Produção de Cannabis: Onde estão os Agrônomos? (2/3)

Lorenzo Rolim da Silva
Tudo Sobre Cannabis
11 min readOct 1, 2019
Produtor de Cânhamo Andrew Graves, em sua plantação no Kentucky. Fonte: Atalo Industries

Chegou a hora do segundo texto da série “Produção de Cannabis: Onde estão os Agrônomos?”. Desta vez vamos abordar o tema de doenças que afligem a espécie bem como alguns problemas fisiológicos. Caso não tenha visto, o primeiro texto da série você pode conferir aqui.

O Cânhamo, como todas as commodities agrícolas, sofre com problemas de patógenos, em sua maioria espécies de fungos que atacam a cultura em diferentes momentos e em diferentes órgãos da planta. Este texto, para agrônomos brasileiros que tiveram uma boa dose de Fitopatologia durante o curso de Agronomia, já adianto que não vamos ter muitas novidades, a grande maioria dos fungos fitopatógenos são os mesmos que acometem grande parte das culturas cultivadas aqui no Brasil.

Isso é bom e ruim ao mesmo tempo, na minha opinião. Bom por que já sabemos como lidar com a maioria deles, porém ruim por saber que eventualmente, quando o Cânhamo for cultivado em larga escala, ele vai sofrer ataques destas doenças e talvez o cultivo seja impeditivo em áreas que contenham alta incidência destes patógenos. Essa é uma distinção importante, enquanto as pragas não são necessariamente as mesmas das grandes culturas brasileiras, o que favorece o uso do Cânhamo em uma rotação de culturas nesse sentido, a maioria das doenças fúngicas são as mesmas, mantendo no campo os esporos gerados durante o ciclo reprodutivo destes organismos, seja nas plantas vivas ou na própria palhada após a colheita.

Processo de colheita por foice de cânhamo cultivado para fibras. Veja que a densidade de plantas é grande, o que pode favorecer a proliferação de fungos em condições de umidade. Fonte: Canadian Hemp Trade Alliance.

Sem mais delongas, vamos aos principais patógenos que atacam a cultura do Cânhamo:

Mofo Cinzento (Botrytis cinerea):

Botrytis atacando uma flor fêmea de Cannabis. Note o acúmulo de mofo cinzento. Fonte: dinafem.org

Um velho conhecido da agricultura, o Botrytis ataca as mais diversas culturas como videiras, tomateiros, morangos, feijão, alface, cenoura, etc..

O fungo ataca a planta de Cannabis em diversos momentos e diferentes alvos. O mais comum é nas flores, quando as flores fêmeas crescem e atingem um tamanho relevante, normalmente a circulação de ar por dentre elas é baixa e há acumulo de umidade, favorecendo o patógeno. Também existem diversos relatos de infecções no caule de variedades cultivadas para fibras e também sementes após a colheita, quando não há secagem adequada e o teor de umidade fica elevado. A infecção das sementes é preocupante pois inviabiliza o uso das mesmas no próximo ciclo ou ataca fatalmente os brotos quando há a germinação destas sementes.

Os mecanismos de controle são: 1) manter a umidade relativa do cultivo abaixo de 50% (situação aplicável a estufas e cultivos indoor), e secar imediatamente as sementes após colhidas até umidade de 8–9%, que é considerado um nível seguro para a maioria dos patógenos. 2) A correção da acidez do solo até níveis de pH 6,3–6,8, auxiliando a absorção de Cálcio pelas plantas, e claro, aplicação de Calcário suficiente para existir disponibilidade, reduz a incidência da maioria dos fungos. 3) Evitar a aplicação excessiva de Nitrogênio e Fósforo. 4) Controle Biológico através da aplicação de espécies de Tricoderma, cada vez mais difundidas na agricultura. A aplicação normalmente se baseia em produtos que utilizam os esporos através de spray aplicado diretamente as plantas, ou aplicados via irrigação ao solo, a fim de coibir fungos que se proliferam no solo.

Ciclo de vida do fungo Botrytis cinerea. Fonte: Hemp Diseases and Pests, 2000.

Necrose do Cânhamo (Sclerotinia sclerotiorum):

Escleródios de Sclerotinia dentro do caule fibroso do Cânhamo. Fonte: Canadian Hemp Trade Alliance.

Sclerotinia é um dos fungos fitopatógenos mais comuns em culturas agrícolas no planeta, e a presença em cultivos de Cannabis não é diferente. Sclerotinia é conhecida por causar a doença conhecida como mofo branco em muitos cultivos. Este fungo normalmente sobrevive por longos períodos no solo na forma de escleródio. A doença foi responsável por praticamente eliminar o cultivo do estado do Wisconsin nos EUA durante a década de 1940.

Os métodos de controle são comuns e conhecidos, a incorporação dos restos culturais ao solo, revirar o solo e promover a solarização do mesmo por 30–60 dias e evitar a alta umidade do solo através de sistemas de drenagem eficientes. Vale ressaltar que o fungo é favorecido por alta umidade combinada com temperaturas mais baixas. Existem alguns produtos biológicos comerciais, como o ContansWG da Bayer, que contém o fungo Coniothyrium minitans, que quebra o ciclo da Sclerotinia e facilita o controle em áreas de alta umidade. A prevenção é sempre melhor que buscar o efeito curativo depois que o fungo já se manifestou.

Ataque de Sclerotinia a flores de Cannabis, sintomas iniciais nas primeiras plantas a esquerda e ataque mais avançado a direita. Fonte: Canadian Hemp Trade Alliance.

Damping off (Pythium e Rhizoctonia):

Broto vítima de damping off causado por Pythium. Fonte: https://www.alchimiaweb.com/blogen/pythium/

Damping off é uma doença comum na agricultura, normalmente causada por espécies como Phytophtora, Rhizoctonia ou Pythium. Baseia-se na morte prematura dos brotos nos primeiros dias de vida da planta após a germinação e pode ocorrer ainda na semente, evitando que a planta sequer germine. Também ataca as plantas em estágio adulto, como é possível verificar na imagem da direita, onde um há um murchamento das folhas e do início de um ponto de floração (não mais caracterizando damping off, porém é causado pelo mesmo patógeno).

Curiosamente, a Phytophtora, espécie mais famosa, devido a ocasionar a requeima da batata, não ataca o Cânhamo, ou pelo menos não há relatos do ataque até hoje. Inclusive a Cannabis pode ser utilizada em áreas de presença de Phytophtora para reduzir a população do fungo na entressafra de maneira bastante eficiente.

A maneira mais fácil de controlar a doença é evitar o plantio em áreas com muita umidade e também não regar em excesso. É recomendado irrigar o solo alguns dias antes do plantio e evitar nova irrigação até que pelo menos 75% das plantas estejam germinadas e já acima do solo. Também é recomendado evitar o plantio muito cedo na primavera em regiões mais frias, pois a maioria dos fungos se favorece de solos com temperaturas mais baixas. É importante salientar que a doença pode ocorrer em sistemas hidropônicos, onde pode ser evitada através da simples limpeza dos sistemas com solução de água sanitária diluída ou outros agentes desinfectantes.

Existem alguns produtos comerciais como Actinovate, Mycostop e Polygangron, biológicos a base de fungos que combatem a maioria dos causadores do damping off, que podem ser aplicados ao solo, evitando a proliferação dos mesmos. Existe a possibilidade de aplicar nitrato de sódio ao solo a fim de combater os fungos, porém essa prática pode levar a problemas de desbalanço nutricional das plantas. Existem também alguns produtos não biológicos de uso comum. O uso de extrato aquoso de flores de Cânhamo (50g de flores moídas e colocadas em 1L de água por alguns dias) é bastante eficaz para tratar e evitar a Phytophtora em batata semente. O uso de Tricodermas no solo é eficiente na prevenção destas doenças.

Mancha amarela (Septoria):

Pelo menos duas espécies de Septoria atacam o gênero Cannabis (cannabis e neocannabina). A doenças se manifesta através de manchas que iniciam nas folhas mais velhas, variando do amarelo até o amarronzado, normalmente pequenas e redondas mas podendo chegar até formas poligonais de maior tamanho.

Manchas de Septoria em folhas de Cannabis. Atenção para o ataque primariamente nas folhas mais antigas. Fonte: growweedeasy.com

O patógeno sobrevive em restos culturais durante o inverno, sendo a incorporação dos mesmos ao solo uma forma de controle para o próximo ano. Em plantas de estufa ou cultivo indoor, recomenda-se remover cuidadosamente as folhas atacadas nos primeiros sinais de ataque, para evitar a dispersão do fungo.

Alguns fungicidas a base de Cobre são eficazes no controle do fungo.

Mancha marrom (Phoma e Ascochyta):

Mancha marrom é uma doença comum em condições de clima mais frio, a temperatura ideal para proliferação do fungo é entre 19–22 graus Celsius.

A doença se manifesta através de pequenas lesões marrons que variam entre 5 e 15mm de diâmetro, e podem evoluir até lesões que deixam um furo completo na folha. Normalmente folhas mais velhas são atacadas primeiro, existindo a possibilidade de evolução da doença até toda a planta.

Manchas marrons em meio a lesões de outras origens na folha. Fonte:ilovegrowingmarijuana.com

Míldio (Pseudoperonospora):

Míldio é uma doença bastante comum na agricultura e presente em diversas culturas no Brasil. Em Cannabis existem ao menos duas espécies de Pseudoperonospora responsáveis pelo ataque (cannabina e humuli, a segunda é conhecida por também ataca o lúpulo, parente próximo do gênero Cannabis).

Os sintomas iniciam com pequenas manchas amarelas angulares na parte superior das folhas. As lesões evoluem rapidamente para crescimento micelial do fungo na parte debaixo da folha, logo abaixo das lesões. Normalmente é comum identificar durante as primeiras horas do dia, quando há acumulo de orvalho nas folhas e é possível visualizar a água acumulada nos micélios dos fungos na parte inferior das folhas.

Lesões na parte superior da planta e crescimento do micélio em destaque. Fonte: zombiegardens.com

O controle é feito normalmente através da eliminação de restos culturais entre cultivos, rotação de culturas (evita-se utilizar a mesma área para cultivo no próximo ano se o ataque foi severo), e também através de aplicação de alguns produtos biológicos, como o Serenade Max da Bayer, que utiliza esporos de Bacillus subtilis, cepa QST 713, para controlas diversos fungos, dentre eles os causadores do Míldio.

Necrose do caule e Murcha (Fusarium):

Fusarium é um gênero de fungos que causam diversas doenças em Cannabis, dentre elas a necrose do caule e a murcha. As doenças ocorrem em condições de alta umidade e é favorecida com o ataque de insetos, que deixam lesões no caule onde o fungo encontra condições favoráveis para sua reprodução.

A Necrose é caracterizada por manchas no caule, de aspecto úmido ou gelatinoso e coloração amarronzada. Especialmente prejudiciais a cultivos voltados para produção de fibras, podem causar prejuízos em lavouras comerciais.

Mancha tradicional de necrose no caule. Fonte: vthemp.com

A murcha pode se dar em diferentes partes da planta, podendo atacar a base do caule de plantas adultas, ocasionando a morte da planta, até ramos específicos na parte superior. Conforme o nome indica, os sintomas são aparentes como uma murcha generalizada das folhas e ramos.

Murcha causada por Fusarium, na base do caula na imagem à esquerda e em um ramo superior à direita. Fonte: vthemp.com

O controle se dá na garantia de sementes saudáveis (Fusarium pode sobreviver em sementes por longos períodos, grande oportunidade aqui para tratamentos de sementes adequados), inundação da área de plantio antes do semeio, pois Fusarium é altamente aeróbico não resistindo a períodos breves sem oxigênio, rotação de culturas e uso de cultivares resistentes ao fungo (existem algumas comerciais). Em estufas e áreas indoor, a higienização das salas normalmente é suficiente para inibir a infecção.

Oídio (Spheroteca e Leveilulla):

Oídio é outra doença bastante conhecida no Brasil e normalmente confundida com míldio.

A doença inicia com pequenas lesões na parte superior das folhas e evolui para a formação de micélio fúngico também na parte superior, as folhas ficam com aparência de estarem recobertas por uma fina camada de poeira. Se a doença é deixada a plena evolução, podem gerar cleistotécios, estruturas reprodutivas dos fungos, que tem cor escura.

Aparência típica de oídio em folhas de Cannabis. Fonte: https://www.sunwestgenetics.com

O controle da doença se dá normalmente através do controle da densidade de plantio, evitando molhamento excessivo das folhas (irrigação por gotejo ou inundação) e através da aplicação de produtos como o Serenade Max, citado acima. Em ambientes de estufa ou indoor é possível remover as folhas atacadas e evitar a dispersão do fungo.

Carvão (Macrophomina plaseolina):

O carvão ataca e causa a morte de plantas adultas próximas ao final do ciclo. As plantas normalmente apresentam amarelecimento ou clorose e secam completamente. A parte interior do caule apresenta pequenas manchas pretas em grande quantidade.

Porção interior do caule de uma planta repleto de micro escleródios do fungo. Fonte: Hemp Pests and Diseases, 2000.

A doença é favorecida por situações de seca moderada a severa, sendo evitada em grande parte através da irrigação adequada. Evita-se o uso da mesma área dedicada a cultivo de Milho, se houve presença da doença na lavoura de Milho, pois o agente infeccioso é o mesmo.

Uso de espécies benéficas de Tricoderma são possíveis e inibem o aparecimento do fungo. É difícil combater a doença uma vez que se instala na planta.

Antracnose (Colletotrichum):

Antracnose é uma doença comum no Brasil, presente em muitas espécies agrícolas.

Existem três espécies de Colletotrichum que causam antracnose em Cannabis, e todas se reproduzem no solo. Os sintomas iniciam com pequenas lesões cloróticas que evoluem até lesões circulares com centro cinza-esbranquiçado e bordas escuras.

Lesões maduras de antracnose em folha de Cannabis. Fonte: https://www.slideshare.net/nicolewardUK/hemp-diseases-in-kentucky-an-overview-2019

O controle é feito através de cuidados de higiene, como eliminação de restos culturais e sanidade geral do cultivo, baixa umidade foliar e plantio na época adequada. A eliminação imediata de plantas infectadas do cultivo é possível, ou de folhas que apresentem os sintomas em cultivos pequenos ou estufas.

Uso de Tricoderma no solo também evita a doença.

Ferrugem (Uromyces, Aescidium e Uredo):

Ferrugem é talvez a doença de maior destaque no Brasil devido ao seu ataque a plantas de Soja, existindo diversas genéticas resistentes a doença. Os problemas no controle para a Cannabis são similares, relativos ao modo de reprodução do fungo que gera uma enorme variabilidade genética e dificulta mecanismos de controle.

A melhor maneira de prevenir a doença é através de prevenção, evitando molhamento excessivo das folhas (irrigação por gotejo ou inundação), eliminação de plantas que apresentem os sintomas. Nutrição adequada das plantas, com destaque para o Enxofre, previne o aparecimento da doença em muitos casos. Rotação de culturas em áreas afetadas é importante para prevenir.

As lesões são muito similares a soja, pequenas manchas marrons em grande número na superfície das folhas. A dispersão do fungo se dá de maneira similar.

Podemos observar que existe muito a ser pesquisado e entendido quanto aos aspectos agronômicos do cultivo de Cannabis, e que grande parte das informações disponíveis vem da América do Norte e da Europa, ou seja, reflete as suas realidades e doenças presentes nesses países. Quando o cultivo tornar-se distribuído em países tropicais como o Brasil, vai haver uma enorme necessidade de estudos e pesquisas nas áreas sob diferentes condições ambientais e para diferentes finalidades. Que venham os Agrônomos!

Lorenzo Rolim da Silva, Engenheiro Agrônomo, trabalha na indústria da Cannabis há 5 anos e atualmente é consultor internacional para projetos de produção de Cannabis e medicamentos em diversos países da Europa, América do Norte, América Latina, África e Oceania.

Atualmente escreve neste Medium a fim de trazer um novo olhar para a Cannabis dentro do Brasil e, com sorte, mudar alguma coisa.

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal e industrial. Interessou? Siga acompanhando!

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