O importante não é o troféu e sim a corrida

“Gentlemen, start your engines and may the best woman win!”

Talita Sobral
Pela Metade
5 min readSep 6, 2018

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Dentro do mundo do entretenimento de hoje, uma das minhas séries favoritas é RuPaul’s Drag Race. Quem me conhece sabe o quanto eu adoro o brilho, o glamour, a maquiagem como arte, a arte drag como transformador de uma pessoa, o shade e o drama. Adoro e não nego.

Pra quem não conhece a lógica do programa, é um reality show competitivo entre Drag Queens. Elas competem entre si em desafios de canto, dança, comédia, interpretação, costura e desfile pelo título de America’s Next Drag Superstar — a próxima Super Estrela Drag Americana. Usualmente os episódios seguem a mesma estrutura: mini desafio, maxi desafio e para as duas piores da semana, o lip sync for your life — uma batalha de dublagem.

Hoje, após terminar de assistir o All Stars 2, basicamente um quase spin off, que reúne queens de outras temporadas que não venceram pra competir de novo, me peguei pensando sobre essa coisa de “o importante não é vencer e sim competir”. Quantas vezes você já ouviu essa frase? Eu já ouvi muitas e normalmente, quando eu era a perdedora e alguém queria me consolar.

Nunca fui grande fã de competições porque sempre tive uma queda pelos perdedores. Eu sempre fui uma perdedora. Nunca ganhei uma rifa, nunca fui a melhor escrevendo, muito menos lendo, interpretando, em jogos de azar, nada. Zero. No máximo um segundo lugar com um gosto amargo. É compreensível… o senso de injustiça toma conta de você, ver algo tão seu sendo usurpado por outra pessoa, sem o mínimo de cerimônia ou desculpas… a vontade é de explodir. Ou explodir o mundo (ou a pessoa) junto.

Mas… onde entra a conexão entre o reality de competição entre Drag Queens e minha pequena epifania sobre o senso de ganhar ou perder?

Uma das minhas queens favoritas competiu em sua temporada e ficou em 5º lugar. Ao retornar para o All Stars, ela ficou em 2º. E apesar de ter todo o potencial para o sabor amargo da derrota, eu fiquei muito feliz por ela. Sabe por quê? Porque eu vi o real significado do “participar da corrida”.

A Queen em questão tinha sérios problemas com ansiedade (olá, representatividade), autoestima e confiança. Ela era incrível e todo mundo podia ver isso, menos ela. Pra somar, ela ainda lidava com a sobriedade em uma competição altamente estressante. Daí você tira a receita pra uma pessoa ficar com os nervos à flor da pele. Ao sair da competição, ela deixou a seguinte frase: “(…) If you need me, you know where to find me. [The ‘dumpster out back]”. Talvez eu esteja viajando completamente aqui, mas fazer piada sobre a sua própria essência “lixosa” é uma ótima saída pra não ter que lidar diretamente com a derrota.

No All Stars, entretanto, você via a exata mesma Queen sob uma ótica completamente diferente. Ela continuava esquisita, com um senso de humor questionável e escolhas completamente malucas mas muito acertadas para os desafios. Mais do que isso, você conseguia ver uma pessoa completamente confortável em ser ela mesma e viver aquela competição. A Queen insegura da temporada anterior tinha dado lugar a uma Queen segura, tranquila e muito atenta ao que poderia ou não acontecer. E desse jeito, ela chegou muito mais longe do que antes e com uma trajetória muito mais suave.

Em um momento memorável para mim, após receber duras críticas sobre uma ideia para o desafio, ela simplesmente fala que vai seguir com sua ideia original porque “não vou entrar em pânico. Eu não faço mais isso”. E é de novo, esse nível de confiança de que independente do resultado, você seguiu seu instinto, me faz gostar muito dessa trajetória na competição. Ela ficou em segundo? Ficou. Mas pra mim, ver aquela artista crescer tanto sem ser uma c*zona com ninguém e sendo fiel a estética e realidade da personagem…. foi a vitória.

No fim das contas, a competição é muito mais sobre entender quem você é e o que você está disposta a fazer. Aceitar seus pontos fortes e pontos fracos não como antagonistas mas como irmãos, dentro da mesma família. Abraçar cada etapa daquela corrida maluca, enxergando cada pedacinho de desafio como uma oportunidade de aprendizado. É como crescer… doloroso, excruciante, irritante mas ao mesmo tempo enaltecedor.

Eu ainda estou aprendendo essas lições. Vencer ainda é um tabu pra mim, talvez porque nunca aconteceu ou talvez porque não sei como reagiria se eu percebesse a vitória. Viver todos os dias, com os privilégios que se tem já é uma vitória, mas a gente tende a fechar os olhos pra ela porque não tem uma coroa e um cetro atrelados. Mas, similar a carreira de muitas drags que decolou pós Drag Race, é importante focar nas conquistas que vem após a competição, junto com as lições aprendidas e o senso de pertencimento a si mesmo, renascido depois da “derrota”.

E pra mim, ainda virão muitas temporadas de Drag Race e muitas outras lições nessa corrida gigantesca chamada viver e aprender. :)

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Talita Sobral
Pela Metade

31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.