O que você deixou de ser quando cresceu?

Alternativas para uma pergunta inconveniente.

Matheus Galvão
Pela Metade
4 min readJul 30, 2018

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Imagem: Konrad e Paul (Pinterest)

“O que você quer ser quando crescer?”

Quando a gente é pequeno ouve essa pergunta o tempo todo.

Outra coisa que me lembro, é de ter tido vários tipos de brinquedos, muitos deles vindo de um afã de querer induzir uma vontade de eu ser algo como médico, advogado, empresário…

Hoje, refletindo comigo mesmo, tenho muito “pé atrás”com essa pergunta. Por vários motivos.

Ela é inconveniente

Quando você pergunta a uma criança o que ela quer ser quando crescer, está colocando uma pressão enorme em algo que ela não precisa lidar naquela fase.

Crianças precisam brincar e interagir com outras crianças e com o mundo. Elas precisam formar sua visão de mundo e imaginar o que puder imaginar. Isso estimula a criatividade e a autonomia. Só assim ela vai formar sua personalidade e caráter.

Perguntar uma coisa tão profunda como o que ela vai fazer da vida é uma coisa absurda, pois coloca um peso de cobrança desde cedo sobre os ombros de alguém que não precisa de um problema desses.

Sempre há uma tendência de ser influenciado pelos pais ou outro familiar. Se a gente no fundo não quer decepcionar alguém que amamos, tomamos decisões erradas apenas para não ferir essas pessoas. E quem defende a gente de se ferir?

Isso é só o retrato de uma sociedade movida a trabalho, principalmente se esse trabalho dá algum status. Afinal, quando a criança responde que quer ser gari, caminhoneira ou outra coisa do tipo ela é motivo de chacota. Como se essas últimas alternativas fossem um trabalho de menor importância.

Acho que seria mais conveniente perguntar para uma criança qual o próximo brinquedo ela quer ou quem são os melhores amigos dela.

Essa pergunta é egoísta

Quando um adulto pergunta isso e rejeita opções consideradas menos relevantes, ela deixa uma mensagem bem clara: você precisa ganhar dinheiro, escolha algo melhor que vá te sustentar e garantir seus desejos.

Dinheiro seria uma coisa completamente dispensável se vivêssemos como uma comunidade efetivamente. Por que o Estado é tido como o salvador da pátria por muitos? Por que o capital e o mercado são os santos de outros?

Nenhum deles dá jeito em nada. Porque no fundo não precisamos de nada do que nos fazem acreditar que precisamos. É tudo maravilhoso? Talvez. Eu adoro? Sim. Mas e aí? É tudo um castelo de areia imaginário.

Quando você infere que deve ter uma profissão para se satisfazer, esquece que qualquer atividade tem uma função dentro do todo.

Não seria melhor perguntar: o que você pode fazer pelos outros que ao mesmo tempo de deixaria feliz?

Ela esvazia sonhos

Poucos são os que assumem isso, mas se pudessem estar fazendo outras coisas eles estariam. Quantas pessoas frustradas existem agora no mundo? Você consegue identificar alguma no ambiente que está, agora mesmo?

Eu diria que uma boa parte dos que estão lendo esse texto são frustrados, afinal o título dele é bem atrativo para esse tipo de pessoa.

Quando sua mãe, pai, vó ou vô começa a induzir você a ser médico, engenheiro ou juiz, eles estão negando — até de forma inconsciente — que você se realize fazendo aquilo que você gosta.

Já conheci gente que sonhava em fazer História; aí as pessoas diziam assim: “nossa, não é melhor fazer direito, já que tem a ver?”.

A questão é que gostar de História não precisa ser um requisito para cursar Direito. Gostar de história pode ser só gostar de história mesmo; gostar de querer ser um historiador, de querer fundar um novo ramo da História. E se você gostar de games, não pode ser um historiador de games ou algo do tipo?

Por que não perguntar a uma criança: qual o seu sonho? O que você ama? O que fez hoje que te colocou mais perto e certo de que ele é o seu sonho?

Essa pergunta é uma fábrica de adultos frustrados

Já perdi a conta de conversas que tive com pessoas que estão angustiadas porque não se identificam com o que fazem.

Elas foram enganadas pela conversinha da família tradicional brasileira que acha que ser designer, músico ou publicitário são coisas de vagabundo e drogado (aliás drogado é um termo muito mal utilizado, poderia escrever várias linhas e parágrafos sobre). Mas já parou para se perguntar por que o nível de dependentes químicos entre estudantes de medicina e médicos é tão alto?

Depois de grande, essa pergunta — o que você vai ser quando crescer — é uma tormenta para quem se vê no dilema “o que eu fiz da minha vida”?.

A gente olha pra trás e vê o quanto de tempo perdemos vivendo os sonhos que pareciam nossos, mas no fundo era uma grande compilação dos desejos alheios.

Se você está lendo esse texto em tempo e ainda não decidiu muita coisa da vida, aproveite para refletir e se perguntar: o que EU quero da minha vida?

A essa altura, eu só posso concluir dizendo: não seria bom repensar e aposentar a pergunta “o que você quer ser quando crescer?” e evitar perguntar a um adulto frustrado: “o que você deixou de ser quando cresceu?

E você, acha o quê? Você deixou de ser algo quando cresceu? Não se esqueça de segurar as palminhas se gostou do texto.

Se viu algum erro, por favor me fala! Não tenho vergonha de errar, então não tenha vergonha de corrigir!

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