Tá estressado? Aperta um baseado!

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
7 min readOct 4, 2021

Noites sem dormir, fadiga mental, um cansaço que não passa, dor de cabeça e dificuldade em se concentrar. Vontade incontrolável de comer, insegurança e alguns experimentam até pensamentos recorrentes e ideias estranhas povoando a cabeça. Não há dúvida, isso é estresse, e pode se tornar bastante sério se não se tomar uma atitude.

Alguns diriam que isso “faz parte” da vida moderna, e a gente tem que se acostumar. Outros diriam que é o mal do século e estamos vivendo uma verdadeira epidemia de saúde mental, em que a origem de tudo é o estresse. Pois é.

Texto originalmente publicado na revista Trip, republicado aqui, pra dar um pouco mais de contexto científico. Texto original aqui.

Photo by Aarón Blanco Tejedor on Unsplash

E em cima disso tudo, tivemos a pandemia, que já nos assola há quase 2 anos, e aparentemente é um cenário mais duradouro e com o qual vamos ter que nos acostumar.

Estar tão “ativado” digitalmente e sempre apreensivo com a incerteza nos gera tensão e um nível de ansiedade latente que afeta nossa saúde mental. Desencadeia stress agudo e pode até levar à depressão. Sejamos francos… muita gente está passando por um período barra pesada, com perdas irreparáveis na família, no círculo social, ou na condição de vida que tinha antes da pandemia. É normal que alguns estejam sobrecarregados, sofrendo com o que chamamos de “burnout” ou mesmo tenham desenvolvido algum tipo de trauma.

Photo by Christian Erfurt on Unsplash

Eventualmente isso passa, o tempo é o nosso melhor aliado, contudo, há que se buscar ajuda para reduzir o sofrimento inerente que é causado.

Duas descobertas recentes mostram que os canabinoides, como o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) podem ser recursos muito importantes nessa batalha para se sentir melhor, em plena pandemia, e com tanto stress rondando as nossas vidas. O papo é tão sério, que no Canadá e em muitos estados americanos, a Cannabis foi considerada um insumo “essencial” e os dispensários eram umas das poucas lojas que permaneceram em atividade mesmo durante o lockdown.

A primeira delas diz respeito aos profissionais mais sobrecarregados de todos, e que merecem nosso maior respeito: os profissionais de saúde. Um estudo brasileiro do tradicional grupo da USP-RP avaliou a capacidade do tratamento com CBD (300 mg ao dia) em reduzir a exaustão emocional e sintomas clássicos de burnout, como os mencionados no primeiro parágrafo deste texto. Para a felicidade dos pesquisadores (e dos voluntários), o tratamento foi um sucesso.

Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2782994

Apenas 2 semanas depois, os profissionais de saúde tratados com CBD começaram a apresentar uma melhora em relação aos que receberam somente o tratamento de saúde padrão. Esse efeito persistiu por pelo menos 1 mês, e certamente por mais tempo, se o estudo fosse continuado (o tratamento foi interrompido em 28 dias, exclusivamente para fins experimentais). Como efeito duradouro, o tratamento reduziu o número de indivíduos diagnosticados com burnout, ansiedade ou depressão. O benefício é bastante palpável, embora tenha havido relatos de efeitos adversos em alguns voluntários.

Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2782994
Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2782994
Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2782994

Outro estudo, internacional, abordou o efeito dos canabinoides sobre o estresse pós-traumático (TEPT), que é uma patologia de ansiedade nefasta, acometendo grande parte das pessoas que passaram por eventos de violência, terror ou perda de entes queridos. Não por acaso, o estudo foi conduzido em ex-combatentes de guerra americanos… uma particularidade interessante, é que os autores “arriscaram” usando uma forma pouco ortodoxa de tratamento, e que no Brasil oficialmente não se considera medicinal: maconha fumada. Além disso, aceitaram voluntários que eram usuários ativos, o que pode ter dificultado bastante a interpretação dos resultados, pelos já conhecidos efeitos de tolerância farmacológica (“perda de efeito” ao longo do tempo).

Fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7968689/

Sem entrar nos detalhes complexos da maneira como o estudo foi conduzido, ele comparou três formas diferentes de tratamento por 3 semanas contra um grupo placebo. O resultado positivo é que houve melhora dos pacientes, com uma aparente vantagem nos grupos que usaram baseados contendo THC, além do CBD.

O resultado é entusiasmante porque o tamanho do efeito foi inclusive superior ao tipicamente obtido para substâncias referência utilizadas para estresse pós-traumático, que é uma doença de difícil tratamento. Contudo, pra surpresa de todos, o grupo placebo também teve uma melhora substancial, de maneira que não foi possível concluir estatisticamente o sucesso do tratamento.

O estudo foi desenhado e conduzido, mas é complexo. O tratamento foi de relativo curto prazo. Será que esse fator não contribuiu pra falha observada? Os autores relatam também "interferência" do efeito placebo.

Cientificamente isso equivale a um resultado negativo. Na prática, é possível que diversos aspectos na condução do estudo tenham prejudicado a interpretação dos resultados. É relativamente comum acontecer esse tipo de “oscilação positiva” no grupo placebo em estudo com grande comoção social. A expectativa é muito alta quando se fala do potencial tratamento de doentes que não têm outra esperança, como os veteranos militares… e ainda mais quando se fala de voluntários usuários testando um potencial tratamento à base de Cannabis. A vontade de que funcione é tanta que… acaba funcionando :-)

De novo aqui, a melhor receita é o tempo. Se o tratamento fosse estendido por pelo menos 12 semanas, acredito que os resultados seriam mais equilibrados. O efeito da expectativa vai se desfazendo com o tempo e permanece o efeito mais “limpo” do tratamento em si. O tempo é inexorável. Sempre ele, nosso maior aliado.

É fácil falar depois de feito, mas se eu fosse repetir, não faria com usuários ativos, trataria por mais tempo, e talvez considerasse o uso de Cannabis em terapia guiada, como se tem feito no pujante campo nascente das psicoterapias assistidas por psicodélicos. Quando se fala de psicoativos, como o THC, no fim o que importa não é somente a substância, mas o que se faz enquanto sob o efeito da substância… é de se pensar.

No contexto da pandemia, como colocamos, os resultados positivos de um estudo como esse poderiam beneficiar parentes de pessoas que foram a óbito, ou indivíduos submetidos a um estresse bastante intenso a ponto de se traumatizaram. Mesmo em tempos “normais”, esse tipo de coisa acontece com sobreviventes de acidentes de trânsito graves ou vítimas de violência. Por hora, o CBD parece trazer alívio em casos de estresse como o de burnout, e quem sabe, isso possa ser estendido no futuro próximo para o estresse pós-traumático, como sugerem estudos já clássicos em modelos animais, com os quais inclusive tive a honra de contribuir ao longo da minha carreira como farmacologista.

Desde vários anos atrás a gente já sabe que o sistema endocanabinoide participa da regulação do stress agudo. A adaptação às intempéries do dia a dia é uma função intrínseca do nosso organismo, está embutida no nosso chassi de fábrica e esse mecanismo maravilhoso de adaptação e manutenção de equilíbrio da fisiologia, a homeostase, está sob controle do tal do sistema endocanabinoide. Ele faz a gente literalmente “se acostumar” com o estresse e não sofrer mais as consequências — até que isso fica exagerado e foge do controle gerando uma situação de estresse crônico, mas aí é outra história.

Eu fui um dos pesquisadores que naquela época começou a advogar pelo uso dos canabinodies para reduzir essa situação de estresse, e aliviar a tensão. Esse tratamento potencialmente funcionaria inclusive em situações mais graves, como traumas. De fato, já faz mais de 10 anos que publicamos um artigo mostrando que o canabidiol (CBD) ajuda na redução do estresse pós-traumático em modelos animais, com um alívio das reações comportamentais geradas pelo medo e ao longo do tempo um reaprendizado, com verdadeiro potencial para cura de verdade do trauma, “passando por cima” daquele acontecimento tão doloroso.

De uma certa maneira, me "dói" ver essa falha no estudo de estresse pós-traumático, porque havia uma expectativa enorme sobre ele. Já falamos disso há mais de 15 anos, em um capítulo de livro que dividi com meu orientador na época, o Prof. Reinaldo Takahashi neste livro.

Pela minha experiência com farmacologia desse sistema, diria que eu teria dado uma dose substancialmente mais baixa de THC aos indivíduos. Nos meus estudos, o efeito dos agonistas canabinoides em reduzir a resposta de medo ao longo do tempo não aconteciam per se, mas sim em decorrência de um protocolo de extinção de memória de aversiva. Em humanos, seria o equivalente a uma terapia cognitivo comportamental de exposição em ambiente controlado… quem sabe, seguindo a linha dos psicodélicos, o caminho para a libertação dos traumas seja uma psicoterapia impulsionada por canabinoides, e em doses substancialmente menores do que as usadas para "chapar". As evidência estavam lá, uma pena que foram por outro caminho, talvez seguindo em linha com a visão da indústria patrocinadora do estudo. Ainda "to be continued". Vejamos os próximos capítulos.

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Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis

Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.