Precisamos Desacelerar?

Leone Borges
Pela Metade
Published in
5 min readMay 27, 2022

Recentemente, enquanto lia alguns tweets, me deparei com um tópico interessante, tão válido, que ficou em minha cabeça por alguns dias.

Basicamente a Melina Souza, que é uma criadora de conteúdo literário fez o seguinte comentário:

“Precisamos urgentemente dar mais atenção e força para o movimento de desacelerar.”

Ela ainda fez menção aos áudios acelerados do WhatsApp, os vídeos assistidos na velocidade x2, sobre o fato das novas gerações estarem aceleradas, o incentivo das redes sociais e o perigo de pifarmos.

E isso me intrigou tanto, que senti necessidade de respostar nas minhas redes sociais e tentar de certa forma, abrir uma discussão ou pelo menos levar mais alguns olhares para o tema.

Como resultado disso, algumas pessoas reagiram a publicação, algumas concordaram, outras discordaram. Mas a grande maioria apenas ignorou. Isso faz quase um mês e eu ainda estou pensando sobre, por isso esse desabafo.

Pode ser que algumas pessoas se adaptem com esse “novo mundo” acelerado, e talvez a nossa geração (nascida nos anos 80 e 90) estejam apenas com medo de serem ultrapassados, afinal, as gerações tendem a ser mais rápidas, ágeis e até mais inteligentes que as anteriores.

Talvez não.

Quando falamos sobre esse movimento de aceleração exacerbado, particularmente eu o vejo como um movimento muito mais interno e intrínseco do que externo e evolutivo. Enxergo esse movimento como algo prejudicial que atinge a saúde mental, principalmente ansiedade e angústia.

A necessidade de acelerar e correr, pode estar ligada diretamente a sensação de não acompanhar o ritmo do “mundo”. Ou seja, vidas perfeitas, empregos perfeitos, corpos perfeitos, tudo muito rápido, descartável e com o tempo desinteressante. E com essas angústias e frustrações interligadas, elas acabam jogando um peso ainda maior nos “novos adultos” ou pior nos adolescentes, que ainda estão em construção. Porque nessa perspectiva, o movimento de acelerar acaba se tornando “normal” e se você não consegue alcançar você é um fracasso e eu tenho “preguiça” de você.

Mas é claro que esse é apenas o meu ponto de vista.

De qualquer forma, é super plausível a tendência natural de que a cada ano, década ou século o ser humano acelere. Afinal, sim, as gerações precisam se adaptar e se moldar. Em outras palavras, evoluir.

Claro que as gerações anteriores de modo geral, nunca deram a menor importância para esse tema. Essa é uma das razões que pode explicar o quão violento, forçado e cruel esse movimento de acelerar a qualquer custo, vem sendo para a grande parte de nossa geração, levando muitos além do limite.

Isso apenas falando das gerações de 80 e 90, mas a medida que as pessoas vão ficando mais velhas, é natural que elas tendam a perder a capacidade de acompanhar a geração atual. O ritmo do mundo parece insano, cruel e a aposentadoria vem de forma forçada, não só profissionalmente, mas o intelecto e as relações em geral precisam se aposentar mais cedo como consequência.

Enquanto acelerar, nos força a entrar em uma disputa emocional e psicológica diária com uma concorrência que nem sabemos se de fato existe. Somos obrigados a lidar com menos recursos (financeiros e mentais) e inseguranças, que são frutos do que nós pensamos que os outros pensam da gente. É bem triste na verdade.

Por sorte, grande parte dessas inseguranças relacionadas a esse movimento cruel de acelerar a qualquer custo pode ser remediado com terapia. Terapia é fundamental, e não pode ser tratada como um luxo. A nossa geração já está com medo de acelerar, mas o medo de desacelerar e ser julgado e deixado para trás é ainda é maior.

Precisamos desacelerar, porém, nos pontos certos e esses pontos são diferentes para cada um. Autoconhecimento, autocrítica, pegar leve consigo mesmo, tudo isso é descoberto e desenvolvido no processo terapêutico.

Porque o mundo vai seguir acelerando, cada vez mais. Não tem jeito. Mas não significa que só porque o mundo está correndo que a gente precisa correr junto, na mesma velocidade, ou na mesma pista. A gente pode e deve acompanhar, mas sem tanta pressa. Correr e acelerar nos pontos e nos lugares certos, não durante todo o trajeto. Se conhecer, para otimizar as ações.

Controlar tudo. Se importar com tudo. Sofrer com tudo. Querer tudo.

Infelizmente essas não são as respostas. Para que nossa geração possa evoluir mental, social e emocionalmente é preciso mudar, inverter o movimento e sim: desacelerar.

Essa perspectiva de desacelerar é um caminho. Nesse exato momento existem jovens de 20, 30 e 40 anos infartando, colapsando e enfrentando desafios emocionais, psicológicos e econômicos que são resultado desse movimento. Ansiedade, depressão, suicídio. Surtos de angústia, paralisia emocional. Sofrer por antecipação. São só alguns dos sintomas.

E claro, ainda existe uma fatia de pessoas que não sabem o que fazer e vão destilar ódio pelas redes sociais, que não conseguem estar em relacionamentos saudáveis e a lista de reflexos sociais cruéis é quase infinita. O que quero dizer é que: as pessoas que mais julgam, em geral, são as mais sobrecarregadas e feridas emocionalmente.

Felizmente, outra fatia de pessoas já compreendeu que estão nesse lugar e estão dando passos para desacelerar. Mas cada um tem uma curva de aprendizagem e seu próprio tempo. Certamente, nem tudo está perdido, mesmo que todo mundo esteja mal, em especial nossa geração.

É importante continuar com o movimento de se conhecer, de conversar e debater, estar aberto aos pontos de vista diferentes, fazer terapia, beber mais água e usar filtro solar.

É muito importante estar aberto a conversas. Genuinamente abertos.

Você não precisa ganhar discussões, você não precisa sempre ter razão e você com certeza sabe muito, mas não sabe tudo. Construir o hábito de REALMENTE escutar, entender, absorver e trocar é como construir pontes.

Não é porque qualquer pessoa pode criar conteúdo (uma foto do seu fim de semana no instagram por exemplo) que ela automaticamente pode ser julgada, ou deve estar armada para uma crítica negativa. Não precisa ser assim.

Sem dramas, sem se inflamar e sem se sentir atacado. Todo mundo é filho de alguém, irmão de alguém, amado por alguém. Mas também é rejeitado por alguém. Todo mundo está passando por algo.

Esse novo movimento de desacelerar pode nos dar a oportunidade de pensar: Hmm, entendi o que essa pessoa quis dizer, não concordo, mas tá, faz sentido pra ela.

A gente volta para a curva de aprendizado que vai passar pela: cultura, meio onde ela cresceu, momento de vida. E talvez, seja possível trocar novas experiências. Aprender e ensinar. Escutar e falar.

Quanto mais divididos e fechados em nichos melhor para os políticos, para os empresários e pior para nós.

Desacelerar implica em construir, não destruir. Desacelerar não é retroceder, mas avançar com sabedoria. Desacelerar é correr no seu ritmo, não a qualquer custo.

Desacelerar parece impossível, mas é mais simples do que parece. Só porque é difícil não significa que seja impossível.

Seja a mudança que você quer ver no mundo.

– Mahatma Gandhi

Os primeiros passos são os mais difíceis: fazer terapia, se conhecer e mudar. Não nessa ordem. Mas no seu tempo.

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Leone Borges
Pela Metade

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