Sally e Sullivan — um conto sem título (parte final)

Thais Mello
3 min readSep 30, 2018

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Eis que chegou. O dia da última parte.

Numa dessas sextas-feiras, Sullivan (que apesar de possuir um espírito livre divertido, era muito tímido), tomou umas cervejas a mais, além dos shots de tequila e resolveu subir no palco. Cochichou no ouvido do cantor da banda alguma coisa, e ele cochichou de volta com a banda. Segundos depois Sally conseguiu ouvir os primeiros acordes de uma música conhecida. Era “Always”, um clássico do Bon Jovi, entoada por 9,5 dos casais rockeiros apaixonados. Era bem cheeky, como ele gostava de dizer. Cafona, brega… Mas Sally não conseguiu esconder o sorriso bobo, quando ele lhe olhou no meio da plateia e deu um sorriso de canto de boca, que ela traduziu como “essa é pra você”.

Poderia ser apenas loucura da sua cabeça, e nesse momento bateu uma pontada de tristeza, ao lembrar que na semana seguinte Sullivan voltaria para os EUA. Ele estava apenas conhecendo a empresa brasileira neste momento, para retornar e então se decidir. O mês havia passado numa velocidade furiosa, e a cada dia passado Sally sentia uma necessidade crescente de viver aquilo com a maior intensidade possível, como se tivesse uma certeza quase absoluta de que não se veriam nunca mais…

Chegou então a última sexta-feira antes do retorno de Sullivan para Atlanta. Curiosamente foram para o pub onde tinham se beijado na varanda pela primeira vez. No fim da noite Sullivan convidou Sally para conhecer o loft onde estava se hospedando que ela carinhosamente chamava de “abatedouro pimposo”, em uma referência a ideia de que era comum que ele levasse mulheres para lá, apesar dele nunca ter confirmado (ou negado) o fato.

O loft era realmente de um bom gosto que deixou Sally impressionada. Muita decoração inspirada em pop art, mesclada com objetos com pegada mais retrô, o que a deixava ainda mais curiosa, e por que não dizer, excitada com tudo aquilo. Um misto de sim e de não preenchia os espaços vazios em seu peito.

Vinho? — perguntou Sullivan. Ela titubeou. Vinho definitivamente não estava entre suas bebidas preferidas, olhou o rótulo de relance… vinho caro, tinto, seco. Pior opção possível. Preferiu a sinceridade: — detesto vinho. Sullivan sorriu, como se ouvir aquela frase lhe desse um prazer súbito. -Cerveja?, novamente uma negativa. -Tem suco? Sally perguntou. Sullivan pegou um copo e encheu com um suco pronto de laranja, que estava escondido em um canto da geladeira. Sally achava surpreende a capacidade que as pessoas tinham de valorizar bebidas alcoólicas e subvalorizar um bom suco de fruta. Coisas da vida…

Sullivan lhe apresentou o andar de baixo do loft (não que houvesse muito o que apresentar, foi apenas uma tentativa de quebrar o gelo). Deixe eu lhe mostrar o andar de cima agora… Disse ele. Pelas contas de Sally, faltava conhecer apenas uma coisa… A cama. Subiu as escadas com uma leve apreensão, desejou ter escolhido o vinho, ou qualquer outra bebida alcoólica ao invés do suco de caixa. Terminou de subir as escadas e viu… Uma cama gigantesca, coberta por lençóis brancos lisos, travesseiros gordos, uma porta que supôs ser do banheiro da suíte, mas algo reteu sua atenção… Ao lado da cama, em uma escrivaninha, viu um artefato cheio de fios. Sullivan notou que seus olhos tinham se perdido no objeto desconhecido.

-Tenho um problema cardíaco. Preciso colar esses eletrodos com fios para monitorar o coração toda noite. Fico parecendo uma marionete, mas, nada que você não possa se acostumar- E riu.

Sally não deu muita atenção a frase como um todo.

Achou melhor não tocar no assunto naquele momento e agradeceu por estar segurando um copo de suco e não de bebida destilada, ou provavelmente não teria segurado a língua na boca e falado algo inapropriado.

Veio então aquele momento desconcertante, de não saber exatamente o que fazer, Sullivan olhou para Sally, olhou para a cama logo atrás. Ela sentiu o corpo cair para trás. Imaginou que a sensação de deitar em nuvens deveria ser parecida com aquela. Na sequencia sentiu o corpo de Sullivan sobre o seu de modo confortável.

[fim]

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