para lugares que eu gostaria de estar mais uma vez e outros que GRAZADEUS não voltam jamais.

O grande lance é que por mais que você queira viver aquilo mais uma vez, nunca vai ser exatamente igual. As sensações que você teve, os cheiros que sentiu, até a forma como você ouvia uma determinada música não vão ser mais novas; elas vão vir carregadas de história e significados. Acho que a nostalgia mora justamente aí. É a lembrança do que se viveu, do jeitinho que se viveu, sem tirar nem pôr.

Ilustração de Eugenia Mello (instagram.com/eumiel)

Algumas semanas atrás, Ariana Grande lançou um novo álbum (sim, eu sou popzeira, sue me) e a primeira coisa que fiz foi abrir o Spotify e conferir. Na ocasião, eu estava me arrumando pra ir trabalhar e a rotina é sempre a mesma: banho — escolher a roupa — colocar a lente — me maquiar — comer — colocar o tênis e ir embora (normalmente segue essa ordem e tem uma trilha sonora para que o tédio não me mate)… no ponto exato de colocar o tênis, fui arrebatada pela nostalgia.

Ariana fez uma versão de Goodnight and Go, música de Imogen Heap, uma cantora que ouvi boa parte da minha adolescência. Aparentemente Ariana, assim como eu, ama Imogen e quis fazer esse “tributo”, justamente com uma das minhas músicas favoritas dela (e de Ariana também, segundo ela mesma no Twitter). A primeira vez que ouvi essa música, eu era OUTRA pessoa. De verdade.

Hoje, mais de 10 anos depois, não consigo ter uma conexão verdadeira com aquela adolescente. Ela, a Talita de 15–16 anos, provavelmente seria a amiga que eu simplesmente diria: respira e confia em você mesma, querida. Ela era extremamente insegura (e acreditando plenamente que era a pessoa mais segura do mundo), muito volátil e extremamente apaixonada; sua glória e derrocada. Aquela Talita acreditava completamente que tudo era eterno, seja a alegria ou a tristeza e pior, sofria como se o mundo funcionasse dessa forma.

Não pretendo ser injusta com a minha persona adolescente. Eu estava tomada por hormônios em ebulição, informações truncadas de todos os lados e a irritante certeza de tudo, própria da idade. Desde então, já vivi tantas coisas, aprendi tantas outras e desaprendi uma boa parcela de algumas, que não consigo criar esse elo de compreensão. Mas esse é um aprendizado em exercício (pelo bem do meu futuro eu).

Ilustração de Eugenia Mello (instagram.com/eumiel)

Nessa hora, você se pergunta: mas se a Talita de agora não consegue se sentir próxima da Talita de antigamente, como uma música que conecta essas duas pode gerar tanta nostalgia?

São as emoções que ela gera. Ouvir Goodnight and Go cantada por outra pessoa, tantos anos depois, com uma “roupagem” mais nova, me fez resgatar um monte de sentimentos que estavam guardadinhos na memória. A sensação de se sentir apaixonada e ver alguém naquela letra; a felicidade de ter seu tocador de mp3 carregado, com um fone funcionando perfeitamente, indo pro colégio e vivendo a expectativa de um dia bom; de se sentir extremamente alegre por viver algo tão simples quanto sentar na pracinha do condomínio e ouvir música….

É como ver um filme repetido: o personagem principal vivendo uma série de coisas e você torcendo pra que fique tudo bem — mesmo que você saiba os detalhes da trama, os desafios e vitórias que ainda estão por vir. A música é o seu Delorean da vida real, pronto pra partir para o passado. Você não quer viver aquilo tudo de novo, só quer dar uma espiada pra lembrar com carinho.

E mesmo que você não se lembre como sentir empatia e conexão com aquele personagem, elas vão sendo construídas também. Você passa a enxergar o que é importante para o personagem, pela perspectiva dele. Seu juízo de valor atual vai ficando enevoado, porque é necessário fazer o exercício de enxergar através de outros olhos, mesmo que seja o seu eu passado. A partir daí, você pode fazer as pazes, mesmo que com fases ou atitudes que você só queria passar por cima.

Ilustração de Eugenia Mello (instagram.com/eumiel)

Preciso admitir que depois da primeira vez ouvindo a versão de Ariana, eu já ouvi mais quinze vezes (no mínimo). Eu fiz várias pessoas ouvirem as duas versões para entenderem o quão bonita a nova versão ficou. No fim das contas, essa nova versão, além de ter uma máquina do tempo, também vai fazer parte das memórias de hoje. E quem sabe, daqui a alguns anos, eu não sinta nostalgia por esse momento aqui, de agora.

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Talita Sobral
Pela Metade

31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.