Quando foi que deixamos para trás a civilidade?

Felipe Bittencourt
Pela Metade
Published in
3 min readOct 28, 2018

ci.vi.li.da.de

1. Conjunto de formalidades adotadas pelos cidadãos entre si para demonstrar consideração e respeito mútuo; boas maneiras, urbanidade.

2. A observância dessas formalidades.

Essa é uma pergunta que vivo me fazendo, constantemente, várias vezes ao dia, há algum tempo.

E não tenho nem um fiapo de explicação por onde começar.

Na verdade, para começar, tenho apenas essa pergunta, que usei como título desse texto quando ele era apenas um rascunho de ideia na minha lista de temas possíveis no Pela Metade, que orienta uma boa parte dos debates que venho tendo ultimamente: quando foi que passamos da indiferença para o ódio? Por que tamanha repulsa pelas diferenças do outro?

Há aqueles, como o sociólogo espanhol Manuel Castells, que sustentam que o primeiro momento jamais existiu, sobretudo no caso de nós brasileiros. Que a imagem do brasileiro simpático, pacato é apenas uma construção folclórica que adotamos para sair bem na foto.

Esse ponto faz algum sentido, e talvez até torne o meu questionamento inicial levemente deslocado, já que seria o mesmo que dizer que eu apenas não tinha, até o momento, a percepção de que as relações entre as pessoas estavam se deteriorando e se direcionando para essa configuração. O problema está debaixo do nosso nariz há tempos, mas não percebemos.

Quem tem um pouco mais de contato com o público (no meu caso, por necessidade de trabalho) já tem na cabeça um pouco da noção que simplesmente não é possível que a coisa tenha saído dos trilhos apenas recentemente. As nossas relações com aqueles que são diferentes de nós já estão precisando de uns bons ajustes há algum tempo.

E vemos evidências em todo lugar: o que é diferente é visto com cautela, desconfiança e até repulsa. O período eleitoral que se encerra hoje não abriu essas feridas, apenas as colocou sob evidencia mais uma vez. E certamente os eventos que se seguirão nos próximos anos servirão como evidência do aprofundamento desse processo.

E esqueça as relações políticas e posicionamentos de estado por um momento. As relações interpessoais são as mais afetadas por esse abandono da civilidade; certa vez eu conversava com um colega que me confidenciou que não debatia sobre determinados assuntos com membros de sua família, que tinham algumas visões mais radicais sobre certos temas. O racional que ele usou para justificar essa situação foi “Eles têm as opiniões deles, eu tenho as minhas, nada vai mudar e só vai servir para gerar uma briga”. Sensato. Essa situação soa familiar pra você?

Talvez seja apropriado que eu mude o título do texto para “quando foi que perdemos a capacidade de debater ideias sem atacar o indivíduo?”, ou talvez “quando foi que a destruição do indivíduo passou a ser sinônimo de discussão de ideias”, ou, para simplificar, “por que ideias não podem mais ser questionadas?” A minha favorita é: “quando foi que a boa velha educação doméstica morreu?

Para ser franco, são todas perguntas para as quais eu não tenho resposta, mas sinto que essa pauta precisa de mais relevância. Fico igualmente perdido quanto qualquer um quando penso na solução para esse problema, e não tenho uma boa sensação quanto aos rumos que nossa sociedade está tomando. Os motivos são óbvios.

Mas é um problema que vejo galopando em nossa direção, e que está mudando a forma como nos relacionamos. Sem o mínimo de civilidade não nos diferenciamos em nada de animais. Falar sobre respeito, tolerância, ou apenas bons modos, subitamente é relevante novamente.

Talvez apenas nunca deixou de ser.

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Felipe Bittencourt
Pela Metade

Trekker. Entusiasta do Direito e da tecnologia. Neverending work in progress.