O Mundo pós-COVID 19 precisa ser mais verde (e isso vai incluir a Cannabis).

Lorenzo Rolim da Silva
Tudo Sobre Cannabis
9 min readApr 22, 2020

A Pandemia global causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2) que acometeu a humanidade toda neste ano de 2020 forçou o ser humano a parar e refletir: qual modelo de sociedade temos hoje e qual queremos ter daqui para frente?

O mundo pós Covid vai ser diferente, é uma chance rara para escolhermos como queremos sair dessa situação como sociedade.

As gerações que estão experienciando esse período de Pandemia e quarentena, em sua maioria estão passando por um fato inédito em suas vidas, uma experiência louca e totalmente nova para a qual não estávamos preparados, nem os governos, nem as pessoas, nem os sistemas de saúde. É claramente visível que os ânimos estão acirrados durante estes dias, forçadas a ficar em casa, as redes sociais estão mais movimentadas do que nunca e qualquer postagem virou campo de batalha entre quem concorda e discorda de algum tema específico (95% do tempo, relacionado a política ou isolamento social).

Engana-se quem pensa que isso é exclusividade brasileira. Sim, nós somos mais propensos a tornar tudo um eterno “Fla-Flu”, o meu time contra o seu, um vence e o outro perde, não existe meio termo, ou é “Fora bolsonaro” ou é “Chora Petralha”. Porém o mundo inteiro parece estar passando por esse enfrentamento, é da natureza social humana expressar a sua opinião, e essa foi a grande sacada das redes sociais, dar voz a todos os usuários, sejam eles reais ou fakes, todo mundo tem “direito” a sua opinião e parece que hoje é obrigatório expressá-la no post alheio, e em tempos de quarentena em que todos estão em casa olhando para a tela do celular, isso está cada vez mais acentuado.

Eu vejo, porém, que esses efeitos estão obrigando a humanidade a olhar para o seu redor e muitas vezes para dentro de si, e isso traz questionamentos sobre o tipo de sociedade que estamos vivenciando. Cada pessoa expressa sua personalidade ao fazer esse exercício: tem os pessimistas que acham que a coisa ainda vai piorar muito antes de melhorar e que já achavam ruim o que tinha antes disso tudo começar, tem os otimistas que achavam que antes estávamos avançando e que a pandemia vai nos obrigar a sermos ainda melhores, tem os pragmáticos que estão focando em prevenção e esperando isso tudo passar enquanto trabalham de casa, e claro, a grande massa da população brasileira que não tem o luxo de ser nenhuma das alternativas acima e está se virando nos 30 para ter o que comer no fim do dia durante esses tempos de redução do consumo e trabalho escasso.

Seja qual for a sua inclinação filosófica ou condição social, uma coisa parece clara: quaisquer que sejam as mudanças provocadas por esse vírus vão ser profundas e vamos sair desta pandemia muito diferentes do que entramos.

(Confesso que em uma conversa com um grande amigo durante esses dias chegamos a uma conclusão: Se essa pandemia acabar muito rápido, a chance é que a humanidade não aprenda nada e volte a ser como era antes, e se demorar demais para acabar, pode nos levar até o extremo e dissolver a nossa sociedade, causando mais retrocessos do que avanços. Existe uma linha tênue para que possamos sair dessa com aprendizados. Só falta combinar com o vírus.)

A sociedade como um todo vai exigir grandes mudanças em um mundo pós-pandemia. Vamos ir em uma direção mais verde e produtiva ou continuar cometendo os erros do passado?

De um jeito ou de outro, nosso entendimento de mundo vai ser alterado. As pessoas estão percebendo que muitas delas são tão ou mais produtivas trabalhando de casa do que indo até o escritório todo dia. Muitos estão vendo que é possível comprar de tudo sem sair do seu apartamento (os aplicativos de delivery estão com volume altíssimo). A falta de movimentação e transporte estão causando uma redução nas emissões de gases combustíveis e a qualidade do ar nas grandes cidades melhorou exponencialmente, quem sai de casa para uma corrida ou uma volta de bicicleta nota os efeitos rapidamente. De quebra a redução no consumo causou que pela primeira vez na história o preço do petróleo ficou negativo, isso mesmo, não tem mais onde armazenar e agora o produto virou uma despesa.

O paradigma tradicional de consumo que usamos a séculos para sustentar o modelo “casa-trabalho-casa” foi profundamente alterado, e muita gente está acreditando que mudou para melhor. Quem tem disciplina para trabalhar de casa está aproveitando mais tempo para dormir, mais conforto, mais tempo com a família, etc.

Mas onde eu quero chegar com tudo isso? E o que isso tem a ver com Cannabis? Simples, na minha visão existem algumas mudanças estruturais na nossa sociedade que vão direcionar a humanidade para um futuro mais verde, mais saudável, mais sustentável e mais focado em iniciativas práticas e que resolvem problemas do dia-a-dia das pessoas. Investidores e fundos de investimento já falam em uma mudança nos padrões de investimento, mais conservadorismo será a regra, não haverá mais dinheiro fácil para empresas de tecnologia que queimam muito mais do que arrecadam e que preveem lucros somente no futuro distante. Após essa volatilidade e crise dos mercados que estamos passando, os investidores vão buscar iniciativas tangíveis, que agem com propósito, reconstruir o planeta, melhorar a economia pós-Covid, alimentar o mundo, produzir medicamentos, e serão pagos prêmios para quem fizer isso de maneira eficiente e sustentável.

E é ai que entra a Cannabis. Na verdade a Agricultura em geral. Não existe atividade mais sustentável do que a agricultura bem feita. Fixação de gás carbônico e produção de alimentos, a atividade mais antiga da humanidade, vai passar a ser reconhecida agora como a mais importante e mais relevante. Tecnologias para a agricultura, produção de mais produtos a partir de plantas, como fibras naturais, medicamentos, alimentos, cosméticos, chás, etc.. E adivinha qual commodity hoje permite produzir isso tudo a partir de uma mesma planta? Ela mesmo, a Cannabis.

É verdade que eu estava afastado das publicações aqui no Medium faz um tempo. Foi um mix de outros trabalhos tomando muito tempo, achar que estava oferecendo de graça um conteúdo que deveria ser pago e preguiça de escrever. Porém desde que essa pandemia iniciou percebi que se queremos um mundo diferente logo ali adiante, a hora de começarmos a cooperar e apontar soluções, ao invés de ficar remoendo problemas, é agora.

Pensando nisso, e observando diversas tendências que venho experienciando em conversas com investidores, outros empreendedores e pessoas do meio empresarial em geral, é que quando isso tudo acabar, vamos ter uma avalanche de oportunidades, que serão regidas por um novo paradigma de pensamento: chegou a hora da humanidade evoluir e se adaptar aos novos tempos, chegou a hora dos empreendedores que agem por propósito, chegou a hora de abandonar velhos preconceitos e propor ações que realmente melhoram a vida das pessoas, e mais do que isso, melhoram a vida do planeta.

Foi fácil observar o que o medo e a necessidade de isolamento fazem com o ser humano. Nos Estados Unidos o efeito foi imediato, as pessoas começaram a estocar 3 coisas: alimentos, armamentos e drogas. Vários estados norte americanos e até o governo do Canadá definiram que lojas de bebida e dispensários de Cannabis eram “serviços essenciais” à população. Na Holanda haviam filas do lado de fora dos coffee shops para comprar o necessário para estocar em casa durante a quarentena. Parece que é uma necessidade básica do ser humano consumir produtos que alteram sua capacidade de percepção da realidade, para poder relaxar e fugir um pouco dos noticiários gritando 24h por dia que o mundo vai acabar e milhões vão morrer. Eu me consideraria satisfeito se saíssemos dessa crise aceitando isso como um fato da nossa natureza, e não mais julgando e promovendo preconceitos bobos sobre quem decide fazer uso pessoal dentro da sua própria casa da substância x, y ou z.

Mas na minha percepção as mudanças vão ir muito além disso. Ficou claro que em nossa ausência a natureza corre para se recuperar. Ocupamos tanto espaço e consumimos tantos recursos, que nem percebemos mais nossos efeitos sobre o que está ao nosso redor. Os animais ao perceber nossa ausência começam a aparecer nas ruas das cidades, o ar limpo aumenta a presença de pássaros e insetos voadores onde antes não habitavam. Precisamos perceber que temos que encontrar novas maneiras de interagir com o mundo e criar melhores condições para que todos possam sobreviver. E não por nenhum motivo moral ou ideológico, apenas por que nossa sobrevivência depende disso.

Temos um curto espaço de tempo para substituir materiais nocivos ao ambiente por opções mais sustentáveis: plásticos biodegradáveis ou pelo menos feitos a partir de plantas, combustíveis renováveis, baterias sustentáveis, diminuir nossa pressão de consumo diário, nossa necessidade de movimentação tao intensa, buscar alternativas de embalagens e papéis que não danifiquem áreas extensas de florestas, reduzir um pouco nosso consumo de animais e focar mais em alternativas vegetais (não sou vegano nem vegetariano, mas cada vez mais percebo que a redução é necessária e que alternativas existem).

Enfim, chegou o momento de diminuirmos nossos egos e aprendermos a controlar nossas vontades que muitas vezes consideramos necessidades absolutas, porém não passam de vaidades supérfluas.

E a Cannabis tem um papel central nesse jogo. O uso das fibras naturais da planta permite a substituição de plásticos e uma nova alternativa ao papel feito de árvores, e ainda exige o uso muito mais reduzido de insumos químicos em sua fabricação. As fibras também podem ser utilizadas para produção de tecidos e roupas com boa qualidade, apresentando alternativa ao algodão. A mesma planta que permite a extração de suas fibras ainda produz uma semente de excelente qualidade nutricional, que pode ser ingerida in natura, como uma farinha concentrada em proteínas ou ainda transformada em opções que imitam a carne e ajudam a transição de quem tem dificuldade em diminuir seu consumo de proteína animal. E isso tudo ainda nem estamos falando nas moléculas que possuem efeitos terapêuticos e medicinais, cada vez mais comprovados, sobre a saúde dos humanos e animais.

Um dos recursos vegetais mais versáteis que a humanidade tem a sua disposição continua proibido no país que mais produz commodities no mundo.

Chegou a hora de pararmos com esse preconceito inútil e prejudicial que não permite o uso desta matéria prima tão versátil por nossa matriz produtiva. Todos os países a nossa volta já perceberam e hoje praticamente toda a América Latina aposta na Cannabis de alguma maneira. Espero que esse momento tão intenso que estamos vivendo sirva pelo menos para entendermos que existem diversas situações em nossas vidas que devemos reavaliar, repensar, procurar alternativas, e que a proibição, de qualquer planta ou substância que seja, é muito prejudicial para o nosso desenvolvimento.

Na União Europeia já se fala em um “plano verde” (quase um Green New Deal) para reconstruir a economia do bloco europeu após a pandemia. Os governos da região, em conjunto com autoridades financeiras, falam em disponibilizar fundos e linhas de investimento para iniciativas “verdes”, que significa planos de negócio sustentáveis, focados em redução dos danos causados pelo ser humano ao ambiente, redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, foco na agricultura local para diminuir custos e perdas de transporte e ajuda a pequenos negócios para fomentar as economias locais. Visando esse momento a EIHA (European Industrial Hemp Association) lançou um manifesto sobre como o Cânhamo pode ser central nessa retomada (Leia aqui).

Precisamos aproveitar este momento em que estamos todos sensibilizados e preocupados com a situação dos nossos conterrâneos, alguns mais com a saúde alheia, alguns mais com a situação econômica, de uma certa maneira todos preocupados com todos, e aprender a investir mais no diálogo, utilizar ferramentas mais eficientes e tomar decisões mais rápido. A própria Anvisa e o Ministério da Saúde estão dando o exemplo, se uma droga apresenta uso relevante para determinada condição, vamos acelerar seu uso e não dificultar, vamos aprender dos casos empíricos, mesmo que isolados, e facilitar o acesso universal a tudo que nos beneficia de alguma maneira, sempre sendo responsáveis é claro. Vamos estimular o empreendedorismo de quem quer produzir e distribuir localmente, para que não sejamos reféns do comércio internacional, que agora mais do que nunca demonstra que estamos vulneráveis e dependentes de produções que vem de muito longe e que nosso país tem as condições de produzir aqui muito mais do que fazemos hoje.

Minha mensagem final é: vamos sair dessa mais humanos, mais racionais, entender que temos tempo para parar e pensar, e que é tudo bem ser confrontado com opiniões contrárias e mudar de ideia. Temos muitas opções úteis e viáveis que podem melhorar muito nossa qualidade de vida e que hoje só não são exploradas devido a nossa própria incompetência em perceber seu potencial. E a Cannabis é talvez a maior vítima dessa nossa limitação humana, embora cada vez mais apenas o Brasil esteja isolado nesse grupo que prefere a proibição.

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