Hemp Foods: O Incrível Potencial Nutricional do Cânhamo.

Lorenzo Rolim da Silva
Tudo Sobre Cannabis
8 min readAug 7, 2019
Seria o Cânhamo mais uma fonte de alimentos para a humanidade? Apenas se a legislação permitir. Fonte: https://www.sunfood.com/blog/newsletters/here-is-what-happens-to-your-body-when-you-eat-hemp-seeds/

O Cânhamo, como já foi discutido aqui em outros textos (aqui e aqui), é um grupo de cultivares da espécie Cannabis sativa que produzem um teor inferior a 0,3% de THC (Δ9-Tetrahidrocanabinol), o composto responsável pelos efeitos psicoativos da planta. Ou seja, o Cânhamo não possui propriedades psicoativas por definição e não apresenta nenhum risco a humanos.

“…o Cânhamo não possui propriedades psicoativas por definição e não apresenta nenhum risco a humanos.”

Como comentei no meu primeiro texto existem diversos usos possíveis para o Cânhamo e muitos deles não são novidade em outros países que diferenciam o Cânhamo de outras cultivares de Cannabis e não proíbem o seu cultivo. Hoje vamos explorar o potencial nutricional do Cânhamo, principalmente em produtos derivados de suas sementes, mas também vamos falar sobre a tendência da haute cuisine canábica e do consumo de outras partes da planta in natura.

O principal foco da alimentação à base de Cânhamo é o mesmo da maioria das outras espécies vegetais que serve para o nosso consumo: a semente, também chamada de grão. A semente de Cânhamo possui uma qualidade nutricional bastante interessante se comparada à outras espécies que estamos acostumados a consumir no nosso dia-a-dia (Soja, Milho, Arroz, Trigo, Aveia, Girassol, Linhaça, Chia, etc…).

Informação nutricional de sementes de cânhamo sem casca e de proteína isolada à 52%. Fonte: https://miraclesource.com/

Podemos notar que as sementes in natura possuem um teor de quase 31% de proteína (Soja, a maior fonte vegetal de proteína do mundo, possui entre 35–45%, após décadas de melhoramento genético), ou seja, de alto teor proteico. Vale ressaltar que a maioria das cultivares utilizadas para produção de sementes não passaram pelo mínimo melhoramento genético que a maioria das grandes espécies agrícolas passaram, como Soja e Milho, o que deixa na imaginação o verdadeiro potencial de produção do Cânhamo.

Uma grande variedade de produtos já é vendida diariamente em vários países da Europa e América do Norte. Fonte: http://www.thedailychronic.net/2015/41762/report-620-million-hemp-products-sold-u-s-2014/

As sementes também oferecem um alto teor de Vitamina E, Magnésio, Manganês, Fósforo, Zinco, Ômega 3 e Ômega 6, além de aminoácidos essenciais, ou seja uma verdadeira “super food”. Por outro lado podemos também fazer azeites, através de prensa, similar a azeites de oliva, e proteínas isoladas, parecidas com os famosos “whey protein”.

Muitas pessoas já introduziram as sementes de Cânhamo no seu café da manhã, junto com granola ou outros cereais, bolachas e barras de cereais com sementes para os lanches da tarde, leite vegetal para um rápido café, azeite para utilizar em saladas ou até para preparar a cocção de outros alimentos. É realmente difícil medir todas as utilidades que o Cânhamo oferece nutricionalmente.

Produtos a base de Cânhamo, sementes sem casca, azeite e proteína isolada, da marca Nutiva. https://www.nutiva.com/

Além do óbvio uso para a alimentação humana, não podemos esquecer que a Cannabis pode ser uma grande fonte de recursos também para a alimentação animal. Qualquer pessoa com algum conhecimento agronômico consegue identificar que uma planta que praticamente não passou por nenhum melhoramento genético e já oferece todas essas possibilidades, deveria ser prioridade em programas de melhoramento a fim de explorar alternativas alimentares.

Boa parte dos animais criados para consumo humano do mundo hoje é alimentado com Soja ou Milho. A Soja brasileira é um verdadeiro fenômeno, desde criações de Salmão na Noruega, passando por Gado em países africanos, até Porcos na China, todos têm boa parte da suas alimentações composta de Soja produzida no Brasil. Isso sem falar dos animais criados aqui, onde somos um dos maiores produtores mundiais de Frangos (tudo bem que eles comem mais milho em geral) e Suínos.

Longe de mim querer comprar briga com o Agronegócio e tirar essas duas espécies vegetais tão benéficas da matriz alimentar da humanidade, sabemos bem que a fome no mundo só pode ser reduzida drasticamente devido à Revolução Verde que impulsionou a Soja como campeã mundial. Mas a questão que fica é: Não caberia o Cânhamo como opção neste meio? Será que ele não oferece benefícios a nutrição de algumas espécies de animais? Só saberemos quando as pesquisas avançarem nesse sentido e principalmente quando produzirmos Cânhamo suficiente para que faça sentido oferecê-lo como opção alimentar a esses animais.

Soja ou Cânhamo para alimentar animais no futuro? Só o tempo dirá. Fonte: https://thefreshtoast.com/cannabis/how-would-marijuana-fed-pigs-taste/

Pensando além das sementes e de usos mais diretos, como alimentação humana e animal, já existem várias pessoas explorando hoje o uso da Cannabis de diversas outras maneiras na alimentação.

Uma grande tendência hoje, existente em outros países como Estados Unidos e Canadá, é ingerir partes das plantas in natura, ou na forma de sucos, o famoso “juicing”. Essa modalidade entra na categoria de comidas saudáveis e anti-oxidantes poderosos, apresenta um potencial muito interessante que deveria ser mais explorado. Podemos ingerir tanto as folhas da planta fresca, literalmente como uma salada, que possui um gosto agradável e um pouco picante, o que agrada muitos paladares, ou fazer como muitos youtubers e influencers mundo a fora e colocar as flores (isso mesmo, a parte ‘fumável’) em um juicer.

A planta apresenta diversos compostos com alto poder anti-oxidante, ácidos graxos e até alguns anti-inflamatórios. E não precisa se preocupar, caso queira fazer um suco de café da manhã e tenha medo de perder o resto do dia, sem aquecer essas substâncias não passam pelo processo de descarboxilação, ou seja, são mantidas em suas formas ácidas naturais e, portanto, não possuem nenhuma capacidade psicoativa. Você pode tomar seu suco e ainda ser funcional pelo resto do dia.

Sucos de Cannabis, a nova tendência da nutrição fitness? Fonte: https://sensiseeds.com/en/blog/exactly-cannabis-juice-work/

Fica evidente que o uso de Cannabis para alimentação funcional é amplo e poderia ser muito melhor explorado. Porém nem tudo se resume a uma boa nutrição, como toda gastronomia em geral, muita gente utiliza a Cannabis para se divertir e aproveitar bons momentos com seu alimento.

Nesse ponto existem duas grandes tendências, o uso das substâncias, principalmente o THC, para produção de alimentos psicoativos, os famosos ‘edibles’ (que devem ser regulamentados no Canadá até o final do ano); e o uso da Cannabis como ingrediente para a gastronomia tradicional, gerando até a especialização de alguns chefs nessa área, os chefs canábicos.

Edibles tradicionalmente são alimentos que contém algum teor de THC e que permitem o usuário usufruir de seus efeitos recreativos enquanto ingere uma inocente bala de goma ou um brownie, evitando a necessidade de uso fumado ou vaporizado, que muita gente não gosta. Existem inclusive relatos de pacientes que preferem os alimentos, pois não gostam ou não podem fumar e/ou vaporizar ou, ainda, não querem ingerir os óleos que, em geral, tem um gosto, no mínimo, estranho. Afinal, por que não consumir sua medicação na forma de um delicioso Cookie com gotas de chocolate?

Diversos bolos, muffins, cookies brownies e tortas contendo THC. Que delícia!. Fonte: https://greatlakesledger.com/2019/03/28/canada-is-on-its-way-to-legalize-cannabis-edibles-proposed-federal-rules/

Lembro bem da minha primeira experiência em uma Cannabis Cup, eventos de competição de Cannabis recreativa, foi a 2015 High Times NorCal Cannabis Cup, em São Francisco, na Califórnia. Lá eu, minha namorada e um amigo experimentamos: café, chá, cookies, brownies, sorvetes, pizza, salgadinhos (cheetos e ruffles), uma infinidade de balinhas de goma em diversos formatos, chocolates, blueberrys cobertas de chocolates, entre outros, todos contendo doses de THC. Não preciso nem dizer que a galera dormiu no carro na volta pra casa.

De outro lado, temos uma oportunidade de vários chefs e cozinheiros de alta qualidade se especializarem ou simplesmente adicionarem a Cannabis como mais um ingrediente em seus menus. Hoje, está em voga este tipo de evento, inclusive aqui no Brasil (secretos é claro), em que um chef cria um menu em que todos os pratos possuam Cannabis como ingrediente de alguma maneira, seja como azeite, manteiga infusionada, temperos que incluam alguma parte da planta ou outras técnicas particulares de cada profissional. A maioria dos pratos servidos lembram aos de conceituados restaurantes… e os preços também.

Está tão na moda que até virou serie do Netflix, na série “Cozinhando em 4:20” (Cooking on High) dois estrelados chefs, especializados em culinária canábica, são desafiados a criarem pratos que contenham Cannabis como um dos ingredientes. Em cada episódio, os jurados degustam os pratos apresentados pelo efeito, sabor e apresentação, sendo que o vencedor, leva a Caçarola de Ouro, ou a Pot of Gold (trocadilho com a palavra Pot, que no idioma inglês, que pode ser traduzida como panela ou se referir à erva, na gíria canábica).

Chef especializado em pratos que utilizam Cannabis realizando um evento particular. Fonte: https://www.ctvnews.ca/lifestyle/cannabis-cuisine-chefs-preparing-to-add-marijuana-to-meals-1.4133451

Seja no formato mais bruto, como no uso de sementes para a alimentação humana e animal, que por si só já nos trazem inúmeros benefícios ou, ao menos, mais uma opção, como no uso da planta para criar uma comida, digamos, “divertida”, e até mesmo no uso ‘high-end’ de chefs de cozinha, que criam pratos com paletas de sabores extremamente elaborados, resta claro que a Cannabis não nasceu para ser “apenas” fumada.

O que fica é, quando vamos poder aproveitar desses benefícios em território brasileiro? Essa pergunta é mais difícil de responder do que parece e, honestamente, com o cenário político atual, muito pouco provável. Um bom começo seria uma legislação que diferencia as variedades de Cânhamo e que permitisse seu cultivo como uma planta para fins alimentares e para produção de fibras, isso, por si só, já seria um grande avanço. Veremos.

Lorenzo Rolim da Silva, Engenheiro Agrônomo, trabalha na indústria da Cannabis há 5 anos e atualmente é consultor internacional para projetos de produção de Cannabis e medicamentos em diversos países da Europa, América do Norte, América Latina, África e Oceania.

Atualmente escreve neste Medium a fim de trazer um novo olhar para a Cannabis dentro do Brasil e, com sorte, mudar alguma coisa.

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal e industrial. Interessou? Siga acompanhando!

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