Bom é cochilar sob uma frondosa mangueira

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
5 min readAug 18, 2020

Já ouviu essa frase? Descobri que é um dito popular do interior brasileiro. Ouvi de uma pessoa de uma carioca que passou a infância em Minas, então não tenho certeza de qual cultura faz parte, mas na hora me deu um "estalo".

Linkei com o que sabemos do mirceno, um dos principais terpenos em quimiotipos sedativos da Cannabis, e que é abundante nas cepas mais comuns de cânhamo, de onde se extrai o canabidiol (CBD).

Essa sombrinha da mangueira é mesmo convidativa para um cochilo, não é mesmo?

Há quem diga que o CBD em si não é um grande sedativo, só em concentrações bastante altas, e que o efeito sedativo que se observa nos extratos de cânhamo ("hemp oil") são na verdade decorrente do efeito do mirceno, ou da interação entre mirceno e CBD (já falei um pouco sobre assunto comentando uma palestra do Ethan Russo na IACM aqui). O mirceno é um monoterpeno, bem simples e que é super aromático. O encontramos naturalmente no cânhamo e Cannabis, mas também em outras plantas, como a manga, alecrim e louro. O mirceno é volátil, se espalha no ar, e quem sabe é por isso que dormir sob uma mangueira pode ser mais relaxante, ou induzir um sono profundo e restaurador. É o tipo de coisa que vale a pena tentar…

Esse é o mirceno, uma molécula bastante simples, e por isso volátil. É um terpeno comumente encontrado na manga, e também na Cannabis, no cânhamo, no lúpuloe outros temperos, como o alecrim e louro. Por curiosidade, se quiser aprender a extrai-lo do alecrim, temos uma metodologia interessante aqui.

Na Cannabis, as variedade contendo majoritariamente CBD são consideradas do "quimiotipo 3" (Veja detalhes bem interessantes nesse artigo Lewis, M., Russo, E., & Smith, K. (2017). Pharmacological Foundations of Cannabis Chemovars. Planta Medica, 84(04), 225–233).

Resumo abaixo algumas informações interessantes do artigo: de todos os terpenos conhecidos, existem 8 superclasses ou quimiotipos pelo terpeno dominante, se preferir. Eles são o mirceno, terpinoleno, ocimeno, limoneno,α-pineno, humuleno, linalool e β-cariofileno. São exclusivos da Cannabis? Não, mas são tipicamente encontrados nesta planta e praticamente todos possuem efeito biológico e propriedades que podem ser consideradas medicinais.

Nos Estados Unidos, particularmente na California, que é um dos mercados mais consolidados e exigentes do planeta, os terpenos mais encontrados nos produtos vendidos são mirceno, terpinoleno, limoneno, bisabolol e β-cariofileno. Sabe-se que a Cannabis possui as enzimas "terpeno sintases" que produzem estes compostos.

Destes, o mirceno é de longe o mais abundante nos quimiotipos de Cannabis e é provavelmente o responsável pelo que se conhece como "couch-lock", um efeito sedativo profundo e típico da Cannabis. Há quem considera "efeito adverso", mas também há quem goste. É tudo uma questão de perspectiva. Muito do potencial efeito de melhora do sono induzido pela Cannabis provavelmente se deve a este terpeno. Mas quanto de terpeno é "bastante" para a Cannabis? O artigo dá como exemplo a variedade Harlequim, que possui 0.45% de mirceno em um total de 1.1% de terpenos, mas sabemos que outros casos atingem uma concentração de mais de 3% de mirceno.

Vejam que interessante o perfil dessa variedade, apresentada pelo site "Phytofacts".

Uma curiosidade interessante, particularidades do Brasil é que existe uma variedade chamada popularmente de "manga rosa". Nem sei se a gente pode considerar uma "variedade" mesmo, no estrito senso, mas o fato é que é folclórico o "manga rosa" baiano. Na minha época, era só no nordeste que se ouvia falar de "camarão", e não de maconha prensada. A primeira vez que tive essa experiência foi no litoral baiano, mais precisamente na praia de Gamboa, próximo à mais famosa Morro de São Paulo. Esse episódio já faz uns 20 anos, eu estava acampado no "camping da Gamboa" e no meu café da manhã todo dia era… manga! Curiosamente eu tinha colocado minha barraca justamente embaixo de uma mangueira :-)

Esse é o paraíso onde conheci o Manga Rosa há 20 anos atrás. De quebra, descobri que dormir sob uma mangueira tem o seu valor… #adoro.

Os terpenos são uma parte bastante importante da experiência de se consumir Cannabis sob a forma inalada. Os apreciadores costumam ser exigentes quando ao sabor, que é fundamentalmente constituído dos terpenos. Nos países que legalizaram, os produtos mais "de ponta", com o perdão do trocadilho, são aqueles que conseguem realizar extrações naturais mantendo o máximo possível do conteúdo de terpenos no extrato que é utilizado no vaporizador.

Veja por exemplo esses produtos abaixo, de uma empresa de um amigo meu do Oregon, chamada Evolvd. A extração natural livre de solventes, usando extração por fluido supercrítico (com CO2) consegue alcançar mais de 20% do teor de terpenos no extrato final. Isso é absolutamente extraordinário. As variedades abaixo são alguns exemplos de produtos, há vários, e alguns deles atingem 80% ou mais de teor de canabinoides.

Para os menos exigentes, há também a ideia de "mix de terpenos" que se assemelham ao blend natural, são totalmente legais e pode ser adicionados a qualquer produto. Eles são GRAS (generalized recognized as safe) e portanto seguros para o consumo segundo o FDA. Os terpenos são solventes naturais, então, é uma ideia interessante para misturar com um extrato simples, pegajoso, e sem gosto como aquele que você conhece por aí. Os típicos "CBD" que existem no mercado brasileiro, que na melhor das hipóteses não tem sabou nenhum. E na pior…. bem, são intragáveis. A Bilva Elemental, do João Paulo Costa, "empreendedor canábico" brasileiro conhecido por ter participado do Shark Tank.

Blend de terpenos do folclórico "Veneno da Lata" brasileiro.

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Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis

Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.