Uma humana e duas felinas: um conto de amor

Talita Sobral
Pela Metade
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7 min readSep 27, 2018

O ano era 2013. Nessa época, eu trabalhava como estagiária na Universidade em que fiz meu ensino superior. O campus era (e continua sendo) um lugar muito bonito, cheio de longos jardins e uma população sempre crescente de animais que costumavam ser abandonados por ali.

Ilustração de Maggie Cole (instagram.com/maggiecoledraws)

A comunidade nos arredores deixava os animais no campus, por saber que as pessoas acabam adotando ou cuidando dos bichanos (principalmente uma moça — que nunca soube o nome — do departamento de biologia que sempre trazia sacos e mais sacos de ração e distribuía nos pavilhões de aula). Como funcionária/aluna, eu convivia muito com isso e sempre tinha vontade de levar alguns bebês pra casa… mas sempre aparecia um contratempo: dinheiro (ou a falta dele), espaço, tempo.

Eu estava voltando após quase uma semana afastada por conta de uma dengue que tinha me arrebatado e a primeira coisa que Jorge, meu chefe na época, falou quando cheguei foi: “Talita, tinha uma ninhada de gatinhos aí essa semana! Mas já adotaram todos… uma pena que você não chegou a ver”. Jorge era o tipo de cara que não gostava muito de gatos e por achar o meu interesse super curioso, sempre me estimulava a interagir com os bichanos. Obviamente fiquei muito feliz por todos os filhotes terem sido adotados e só por pura curiosidade, fui dar uma voltinha no pavilhão no meu intervalo, para ver se não tinha nenhum bebê perdido. Foi aí que fui arrebatada.

Era uma caixa de papelão com dois filhotinhos deitados juntos e fora dela, uma filhotinha muito ousada, do tamanho de uma lata de refrigerante, escalando o meio fio do corredor entre os jardins e se aventurando por ali. Era a coisinha mais horrorosa do mundo. Cabeçuda, com uma barriguinha saliente e os membros magrinhos, os pelinhos todos ouriçados e uns olhinhos esbugalhados — era minha antes mesmo de ser. Na mesma hora, entrei em conflito: “meu deus, eu quero muito adotar mas como vou fazer isso? eu viajo todo final de semana, não tenho como deixar ela sozinha!! e os custos de ração? vacina? areia? isso não vai dar certo”. Os contratempos eram muitos assim como meu interesse por aquela bebezinha feiosa.

Ilustração de Maggie Cole

Fui pra casa com aquele peso no coração, de que poderia ter feito mais por ela. Foi aí que eu voltei. Voltei pro campus, peguei a bebêzinha no colo e levei pra casa. Naquele momento, ela deixou de ser um gatinho no campus e se tornou Arya, minha gata. Não vou dizer que foi fácil, porque não foi. Gastei um dinheiro que não tinha em consulta com veterinário, ração, caminha, caixa de areia, kilos de areia e vacina. Ela era muito bravinha e aventureira, então escalava absolutamente tudo dentro de casa: sofá, geladeira, fogão, cama…. mesmo com um palmo de altura 😂. Ela caçava grilos e fazia uma chacina, miava desaforada o tempo todo, brigava até com o rapaz que entregava água.

O ano era 2017. Igor, que na época ainda era meu noivo, queria por que queria adotar um gato dele. Na época, nosso contrato de aluguel estava em vias de ser assinado e eu já tinha Arya.

Por puro acaso do destino, uma gatinha que “morava” no trabalho de minha irmã tinha acabado de dar cria: cinco gatinhos vira-latas. A mais bonita dos cinco parecia um siamês. Pelinho cinza, um par de olhões azuis. No momento que Igor viu, ela deixou de ser a mais bonita da ninhada e se tornou Nina Simone.

Ilustração de Maggie Cole

Nina viveu aventuras desde muito cedo. Ela continuou com a mãe até o desmame e já nessa época, ela tentava explorar os arredores sem os irmãos. Quando chegou em nossa casa, era um pingo de gente cheia de ousadia. Arya já tinha o dobro do tamanho dela e não gostou nem um pouco da nova companheira. Mas Nina não se abalava. Nos momentos em que a gente permitia que elas ocupassem os mesmos espaços (em prol da adaptação), Nina tentava interagir — mesmo correndo o risco de tomar um tapa de Arya — e conseguia com sucesso. Por conta da ousadia de Nina, elas já conviviam sem riscos no 4º dia de adaptação.

Mas não se engane achando que foi fácil. No primeiro dia, Nina tinha que dormir com a gente, em cima da cama, pra não tomar porrada de Arya. Só conseguia comer em um ambiente separado e quando íamos pro trabalho, ela tinha que ficar isolada em um quarto, para não ter riscos de cair numa briga enorme (sim). Pra completar, Nina sentia falta dos irmãos e era um grude imenso com a gente — algo que achei que duraria só a infância mas perdura até hoje, 😂.

E o que me faz amar tanto essas meninas? É muito fácil explicar…

Ilustração de Maggie Cole

Gatos são mini pessoas. Tem personalidades muito marcantes, hábitos esquisitos e curiosos além de serem máquinas ambulantes de maluquices. Tudo que eu preciso pra ser feliz nessa vida.

Arya é mais parecida comigo: meio desconfiada, meio braba, extremamente meticulosa com limpeza e só dá carinho na hora que quer. É muito fácil lidar com ela: não ultrapasse seu limite. Se ela quiser carinho, vai encostar a cabeça em você. Na hora que o carinho for suficiente, ela vai morder sua mão pra parar. Mesmo sendo bravinha, ela é muito sensível e amorosa.

Lembro de uma certa vez que estava muito triste, chorando horrores sentada na minha cama. Nessa época, éramos só eu e ela. Arya simplesmente subiu na cama, deitou do meu lado, encostou em mim e ficou ali, como quem diz: “ei, eu tô aqui tá?” e aquilo foi o suficiente pra meu coração ficar um pouquinho mais leve. Ela só saiu do meu lado quando parei de chorar, como se pensasse “agora que tá tudo normal, ela não precisa mais de mim”. Foi algo tão pequeno, tão singelo mas que fez uma diferença tão grande… não consigo nem explicar quão mágico aquele momento foi.

Ilustração de Maggie Cole

Já Nina, tem uma personalidade completamente oposta da de Arya, e se parece muito mais com Igor: carinhosa, brincalhona, meio bagunceira. Nina não é muito ligada em banho (quem dá banho nela é Arya) muito menos em enterrar as porqueiras dela direito (Arya também faz isso). Em contrapartida, Nina é nossa maquininha de ron-ron, super grudenta e fofa.

Ela costumava chorar quando a gente fechava a porta do quarto, usa o arranhador sempre que a gente chega em casa (segundo dados confiabilíssimos 😛 da rede mundial de computadores, esse é um sinal de alegria para felinos), deixa fazer carinho na barriga e pede carinho o tempo todo. Ela chega a extremos como sentar no meu colo enquanto estou no banheiro (SIM) e responder miando quando converso com ela.

Elas duas, com seus jeitinhos tão específicos, são a alegria da nossa casa. E também a bagunça. E também o motivo de destruição dos nossos móveis. E também as responsáveis pelo assassinato de um passarinho (pior presente de toda a minha vida). Elas são a minha companhia quando fico sozinha, o motivo pelo qual minhas roupas pretas são cinzas, minha casa tem que ser aspirada dia sim dia não (haja pêlo) e não posso ter enfeites muito leves ou muito visíveis. É por causa delas que minhas plantinhas nunca vingam sem ter ao menos umas marcas de mordida, que o braço do meu sofá que foi comprado a menos de um ano já está caindo aos pedaços, que meus lençóis tem fios puxados, que minha árvore de natal precisa ser colada com durex no chão e minha cortina tem furinhos.

Nina e Arya são os motivos pelos quais passar uma semana longe de casa foi sofrido. Parece bobo mas é real. Eu não sou dona delas, elas são donas de mim. A gata grande e inepta, que não sabe caçar, que não toma banho com a própria língua e que alimenta elas só com ração e patê em dias especiais. Vai ser sofrido quando elas se forem, mas também vai ser bonito saber que tive duas grandes amigas por alguns anos da minha existência.

minhas gordinhas em um raro momento de calmaria

P.s.: Não comprem, adotem! ❤

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Talita Sobral
Pela Metade

31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.