O que NÃO perguntar a um jovem casal

Um guia prático do que não perguntar ao jovem casal que você conhece e deixar eles muito mais felizes!

Talita Sobral
Pela Metade
9 min readAug 9, 2018

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A medida que vou envelhecendo percebo que o maior motivador dos seres humanos é essa necessidade intensa de se meter na vida alheia. É como se uma força invisível nos impulsionasse a acreditar que nós sabemos o que é melhor para o outro, mesmo quando não sabemos o que é melhor para nós mesmos.

Isso vale para tudo: sua carreira, seus amigos, seu corpo, suas roupas e até mesmo coisas que estão fora do seu controle, como sua orientação sexual, por exemplo. Nesse momento você pode estar pensando: “EU? Eu não! Eu respeito as escolhas alheias e odeio me meter na vida dos outros”…. ok. Talvez você seja sensato e de fato, não expresse sua opinião; mas pelo menos uma vezinha, o pensamento de “talvez fulano devesse fazer isso ao invés daquilo” já passou por sua cabeça.

Vivemos em uma sociedade movida pela exposição. Temos Instagram, Facebook, Twitter, Snapchat — e a lista segue -, um monte de contas em redes sociais com o intuito de expor o que você acha/sente/acredita em relação a uma série de assuntos até mostrar qual foi sua última refeição. E a medida que a exposição acontece, ela abre brechas para que outras pessoas consumam o seu conteúdo — sua vida — e se coloquem na posição de opinar sobre suas escolhas (ou não escolhas).

Eu escolhi me casar aos 26 anos. Não sonhava em casar nem imaginava que aconteceria em 2018. Conheci uma pessoa que considero especial e depois de um certo tempo de relacionamento, percebi que queria um contrato perante ao Estado, pra mostrar minha intenção de compartilhar minha vida (e eventualmente meus bens) com essa pessoa. Parece simples, não é? Mas pra algumas pessoas, essa escolha, assim como outras escolhas, deveria ter sido feita de outra forma ou não deveria ter sido feita.

Baseada nisso e nas tantas perguntas (espero que) bem-intencionadas que já recebemos, resolvi fazer uma lista das principais coisas que você não deve perguntar a um jovem casal. Se você nunca pensou nessas perguntas: parabéns! Se você já pensou/perguntou… vale reavaliar o porquê.

Você não é muito jovem pra casar?

Essa é a número 1 nas perguntas feitas para um jovem casal. “Vocês não são muito jovens para firmar um compromisso desses?”. Gente, que diabo de tabu é esse?

Meus pais se casaram quando minha mãe tinha 21 e meu pai, 23. Conheço pessoas que só casaram aos 40. Outras (como minha irmã mais velha) que não tem a mínima vontade de casar. Na minha perspectiva, a única coisa razoável é que você seja legalmente responsável por suas ações…. Fora isso!? Quer casar com 20 anos? Casa. Quer casar com 80? Casa também. Odeia casamento e não quer viver isso nunca? É isso aí!

Não existe idade “ideal” para medir a satisfação de uma determinada experiência. Essa pressão de colocar um rótulo em tudo é o que gera o desapontamento.

Conheço pessoas que são extremamente frustradas porque estão chegando aos 30 anos e ainda não casaram. Como se fosse um passo obrigatório na vida de uma pessoa. Não é. Nem deveria ser. E ao mesmo tempo, vejo gente se torturando por estar “cedo demais” num relacionamento super sério e estabilizado.

E qual é o resumo dessa ópera? Não existe o momento certo, o momento ideal. A vida é movimento e o que você escolhe se movimenta junto. Na hora que acontecer, vai acontecer. Relacionamento é comprometimento diário. Casamento também. Não me sinto mais casada porque tenho uma certidão afirmando isso. O que importa, pelo menos pra mim, é a energia e atenção que ofereço para esse relacionamento e para a pessoa que está nele junto comigo. O que nos leva a segunda pergunta….

Mas vocês não acham que “experimentaram” pouco da vida?

Eu não sabia que existia uma checklist de experiências que você deve ter, obrigatoriamente, até casar. Eu acho essa pergunta até mais idiota do que a primeira, porque eu mesma já fiz ela pra Igor antes da gente casar.

Porque ele é cinco anos mais novo, eu partia do pressuposto que já tinha vivido mais que ele; que tinha feito tudo e que ele, por ser mais novo, talvez não tivesse alcançado esse “patamar”. E pra me deixar com cara de besta, na ocasião que perguntei isso, ele me respondeu: “Eu vivi tudo que tinha que viver, das coisas que queria até as coisas que não queria. Agora, vou viver outras coisas. Não existe isso de ‘não ter vivido’ o suficiente. Eu vivi e vivo e isso é o bastante”. É isso, né?! Não tenho como medir as experiências alheias baseada nas minhas expectativas e vivências.

Cada pessoa é um universo e o que você espera/ambiciona pelo outro diz muito mais sobre você do que sobre o outro de fato. Minha trajetória até o casamento me ofereceu uma série de experiências, boas e ruins, e agora, estou vivendo muitas outras. Minha idade não define o que considero como viver pouco ou muito. Eu defino isso.

Quando vocês vão ter filhos?

Notem que a pergunta já começa com o quando. As pessoas pulam nessa suposição logo de cara: você casou? Você quer ter filhos.

Esse é um assunto que faz menos sentido pra mim hoje do que definir a escala de quem lava os pratos no domingo. Não é algo que já passei horas pensando sobre e depois do casamento, penso menos ainda. Sabe por quê? Porque não é uma prioridade na minha vida muito menos no meu relacionamento.

Seu sonho é ter filhos? Pô, meus parabéns! Seu sonho é nunca ter filhos? Ótimo também. Essa é uma questão que entra no mesmo escopo: escolha (e nem me venha com a ladainha de instinto materno, porque acredito nisso tanto quanto acredito que a Terra é quadrada).

Seres humanos são diversos e têm trajetórias diversas. Quem inventou isso de que você casa > procria > tem síndrome de ninho vazio > morre, é um indivíduo sem criatividade. O mundo é tão vasto de opções, variedades e escolhas… são tantas ramificações de como se vive a própria vida, sozinho ou em conjunto…. por que achar que só essa existe?

Tem gente que sonha com esse passo a passo? Pode crer que tem. Mas é a escolha dessas pessoas. Não é a minha. Talvez nem seja a sua. Mas a gente sempre pula nessas conjecturas, meio que por osmose, pelo que a “sociedade” ensina e perpetua. E é isso que torna tão difícil entender que pessoas são diversas e não podem ser engessadas. Nem nesse quesito de perpetuação da espécie.

Vocês não acham que a rotina/casamento vai estragar o relacionamento não?

Olha só………… vamo definir o que é rotina? Se você faz exatamente tudo igual todos os dias, isso é rotina. Se você faz uma coisa diferente por dia, todos os dias, isso meeeio que é rotina também.

Inevitavelmente a rotina é uma realidade. Repetir os padrões é natural. Significa que a) você está se especializando ou b) você está com dificuldades para aprender e precisa da repetição como estratégia. Em um relacionamento isso também é um fato. Se você namora, a rotina de se falar todos os dias pelo whatsapp é comum. Mas não deixa o seu relacionamento menos especial por isso. É algo da realidade de vocês. É uma característica daquela relação.

No casamento, o rolê é quase o mesmo. A diferença é que você compartilha não somente a rotina do relacionamento mas como sua rotina pessoal. Eu sei que Igor gosta de tomar banho ouvindo música e demora muito tempo por causa disso. Igor sabe que eu acordo feito um zumbi todos os dias e preciso de no mínimo 30 minutos para começar a ser um ser humano funcional. Isso faz parte da nossa rotina como casal? Não. Mas faz parte da nossa rotina enquanto indivíduos que moram juntos e ocupam os mesmos espaços.

E por mais que às vezes seja chato fazer tudo igual e viver num dia arrastado gigantesco e sem fim, a rotina eventualmente se torna “tradição”. Algo que acabou se repetindo se torna parte do imaginário do relacionamento e da vida a dois. São essas as memórias gostosinhas de colecionar. Saber que você criou um universo muito único e especial com alguém, com uma série de artefatos e histórias, que nasceram das atividades rotineiras ou do tédio.

Eu poderia listar uma série de coisas que fazem parte da rotina do meu relacionamento e que não mudaram pós-casamento. Posso listar uma série de outras coisas que nasceram pós-casamento e que também são especiais. Então nem vem com esse papinho de que casamento estraga tudo. Quem estraga tudo (ou conserta tudo) é você mesmo.

Por que vocês só casaram no Cartório? Vão casar na Igreja/fazer uma festona ainda, né?

Deixa eu te contar só uma coisinha: casar custa dinheiro. Tenho amigas que tem uma poupança especial só para fazer uma super festa de casamento. Outras sonham com um casamento mágico na praia mas sabem que não tem o que é necessário ($$) pra isso ainda.

Logo depois do noivado, eu passei uns dois meses me consumindo em planilhas, orçamentos e números do quanto poderíamos gastar numa festa. Quantas pessoas chamar, onde seria, como seria. Bote fé que eu tinha quatro pastas no Pinterest só sobre isso. A medida que as pesquisas avançaram, minha ansiedade avançou junto. Era sempre o mesmo ciclo: o que eu quero não está dentro das minhas possibilidades e as minhas possibilidades não me permitem o que eu quero.

Um belo dia, 31 de dezembro para ser mais exata, eu me peguei pensando no real significado, para mim, daquele evento “casamentístico”. As pessoas que, de fato, importam para mim, sabem a magnitude do meu amor por Igor. Eu sei disso e Igor também sabe disso. Gastar um dinheiro que nós nem temos para comemorar algo que me parece tão íntimo parecia contraproducente. Viver 4 ou 5 horas aquela fantasia, maquiada, penteada, estressada e consumida também.

Depois de pensar o significado daquele passo, decidi que não queria uma super festa. Não queria alarde nem buzinas muito menos burburinho. Queria ir discretamente ao cartório assinar meu contrato e voltar para o conforto da minha casa e dos meus gatos. Igor concordou comigo e foi mais ou menos isso que aconteceu.

P.s.: sou agnóstica então esse negócio de Igreja nem faz sentido aqui no meu país.

“Mas se eu não posso perguntar sobre nada disso, o que eu posso perguntar?” você pode estar pensando…

Minhas sugestões são simples: pergunte sobre coisas que façam os olhos do outro brilhar. Pergunte como foi o dia da pessoa; o que ela anda lendo; se ela já conseguiu terminar aquela série incrível; se os gatos dela estão saudáveis (no caso de quem tem gato, é claro). Velho, a lista é quase interminável. Tem uma série de perguntas legais que não necessariamente vão incomodar/gerar mal estar para a pessoa ou para o casal. Tanta coisa no mundo pra se perguntar e a criatura vai me perguntar quando eu vou ter filho?! Fala sério.

Entendo que a curiosidade pode partir de um lugar legal, de preocupação e cuidado. Mas enquanto indivíduos autônomos, temos completa liberdade para avaliar, realizar e desistir das nossas escolhas. No fim das contas, a responsabilidade não é sua: é de quem tá vivendo aquilo ali. Se você não gosta da escolha de uma determinada pessoa, é simples: não faça o mesmo. Se você quer entender mais sobre aquela escolha mas faz isso de forma invasiva: dá uma segurada, bebê. Se você acha que a pessoa deveria fazer “x” ao invés de “y”, ok, legal, mas talvez pra ela “x” seja incrível e você, por estar preso no prisma da sua própria vivência, não consiga enxergar isso.

E viver em sociedade, nada mais é do que isso: entender até onde vai a sua liberdade e não invadir a liberdade alheia.

Pergunta bônus: Depois que casou deixou de fazer sexo né? rsrsrs

Para essa aí, o silêncio vale mais do que mil palavras.

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Talita Sobral
Pela Metade

31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.