E o CBD virou aspirina (OTC)

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
4 min readApr 7, 2020

Então finalmente chegou o dia em que o canabidiol (CBD) virou aspirina. No dia da minha primeira palestra em inglês, nos idos de 2008 no primeiro evento"oficial" para discutir o potencial terapêutico dos canabinoides na International Cannabinoid Research Society — ICRS, o professor Mechoulam aproveitou uma "piadinha" minha para iniciar a discussão com a platéria com essa colocação: "O Pamplona aqui está me dizendo que o CBD é a nova aspirina, o que vocês acham?" — isso há exatos 12 anos atrás.

Faz menos de 24h que o DEA reclassificou o Epidiolex como "OTC", ao invés de controlado. Por enquanto a reação maior foi somente nos canabis ligados ao mercado de capitais: link 1 e link 2

Pior que isso gerou polêmica mesmo, afinal, estas discussões a respeito da classificação do CBD como narcótico ou não estavam apenas começando. Para um jovem de 25 anos iniciando a carreira científica, mas já deslumbrado com as possibilidades enquanto trabalhava no Instituto Max Planck de Psiquiatria, "provocar" a plateia e iniciar uma discussão dessas parecia realmente algo legal. Pior que o primeiro a responder foi o Vincenzo DiMarzo, outro "papa" da área… De lá pra cá, já passou muita água por baixo dessa ponte, e o CBD já teve praticamente todas as classificações possíveis, dependendo da agência regulatória que enxerga o assunto. Medicamento registrado, suplemento alimentar, "novo alimento" (essa é a que está mais na moda atualmente), até que subitamente o Departamento de Narcóticos dos Estados Unidos — DEA, aquele mesmo que "perseguiu" a Cannabis por tanto tempo, finalmente define que não vai mais considerar o CBD como uma substância controlada. Em termos médicos, isso o equipara a ser vendido livremente na farmácia como um OTC, literalmente como uma aspirina. Fora da farmácia as possibilidades são ainda maiores.

O Pamplona aqui está me dizendo que o CBD é a nova aspirina, o que vocês acham? — isso há 12 anos atrás. Agora a GW anunciou que foi isso mesmo que aconteceu com o Epidiolex, virou medicamento de venda livre.

Este anúncio vem na esteira do "Hemp Farming Act", que autorizou o cultivo de cânhamo nacionalmente nos EUA em 2018, tornando o cânhamo (hemp) uma commodity agrícola comum, ao invés de uma planta precursora de substância controlada. A reclassificação do CBD também está alinhada com o posição da Organização Mundial de Saúde de, em breve, também reclassificá-lo, possivelmente gerando uma onda mundial de "liberação" do CBD. Provavelmente inclusive já teria feito, não fosse o fantasma de um "tal pandemia" que você já deve ter ouvido falar. Estados Unidos, como sempre, sendo pioneiros e tomando a frente. Foram eles que iniciaram a onda para reprimir, foram eles que iniciaram o mercado "esquizofrênico" de cânhamo e agora são eles também que estão dando os primeiros passos para legitimar institucionalmente tudo o que já se sabe por A + B, que o canabidiol (CBD) não tem potencial de abuso e é uma substância amplamente segura para o uso humano.

Pois agora então, o CBD finalmente "virou a aspirina" como eu havia brincado há um tempão atrás. O que isso muda?

Como medicamento, muda tudo. Ao invés de ter uma receita XYZ e ser prescrito por um médico, agora na prática, ele fica ao lado da aspirina, paracetamol, antitérmicos e outros medicamentos comuns "que a gente compra pra ter em casa". Significa que ele é considerado seguro o suficiente inclusive para ser recomendado por um profissional na farmácia, ou mesmo que você simplesmente vá lá e compre sozinho.

Ainda há a necessidade de registro, portanto, as etapas de desenvolvimento de produto continuam exatamente as mesmas, o que muda é o mecanismo de comercialização. Mas isso é uma grande virada de mesa.

Já que deixou de ser considerado controlado como medicamento, também há um potencial para que as alegações de transformá-lo em suplemento ganhem mais corpo e fundamentação. Mas isso ainda é uma longa história, e aparentemente a decisão é por classificar o hemp, ou produtos contendo CBD como “novo alimento” ao invés de suplemento. Aqui no Brasil a discussão é ainda mais longa, com um simples “chá” de qualquer planta gerando uma discussão enorme sobre classificação de produto na ANVISA dependendo de sua composição, como você o embala, caracteriza e vende. Portanto ainda distante da nossa realidade, mas algo interessante para se ficar de olho.

A propósito, em resposta, a GW, única detentora de produto à base de CBD registrado como produto farmacêutico no mundo ficou muito feliz com a notícia… agora vai poder vendê-lo livremente, e o céu é o limite.

Ainda "tá boiando" nesse papo do Epidiolex ser o único medicamento à base de CBD registrado no mundo? Assista o vídeo abaixo pra entender o que é o desenvolvimento de um medicamento registrado.

Como "bônus" acho que vale compartilhar esse video curtinho, mas bem completo, detalhando o processo de desenvolvimento de medicamentos. E um prato cheio pra quem ainda não entender qual a diferença entre o Epidiolex e o CBD que se vende por ai, dentro de uma regulamentação sanitária particular para Cannabis. O Epidiolex passou por tudo isso ai que esta no video e agora e considerado um medicamento de venda livre.

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Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis

Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.