Quantas vezes você já se sabotou hoje?

Felipe Bittencourt
Pela Metade
Published in
4 min readSep 16, 2018

Você tem alguma ideia? Você saberia dizer quantas oportunidades perdidas você proporcionou a si mesmo no dia de hoje? Quantas vezes questionou a qualidade do próprio trabalho? Quantas vezes perdeu uma chance de relações mais profundas e significativas com as pessoas a sua volta?

É, eu também não. Mas sei que acontece.

A sensação é terrível: você sabe que sua ação (geralmente falta dela) está te colocando numa posição onde você não gostaria de estar, e também sabe que o resultado que você deseja depende diretamente de uma guinada completamente diferente em relação ao que você está fazendo no momento.

Me pergunto apenas o quanto esse padrão de comportamento é repetido diariamente, sem que nem mesmo consigamos perceber. Tentei listar alguns contextos relevantes que agravam essa conduta para que possamos pensar um pouco sobre o assunto.

No pain, no gain (ah, tá.)

O papel da cultura de alta performance e produtividade desse comportamento de autodepreciação do trabalho certamente merece uma avaliação com um microscópio; estamos sendo (muito bem) adestrados para aprender a colocar como prioridade os interesses do grupo e o bem estar da coletividade acima de nossa própria individualidade. A desculpa aqui assume nomes bonitos, gourmet, vindos da gringa, como team play. E ferramentas transplantadas da psicologia também costumam colaborar na mitigação dos medos e ansiedades para que as pessoas possam se encaixar melhor como engrenagens em um grande maquinário que, afinal, precisa funcionar.

E para isso acontecer é necessário que façamos algumas renúncias de ordem pessoal. Você sabe, pelo bem do grupo.

Aprendemos isso tão bem que de repente a coisa transborda para outros campos da vida: nas amizades, nos relacionamentos. Quando você se dá conta, de repente está proativamente se anulando, questionando as próprias decisões, menosprezando as próprias conquistas. E a melhor parte: a sensação é ruim, mas depois de um tempo torna-se natural, parte da vida. Algo com o que podemos conviver.

Voando abaixo do radar da nossa percepção, esses pequenos atos de renúncia reforçam alguns enviesamentos perversos que já carregamos conosco ao longo da vida profissional e ficam completamente escondidos do restante de nosso comportamento consciente.

Tento até não entrar no mérito de que talvez esse tipo de situação se perpetue justamente porque existem interessados de que seja este o caso. E garanto que não se trata do autosabotador.

One pill a day…

As questões de saúde mental envolvidas aqui são extremamente relevantes, e penso até em escrever algo sobre o assunto em algum momento no futuro no Pela Metade. Por agora, tudo que tenho a dizer sobre o assunto é que todo mundo precisa se consultar com os profissionais dessa área, e que esses males não são motivo para brincadeira.

Posso adiantar que tem algo que serve para minar qualquer boa vontade que possa surgir de remediar esses problemas: decretamos, como sociedade, que precisar de ajuda para lidar com problemas de saúde mental é algo menor. O preconceito com o trabalho desempenhado por esses profissionais é imenso, e o estigma carregado por quem recorre a eles é absurdo e descabido.

Enxergamos com certo glamour quem “aguenta” situações de dificuldade e adversidade sem recorrer a profissionais especializados. No caso dos homens, a superestrutura do machismo faz com que até mesmo uma pequena abertura emocional com uma pessoa próxima sobre um problema qualquer seja repreensível. O homem, afinal, precisa ser uma pedra no oceano, austero e inabalável ao que acontece a sua volta. Que bobagem infantil.

A falta de acesso a uma saúde mental plena proporciona esse tipo de situação de descaso completo para com nossa autoestima (não confundir com vaidade, por favor).

No fim das contas, como sempre, saem perdendo os sabotadores.

Autoestima: pra quê isso, jovem?

Fomos ensinados que ter uma postura de autoestima é a mesma coisa que vaidade. Por isso é feio sentir orgulho dos próprios feitos, é coisa de gente metida falar abertamente sobre as próprias conquistas. Se sentir bem com tudo isso, nem pensar. Esse é mais um prato cheio para o sabotador de si mesmo.

A autoestima (aquela de verdade, não a do Instagram) é um tema que deveria ser de especial interesse na formação de qualquer indivíduo, mas o tabu permanece.

O problema é que quando aprendemos que o trabalho que sai de nós não possui tanto valor, ou somos adestrados a não nos sentirmos bem com nossos próprios triunfos, está criado o terreno fértil para todo o tipo de abuso por parte de quem se beneficia do sabotador. Acredite quando eu digo que essas pessoas estão por aí.

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Felipe Bittencourt
Pela Metade

Trekker. Entusiasta do Direito e da tecnologia. Neverending work in progress.