Ilustração: Agatha Catunda

Pulei do barco. Continuarei nadando

Sobre despedidas que precisam ser feitas.

Pela Metade
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3 min readJul 17, 2018

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Quando completei 24 anos encontrei, por acaso (será?), um pequeno texto supostamente escrito por Charles Bukowski. Copiei e deixei salvo em um dos meus cadernos do Evernote.

“É verdade que eu não tenho muita ambição, mas deveria haver um lugar para pessoas sem ambição, quero dizer um lugar melhor que o normalmente reservado a elas. Como é que um homem pode curtir ser acordado às 6:30hs pelo alarme de um relógio, pular da cama, se vestir, engolir um café da manhã, mijar, cagar, escovar os dentes e os cabelos e batalhar no trânsito para chegar a um lugar onde essencialmente você faz pilhas de dinheiro para outra pessoa que ainda te pede para ser grato pela oportunidade de fazê-lo?”.

Tirando a parte da ambição, porque sim, tenho algumas, como não amar Bukowski e imergir em infinitos pensamentos? Sempre fui muito questionadora, sabe? Não daquelas que vociferam por aí todas as suas incertezas; uma questionadora contida, porém determinada. Constantemente explodindo por dentro. Tenho uma terrível tendência à inércia e acho que é por isso que me empurro na direção contrária. Tenho medo de sucumbir a existência banal. Sempre tive. O trivial nunca coube em mim. Eu posso ser simples, comum não.

Mas depois de quase 3 anos trabalhando em um lugar no qual eu não me encaixava, percebi que estava me tornando aquilo que eu mais temia. Estava deixando meus projetos pessoais e alguns sonhos de lado, vivendo uma vida em que a melhor parte era…chegar em casa.

Decidi que era a hora de me despedir. E essa foi a minha primeira carta (informal) de demissão.

“O pior naufrágio é não partir”. Amyr Klink

Há algum tempo eu vinha repetindo essa frase e, honestamente, não tinha ideia do quanto ela é verdadeira. Há algum tempo eu repetia essas palavras como se fosse um mantra e percebi que estava à deriva. Meu barco, tão frágil e resistente, estava flutuando sem rumo, perdido. Pior que um náufrago, eu era apenas alguém que estava…ali. Sorte minha que, vez ou outra, um pássaro ou lembrança passava para me certificar de que eu não estava sozinha. Sorte minha que os bons ventos da minha essência não me deixaram esquecer quem eu sou e onde eu posso chegar. Por isso decidi pular e nadar. Se eu ficar pelo caminho, senhoras e senhores, pelo menos terei tentado. Afinal, e esse é outro mantra motivador (e assustador) que repeti em silêncio durante longos dias: “Um dia você vai morrer”. E nada, nada é mais importante que as nossas buscas quando colocamos nossa vida nessa perspectiva.

Aos que ficam e contribuíram de forma positiva para minha jornada, muito obrigada. O que aprendi com vocês também faz parte de quem eu sou hoje.

E para aqueles que, assim como eu tive, ainda tem medo de novos ciclos, Fernando, o Pessoa, mandou avisar:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

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