Você conhece a expressão “cortina de fumaça”?

Prepare-se para doses semanais de dissimulação.

Felipe Bittencourt
Pela Metade
3 min readNov 11, 2018

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Pois trate de se familiarizar o quanto antes com esse conceito. Se tem algo que o ano de 2018 nos ensinou (e da pior forma possível) foi que precisamos prestar mais atenção nas formas de comunicação dos temas de interesse público. Não são apenas as fake news que levaram a qualidade das discussões para o buraco; o verdadeiro diálogo precisa ser retomado, e insisto que a responsabilidade sobre isso é nossa. Temos que aprender a identificar os recursos de confusão e desmobilização que são empregados pelos grupos que estão no poder, e devemos ser capazes de combater esses subterfúgios.

Um dos cuidados que precisaremos tomar para resgatar a qualidade das discussões é de conseguir identificar quando a atenção do público está deliberadamente sendo desviada para algum fato sem relevância; esse é um recurso utilizado por aqueles com interesse em manter o foco do público em um acontecimento menor, de pouca consequência.

Essa é a chamada cortina de fumaça. A expressão é usada como alusão a técnicas utilizadas por estrategistas militares para esconder suas forças ou veículos por trás de uma nuvem de fumaça, seja ela natural ou produzida artificialmente, para enganar e confundir o inimigo, dando-lhes a oportunidade para empregar uma manobra de contra ataque ou retirada. O recurso também é utilizado por ilusionistas para desorientar o público, desviando sua atenção do momento da execução do truque, criando deslumbramento no finale.

No entanto, se engana quem acredita que o recurso é usado somente por militares, mágicos e ninjas. Políticos também são proficientes no uso desse subterfúgio.

Quer um exemplo? Na última semana tivemos a realização das eleições de midterm nos EUA. O pleito serve praticamente como um referendo da qualidade do atual governo liderado pelos republicanos de Donald Trump. Então é natural que eles queiram concorrer com a plataforma do desempenho da economia americana, cortes de impostos e a corriqueira agenda moral conservadora, e que o presidente embarcaria nessas pautas em suas aparições públicas, certo?

Errado. Trump passou semanas tagarelando pelos cotovelos em todas as oportunidades que teve sobre uma caravana de bandidos e terroristas que se dirige para as fronteiras do país, para invadir lares americanos e roubar empregos americanos. Chegou ao absurdo de anunciar que empregaria tropas americanas para proteger as fronteiras desses malfeitores.

É óbvio que o grupo em questão é composto por gente sofrida, que está fugindo das péssimas condições de vida, e das instabilidades políticas e econômicas na América Central.

Tudo isso na tentativa de desviar a atenção do público da nomeação de um desajustado incompetente para a Suprema Corte por sua indicação, de inúmeros tiroteios nas últimas semanas por americanos brancos (e não de terroristas islâmicos ou latinos, como se quer vender), do envio de bombas para altos oficiais do Partido Democrata por um de seus apoiadores, e, é claro, da investigação a respeito do conluio entre a campanha de Donald Trump e oficiais do governo russo para influenciar os resultados das eleições de 2016.

O funcionamento da técnica é simples, mas quando é executado com esmero e sofisticação, é difícil identificar a manipulação.

Nosso recém eleito presidente Jair Bolsonaro é proficiente na cortina de fumaça, e sua trupe é uma galerinha do barulho que vai aprontar altas confusões no controle da máquina pública, pautando discussões com pouca ou nenhuma necessidade de prestar contas ao restante da sociedade, já que mantém um elaborado controle sobre sua própria base de apoiadores.

Já estamos testemunhando como esse jogo é jogado: nas primeiras semanas de transição algumas medidas polêmicas foram anunciadas, como a extinção do Ministério do Trabalho como pasta autônoma, mas as atenções permanecem voltadas para a aceitação de Sérgio Moro para assumir o Ministério da Justiça, que, convenhamos, era um movimento previsível para um charlatão do calibre de Moro. É o dissipador de calor perfeito para a equipe de Bolsonaro.

Entender como esses grupos estão pensando e se organizando é o primeiro passo para uma reação; saber como os interesses da coletividade estão sendo lesados enquanto os próprios trabalhadores estão sendo cooptados para agir contra a própria causa é de suma importância, e serão determinantes para os rumos da política nos próximos anos. Nossos olhos devem permanecer abertos e vigilantes, por mais doloroso que seja o ardor da fumaça.

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Felipe Bittencourt
Pela Metade

Trekker. Entusiasta do Direito e da tecnologia. Neverending work in progress.