Câmara promete mudanças na forma como a Cannabis Medicinal é encarada no Brasil (PL 0399/15)

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
8 min readDec 31, 2019

Uma série de audiências públicas no planalto agitou o Brasil mesmo depois da publicação oficial da regulamentação de Cannabis Medicinal pela ANVISA. Quando a gente menos espera, e particularmente de onde a gente menos espera, está vindo uma onda crescente de manifestações favoráveis à uma ampliação do setor no país.

O Projeto de Lei PL 0399/15 promete mudanças amplas na forma como a Cannabis Medicinal é encarada no Brasil. Foi do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, a assinatura que no dia 13/06/2019 criou a "Comissão Especial — Medicamentos Formulados com Cannabis" que irá lavrar parecer em relação ao projeto de lei PL 0399/15. A comissão é presidida pelo Deputado Paulo Teixeira e tem como relator o Deputado Luciano Ducci. Constam como vice-presidentes os deputados Bacelar, Alex Manente e a Ângela Amin.

Quem tiver curiosidade e quiser ter acesso ao plano de trabalho da comissão, está disponível aqui.

O documento de criação da comissão na integra, esta disponível no site da Câmara dos Deputados https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/56a-legislatura/pl-0399-15-medicamentos-formulados-com-cannabis/conheca-a-comissao/criacao-e-constituicao/criacao-e-constituicao

Esse projeto de lei de autoria do deputado Fábio Mitidieri e tem como principal objetivo alterar a Lei 11.343/2006, que institui a Política de Drogas no Brasil. Particularmente, o PL 0399/15 planeja alterar o segundo paragrafo da lei, “(…)para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”.

A redação atual deste artigo é:

Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

Abaixo deste, um importante destaque: "Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas"

Texto completo da Lei 11.343/2006 disponível no site da presidência da república: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

A proposta da comissão é ampliar o debate já iniciado pelo projeto de lei mencionado acima, e trabalhar ideias para uma regulamentação ampla do setor, incluindo Regras para o cultivo, realização de pesquisa, para a produção e comercialização destes produtos em solo nacional.

A principal justificativa é o alto número de pedidos de cadastros de pacientes para importação de produtos à base de Cannabis, que tem crescido de maneira exponencial nos últimos 5 anos (vide gráficos abaixo). Além disso, a judicialização do acesso gera custos enormes de importação ao estado, com destaques para alguns casos em que o governo gasta mensalmente mais de R$10 mil em produtos importados para um único paciente, fora os diversos habeas corpus concedidos pela justiça para cultivo domiciliar (na última atualização que tive a conta estava em 53).

Um montante de aproximadamente 9 mil pacientes brasileiros já foram autorizados pela ANVISA a importar produtos à base de Cannabis, e realizaram cerca de 15 mil solicitações de produto nos último 5 anos. * A projeção de 2019 foi corrigida para estimativa anual, já que os dados fornecidos traziam dados apenas até o terceiro trimestre. Fonte: plano de trabalho da comissão (https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/56a-legislatura/pl-0399-15-medicamentos-formulados-com-cannabis/documentos/outros-documentos/plano-de-trabalho)

O que está comissão tem de muito diferente é a sua disposição para ouvir, entender e aprender. E esta é uma postura humilde, pragmática e "servil" ao povo brasileiro, o que muda absolutamente tudo. Sem se sentir donos da verdade, os parlamentares que propuseram a comissão, realizaram uma série de consultas públicas, visando ouvir todos os potenciais envolvidos e interessados, segundo o texto do plano de trabalho "(…) desde órgãos governamentais(saúde, vigilância sanitária, justiça, agricultura, ciência e tecnologia, cidadania, direitos humanos, etc.) passando pelos pesquisadores, médicos prescritores, associações, pacientes e familiares, além da indústria, entidades de classe,organizações da sociedade civil e demais personagens que no decorrer dos trabalhos entendamos necessários para o debate e para formação de convicções".

O que está comissão tem de muito diferente é a sua disposição para ouvir, entender e aprender.

A lista de profissionais que se propuseram a ouvir incluiu representantes da Anvisa, do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça, do Ministério da Cidadania, do Ministério da Agricultura, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), do Conselho Federal de Medicina, do Conselho Federal de Farmácia, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa(IDDD), Médicos Prescritores, Representantes da Indústria, Associações de Pacientes, Pesquisadores de Universidades, Representante da Embrapa, Representante da Farmanguinhos/Fiocruz, Entidades Religiosas, Personalidades.

Não sei exatamente em que classe me consideraram, mas tive a honra de ser um dos ouvidos por esta comissão. Posso ter sido incluído na classe de pesquisadores, talvez como representante da indústria (embora não seja mais, diretamente), como parte do conselho profissional, ou até como consultor do Ministério da Justiça que já fui, mas de fato, o que importa é que tive um espaço aberto para discutir minhas ideias de maneira totalmente transparente e direta, sem amarras, mas com o direcionamento de discutir o uso terapêutico de substâncias canabinoides, particularmente o famigerado THC.

Minha palestra foi feita por vídeo-conferência, e pode ser assistida na íntegra no site da comissão https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/58308?video=1576005585893

O vídeo da sessão na câmara está aí acima e pode ser acessado no site da câmara. Abaixo, o vídeo exclusivo da minha parte no youtube.

Engraçado que fui creditado como "PISCOfarmacologista". Achei moral, pisco dá uma bebida incrível da culinária peruana, parecida com a nossa caipirinha.

A partir de hoje, por conta dos créditos que recebia na comissão, me designarei um PISCOfarmacologista.

Minhas contribuições foram principalmente relacionadas a mostrar que existe uso terapêutico de composições diferentes de canabinoides — que não se restringe ao canabidiol (CBD)- que são seguras, efetivas a longo prazo, e que eventualmente podem inclusive se beneficiar da sinergia entre diferentes compostos, como frequentemente ocorre com composições fitoterápicas. Como exemplo, vou colocar abaixo alguns slides que merecem destaque na apresentação. Ficam como legado e minha constribuição para a discussão.

Esse primeiro paper destaca os estudos com administração do Sativex, que é uma mistura 1:1 de THC e CBD por cerca de 2 anos, com evidência de eficácia persistente no manejo da dor, sem tolerância aparente, e sem ocorrência de efeitos adversos distintos daqueles normalmente observados com medicamentos que atuam no sistema nervoso central. Há um padrão de uso mais noturno, provavelmente para reduzir os sintomas que dificultam o sono, reclamação comum de pacientes com dores crônicas de difícil tratamento. O artigo original está aqui: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18035205
Esse segundo artigo reforça a eficácia do Sativex por 1 ano em pacientes com dores crônicas decorrentes da esclerose múltipla, particularmente um tipo de dor conhecido como alodínia, que sensibiliza as fibras táteis, e as torna "dolorosas" (explicação simplificada do mecanimo). Neste caso, também superioridade em relação ao placebo, melhora do sono e qualidade de vida / estado geral de saúde . Acompanha também uma avaliação mostrando poucos e insignificantes eventos adversos, além de baixos níveis de intoxicação e sem comprometimento cognitivo. O artigo original está aqui: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17997224
O terceiro artigo que merece destaque é a respeito do uso medicinal de composições de Cannabis medicinal por idosos em Israel. Os pacientes são em geral pacientes de dores crônicas e oncológicos. Vejam que interessante, aquase totalidade dos pacientes relatou melhora no estado de saúde, e após 6 meses de tratamento mudou substancialmente o padrão de relato em relação ao nível de dores observado, assim como a percepção geral de qualidade de vida. Quanto à composição dos produtos, a grande maioria dos pacientes (81%) usavam produtos contendo THC, mesmo tendo ambos à disposição. Quanto à forma de uso, também foram utilizadas as formas oral e inalada para administração dos extratos de Cannabis. Artigo original aqui https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29398248

Deixo abaixo a lista extensa de todas as audiências públicas, e pessoas que foram convidadas a falar. Em cada link você tem a fala específica de cada um e o material utilizado. Eu tive a honra de compartilhar a sessão com o Emílio Figueiredo e Rodrigo Mesquita no dia 10/12.

Um agradecimento especial a todos que contribuíram para esse processo que tem um grande potencial de transformação de nossa sociedade, e particularmente aos deputados geradores dessa iniciativa.

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/56a-legislatura/pl-0399-15-medicamentos-formulados-com-cannabis/documentos/audiencias-publicas

Audiências Públicas e Eventos

Audiência Pública — 22.10.19

Audiência Pública — 29.10.19

  • Lisia Von Diemen — Chefe da Unidade de Ensino e Pesquisa do Serviço de Adicção do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS, Vice-Diretora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas da UFRGS
  • Margarete Akemi Kishi — Professora da graduação e pós graduação do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Homeopatia e Fitoterapia do Instituto Homeopático e das Práticas Integrativas — IHPI e Conselheira Federal — SP
  • Sidarta Tollendal Gomes Ribeiro — Professor titular de neurociência e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — SBPC
  • Virgínia Martins Carvalho — Professora Adjunta da Faculdade de Farmácia da UFRJ com Mestrado e Doutorado em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela FCF-USP em parceria com o IML-SP.

Audiência Pública — 5.11.2019

  • Ricardo Ferreira — Especialista em cirurgia da coluna e clínica da dor. Consultor Técnico da Abracannabis, Cultive e Abrace Esperança;
  • Eliane Nunes — PhD — Psiquiatra e Psicanalista;
  • Carolina Nocetti — Médica brasileira com experiência internacional sobre cannabis medicinal;
  • Salomão Rodrigues — Psiquiatra e Conselheiro do Conselho Federal de Medicina.

Audiência Pública — 12.11.2019

  • Gilles Forte — Coordenador e Secretário do Comitê de Experts em Dependência de Drogas da Organização Mundial de Saúde — OMS;
  • Daniela Fortunato Rego — Coordenadora de Evidências e Informações Estratégicas para Gestão em Saúde do Departamento de Ciência e Tecnologia do MInistério da Saúde.
  • Catherine Ritter — expert indicada pelo Comitê de Experts e servidora do Federal Office of Public Health do governo da Suíça (equivalente ao Ministério da Saúde)

Audiência Pública — 19.11.2019

  • Cassiano Teixeira — Diretor Executivo da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança — ABRACE
  • Cidinha Carvalho — Presidente da Associação de Cannabis e Saúde — CULTIVE
  • Rafael Evangelista Associação de Pacientes; presidente da Aliança Verde
  • Tarso Araújo — Jornalista, documentarista e consultor especialista em política de saúde e de drogas

Audiência Pública — 26.11.2019

  • Osmar Terra — Ministro da Cidadania
  • Leandro Ramires — Médico cirurgião, oncológico e mastologista, Representante da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME)
  • Pedro Mello — Médico, membro da Diretoria Técnico-Científica das Associações Cultive e Acolher e membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis
  • Felipe Farias — Diretor da Associação Reconstruir Cannabis Medicinal — Natal/RN

Audiência Pública — 03.12.2019

Audiência Pública — 10.12.2019

  • Rodrigo Mesquita — Membro da Comissão Especial de Assuntos Regulatórios da Ordem dos Advogados do Brasil — OAB Nacional;
  • Guilherme Athayde Ribeiro Franco — Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo — MPSP;
  • Emílio Nabas Figueiredo — Diretor Executivo da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas — REFORMA;
  • Fabrício Pamplona — Farmacêutico e neurocientista, mestre e doutor em piscofarmacologia pela USFC

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal, um campo da medicina que está florescendo nos últimos anos. Às vezes, a gente se arrisca a falar de uma outra curiosidade menos explorada sobre este planta ou o mercado. Interessou? Siga acompanhando ou receba conteúdo no seu email.

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Fabricio Pamplona
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Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.