Meu CBD não chegou, e agora?

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
6 min readJul 30, 2018

Essa é a situação com que alguns pacientes se deparam quando a nova remessa de canabidiol que haviam comprado não chegou. Ou melhor, pior ainda chegou, mas sem o conteúdo.

Essa notícia foi divulgada 2 semanas atrás na imprensa brasileira e descreve os casos recente de extravios de produtos à base de Cannabis oriundo dos Estados Unidos. E o mais interessante (ou preocupante), o extravio não foi por conta de problemas na empresa de transporte, nem de documentação, mas sim da alfândega americana.

"Inicialmente, os pacientes e a empresa importadora do produto supuseram que as remessas de canabidiol teriam sido furtadas ao chegarem no Brasil. Isso porque as caixas foram entregues lacradas na casa dos clientes, mas sem o medicamento. Dentro, estavam apenas isopor e a capa de alumínio que protege o produto. A Polícia Federal brasileira chegou a abrir um inquérito para investigar o sumiço dos frascos de canabidiol" — segundo a reportagem da Folha de São Paulo publicada no dia 18 de julho.

Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo/remessas-de-canabidiol-para-o-brasil-sao-apreendidas-nos-eua/

Ué, mas o CBD não estava liberado?

Pois é, não é beeeeeem assim. O mecanismo pra entrar no Brasil por via de importação facilitada já está bem definido pela ANVISA em nível federal. Agora, dependendo do país de envio a situação pode ser mais ou menos complexa.

Por exemplo, no Brasil, a imensa maioria dos produtos contendo CBD comercializados vem dos Estados Unidos. Não do Canadá, nem de Israel ou Holanda, que possuem programas tradicionais de Cannabis medicinal… E nos Estados Unidos, em nível federal, a Cannabis ainda é classificada como proscrita e sem valor medicinal pelo FDA.

Maluquices e incoerências à parte, esse é o status atual, e a importação de produtos vem sendo feita com base em leis estaduais que classificam os produtos como suplementos alimentares ou mesmo alimentos. Surpreendentemente, dessa vez a culpa não é "do lado de cá" 🇧🇷

Destaco aqui o federal, porque é justamente esse o ponto. Enquanto não houver uma regulamentação federal nos EUA, o fornecimento destes produtos não está garantido. Basta o governo da federação resolver intervir, ou o produto passar por um estado onde não haja programa de Cannabis medicinal, como parece ter sido o caso… (os produtos foram apreendidos em aeroporto de Kentucky).

E agora?

Eu é que pergunto. Pra mim esse fato demonstra a fragilidade e amadorismo do sistema criado. Eu já disse publicamente que foi uma boa medida no momento em que foi tomada pela ANVISA, mas claramente não é suficiente.

E num momento como esses, os pacientes ficam totalmente desassistidos. À medida em que a agência regulatória se exime da responsabilidade de qualificar estes fornecedores, e que o paciente assina um termo de responsabilidade sobre a importação, “o problema é dele(a)”. Ou seja, a agência está jogando a responsabilidade nas costas do elo mais fraco, e que não tem muito recurso para se defender. Na prática, pra mim, a responsabilidade do fornecedor e meus parabéns à CBDRx que se prontificou a fazer nova remessa de produtos aos pracientes que sofrearam o prejuízo. Porque é isso que tem que fazer mesmo.

Enquanto a regulamentação de cultivo brasileiro e produção em solo nacional caminha a passos de tartaruga, se é que caminha, vemos proliferar alternativas altamente questionáveis de acesso a este produtos.

Basta entrar no mercado livre para ter ideia do que está acontecendo no Brasil. Um verdadeiro leilão de produtos questionáveis, distribuídos por pessoas que não são habilitados para tal, nem poderiam recomendar estes produtos para pacientes.

É só digital "CBD canabidiol" no Mercado Livre e você vai se deparar com essa situação alarmante.

Importante mencionar que, se produzidos no Brasil, os produtos passariam a ter uma exigente regulamentação sanitária garantindo sua qualidade e as empresas seriam devidamente fiscalizadas, já assim do jeito que está, fica um verdadeiro carnaval…

Este produtos clandestinos são tudo menos decentes. Um estudo recente publicado no JAMA, de autoria de pesquisadores e um representante da American for Safe Access mostra claramente a tragédia. De 40 "óleos de CBD", apenas 18 de fato continham o que estava no rótulo. Nas tinturas, ainda pior, de 20, apenas 5 tinham as informações corretas no rótulo. No total, de 84 produtos analisados, apenas 26 traziam corretamente as informações.

Recoret da Tabela 1 do artigo disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5818782/

Os pacientes já se deram conta de que isso é uma furada, e se manifestam contra. Coloco como exemplo essa postagem da Patricia Oliveira, que além de mãe de paciente, é fundadora da Abracannabis. O recado é claro: "é uma cilada, Bino, não compre". Dá vontade de emplacar um "Não compre, plante!" a lá Planet Hemp. De fato, numa situação como essa, já disse em público também, acredito muito mais nas associações plantando do que nesse tipo de mercado que dependa de um "jeitinho" dado pelo contrabando. Que vergonha, Brasil!

Dá vontade de emplacar um “Não compre, plante!”

Uma proposta pragmática

E de quem é a responsabilidade nesse caso? Da falta de regulamentação, isso é claro. Na falta de regra, tudo vira zueira nesse país. Esse tema não é novo, os produtos já receberam warning letters do FDA por 3 anos consecutivos e não é de hoje que se sabe da qualidade duvidosa de produtos oportunistas no mercado americano.

Se quiser conhecer o conteúdo dessas warning letters, aqui tem um exemplo. Há quem veja nelas uma proteção do mercado farmacêutico, e do desenvolvimento e produtos registrados. Pode ser, faz sentido pensar assim. Por outro lado, são os parâmetros sanitários de qualidade que definem o que pode ou não ser produzido no país (para qualquer produto), e eles são desenhados justamente para proteger a população de produtos de baixa qualidade e falsificações.

Esotu pensando alto, corro o risco de estar falando besteira, mas se vai haver uma regulamentação da Cannabis Medicinal no Brasil, assim como em vários outros países, não podemos pensar em parâmetros de qualidade que precisem ser atendidos, que sejam considerados razoáveis para que as associações possam plantar e produzir artesanalmente? Do que conheço da área, me parece razoável sugerir algo semelhante ao que se pede para farmácias de manipulação.

Uma medida como essa seria razoável e faria todos, setor regulado, pacientes e agência reguladora ficarem confortáveis e seguros quanto aos produtos. A briga "de cachorro grande" das farmacêuticas continuará ocorrendo, com maior valor agregado aos produtos do ponto de vista tecnológico, e não há nenhum mal nisso. Acredito que ambos os setores possam coexistir, da mesmissima maneira em que manipulação e indústria competem hoje.

É minha visão, posso estar errado, mas se “esse pepino” estivesse em minhas mãos hoje, eu buscaria uma solução como essa, que busque harmonia, e atenda aos anseios imediatos e futuros dos diversos atores deste cenário. Parâmetros de qualidade para a produção nacional, monografias de farmacopeia e regras claras para dar fim ao obscurantismo que paira sobre o tema “produção do óleo de CBD”. Os pacientes precisam disso pra ontem, e não podemos lhes negar esse direito.

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal, um campo da medicina que está florescendo nos últimos anos. Às vezes, a gente se arrisca a falar de uma outra curiosidade menos explorada sobre este planta. Interessou? Siga acompanhando!

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Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis

Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.