Em busca da serendipidade

Fabio Ismerim
Tudo sobre Nada
Published in
4 min readSep 6, 2015

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– COP Fábio

– Número da OS ?

– Manifesto?

– Código?

– Falou, abraço

– COP Fábio…

E assim se repetia por longas horas, inúmeras vezes. O script era basicamente o mesmo, com poucas variantes. O ano era 2008 (acho) e eu era estagiário da NET, em Belo Horizonte, no Centro de Operações Técnicas (COP). A tarefa era encerrar as OS’s (ordem de serviço) dos técnicos que estavam em campo.

Não consigo esquecer a ordem das perguntas até hoje. Talvez por ter sido uma época marcante em minha vida, mas creio que a repetição seja o real motivo. Era como dirigir: no começo você fica com um cagaço achando que não vai dar conta de tudo, com tanta informação que requer sua atenção, mas depois de um tempo praticando tudo vira dinâmico. Charles Duhigg explica muito bem como funciona nosso cérebro nesse processo em seu livro O poder do hábito.

Lembro-me de que os meus colegas de trabalho perseguiam o relatório do sistema interno para saber quantas OS’s haviam conseguido encerrar. Era um relatório de desempenho, com o número de OS’s encerradas, quanto tempo foi gasto em cada uma, qual código utilizado, e por aí vai. Os gestores utilizavam esse relatório para gerenciar o desempenho da galera, que não era pouca.

Nossa só encerrou 10 até agora santista!?!?!? (era como alguns me chamavam devido a minha cidade natal.)

Fiquei surpreso, mas não pelo número. Eu não dava a mínima para isso. Não me interessava saber meu ritmo, velocidade de digitação, fala, quantas ligações atendia. Nada disso. Eu sempre procurei entender o que eu estava fazendo, e assim que tivesse aprendido, qual seria o próximo degrau. Meu pensamento como profissional sempre foi esse. Primeiro aprender e entender o que eu estou fazendo ali. Em seguida, pensar no próximo passo, que talvez não fosse necessariamente um cargo acima do qual me encontrava. Procurava a função, as tarefas.

Mas o que me chamou atenção de fato, foi: Se eu não dou a mínima pro meu desempenho, porque outra pessoa gostaria de saber se não meu chefe?

Obviamente que eu sabia motivo. Em poucos dias o relatório virou ferramenta essencial para o trabalho de muitos (se não todos). A cada ligação atendida, a cada OS encerrada, atualizava-se o relatório. A ideia era se mostrar um funcionário eficiente (rápido??), para ganhar um aumento ou subir de cargo automaticamente, como se fosse assim que as coisas de fato aconteciam.

E foi neste dia que me dei conta do que estava acontecendo ao meu redor. Meu trabalho já havia deixado de ser interessante há algum tempo pra mim. Não era mais desafiador, não estava mais aprendendo nada, não descobria nada de novo. E os outros cargos que eu talvez pudesse almejar não me atraía em nada. Em termos financeiros era bem atrativo, porém as tarefas exercidas não eram desafiadoras ou novas de fato. Eram apenas…..outros scripts que certamente se tornariam dinâmicos mais tarde.

Não havia serendipidade.

O acaso só favorece a mente preparada

Louis Pasteur

O conceito de serendipidade surgiu em 1764 pelo escritor britânico Horace Walpole, a partir de um conto persa infantil chamado Os príncipes de Serendip. Na fábula, os príncipes acabam fazendo descobertas inesperadas encontrando soluções para problemas que não estavam de fato procurando, graças a uma mente aberta e observadora que os príncipes tinham.

Muitos especialistas e livros acabam falando sobre a serendipidade, pois é algo que nos faz criativos. Criatividade não é um dom. É prática, treino, ser observador e ter uma mente aberta para as possibilidades. Assim como no conto infantil do Horace, um ambiente que estimule a serendipidade é muito importante. Por isso os escritórios dessas empresas de tecnologia do Vale do Silício são assim: video-game, livros expostos, lugares para relaxar, para se concentrar, enfim, ambientes propícios para aguçar sua mente. Isso ajuda, mas no final das contas depende de você.

O mundo cada vez mais personalizado para o qual caminhamos, ajuda a diminuir a serendipidade. Afinal, se não somos expostos ao novo, se não somos surpreendidos, se não somos confrontados, então já estamos acostumados e acomodados. Se não há descobertas, como pode haver criatividade?

Alguns meses depois fui efetivado como CLT, dando adeus a vida de estagiário. Mas fiquei 15 dias nesse regime trabalhista, pois fui tentar encontrar Serendip em outro lugar.

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Originally published at tudosobrenada.xyz on September 4, 2015.

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