Uso terapêutico de canabinoides no Brasil: avanços, desafios e perspectivas

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
12 min readMay 28, 2023

Conheça em profundidade o conteúdo da minha participação nesse webinar da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE),. Este ano a sociedade científica da qual faço parte desde o início da carreira como farmacologista organizou um webinar muito interessante sobre o tema dos canabinoides. O evento ocorreu no "Smart medication day" com o intuito de fomentar o uso racional de medicamentos. Esse tópico está muito alinhado com a profissão farmacêutica, então me identifico bastante.
A mesa foi composta com um time "de peso" e fiquei muito feliz em ser um dos participantes. A discussão teve como moderador meu amigo de longa data o Prof Rui Daniel Prediger da UFSC, e como participantes Francisco Guimarães (FMRP-USP), Fabrício Pamplona (UNILA), Alexandre Ottoni Kaup (Hospital Israelita Albert Einstein) e Dirceu Raposo (ex-diretor presidente da ANVISA).

Esse foi o time de notáveis que participou da discussão. Uma curadoria e tanto de profissionais brasileiros dedicados ao tema. Belo trabalho da SBFTE e do prof Rui Prediger.

Conheça os detalhes da minha participação acessando o link abaixo

E pra quem tiver preguiça de assistir tudo e se interesse em uma forma resumida, olha que interessante a análise do transcrito da palestra que fiz com ajude de uma inteligência artificial.

O sumário poderia ter sido escrito por mim, então assino embaixo:

Resumo da participação do Dr.Fabricio Pamplona no webinar

O autor enfatiza a diferença percebida entre a experiência pessoal dos pacientes que utilizam cannabis medicivjnal e a opinião mais cética dos médicos, salientando a necessidade de ensaios clínicos robustos para fornecer dados científicos confiáveis. O autor insiste que, apesar da ausência de tais estudos, os depoimentos dos pacientes não podem ser ignorados, pois muitos reportam melhorias significativas em suas condições de saúde ao usar a cannabis.

Ao revisitar sua experiência pessoal, o autor recorda sua introdução ao mundo da cannabis medicinal quando começou a avaliar o conteúdo dos extratos importados ao Brasil, assim como os dos primeiros a serem preparados de maneira clandestina no país. Ele descreve o mercado de cannabis medicinal no Brasil como uma “bagunça”, citando a presença de produtos de baixa qualidade sendo vendidos juntamente com aqueles de alta qualidade e a dificuldade, por este aspecto, de se ganhar a confiança dos médicos em relação ao tema.

Um problema adicional destacado pelo autor é a incerteza enfrentada pelos médicos ao prescrever cannabis medicinal, devido à falta de diretrizes claras, apesar da Anvisa permitir a prescrição de cannabis para condições específicas.

Um caso específico de uma paciente com epilepsia refratária ilustra a necessidade de uma auditoria de qualidade para garantir a segurança do paciente, especialmente quando se considera que altas doses de THC podem exacerbar crises epilépticas.

O autor reforça a necessidade de laboratórios certificados para testar e validar a qualidade dos produtos à base de cannabis, já que muitos produtos comercializados como CBD possuem composições muito variadas. Ele ressalta que atualmente não há laboratórios suficientes para atender à demanda das empresas que produzem e desenvolvem esses produtos.

Finalmente, o autor destaca a complexidade e os desafios associados à regulação de produtos de cannabis, devido à sua diversidade de composições e classificações. Ele sugere que a evolução do mercado trará novas oportunidades, principalmente no campo da pesquisa clínica, que ajudará a preencher a lacuna entre a percepção dos pacientes e a realidade clínica.

No geral, o autor acredita que a legalização e a regulamentação da cannabis medicinal são inevitáveis, e vê isso como uma questão de tempo.

Caras e bocas deste que vos fala durante a palestra. Evento online é conveniente, mas também é chato porque fica só um carinha na tela falando o tempo todo e não temos fotos legais para compartilhar.

No geral, o autor acredita que a legalização e a ampla regulamentação da cannabis medicinal são inevitáveis, e vê isso como uma questão de tempo.

Esse trecho acima foi escrito por uma Inteligência aritficial que " assistiu" minha palestra. Olha, preciso admitir que acho que ela entendeu bem a minha perspectiva. Interessante, não é?

Abaixo a transcrição completa da palestra para os interessados

Passo a palavra agora, sem mais delongas, para o Dr. Fabrício Pamplona fazer suas considerações iniciais.

Boa tarde, pessoal. Primeiro, é muito legal um painel diverso como esse, com representantes de diversas áreas e gerações, e até relacionamentos próximos, já mencionados. Agradeço à SBFTE pela composição aqui do painel.

Infelizmente, estou com poucos conflitos de interesse atualmente, mas tem um que é relevante. Tenho cotas de participação numa startup chamada SynBD, que é uma empresa de biotecnologia voltada à produção de canabinoides por via biossintética. Mas nada do que eu vou falar tem qualquer relação com isso. Acho que é, como os demais fizeram, inclusive na forma formal de um slide, algo que devo mencionar no início da minha fala. Não vou usar nenhum slide, mas queria mencionar isso.

Tenho algumas histórias interessantes para compartilhar desse tempo e farei algumas provocações sobre o que, talvez, seja a minha visão do futuro. Quais são os desafios futuros para o nosso país? Talvez já dando um gancho para a perspectiva regulatória do Dirceu, de onde vêm as maiores evoluções.

Em saltos quânticos, cada vez que surge uma nova regulamentação, novas possibilidades são abertas. Uma coisa que eu gostaria de mencionar, que é bem interessante, é que eu segui uma trajetória não linear na minha carreira, iniciando como farmacêutico e cientista de bancada, literalmente, com experimentos em animais, células, etc. Rapidamente, após o doutorado, eu me direcionei para uma linha mais voltada ao desenvolvimento de negócios e participei, na época, à frente do desenvolvimento de produto do que foi a primeira startup desse ramo no Brasil. Então, quando a gente faz as coisas pela primeira vez…

Quando fazemos algo pela primeira vez, erramos mais do que os outros e, portanto, aprendemos mais. Há grandes oportunidades de aprendizado. Uma delas que destaco foi ter colaborado com o processo regulatório. Quando a Anvisa começou a estudar esse tópico pela primeira vez, eu coordenei uma visita técnica dos técnicos da Anvisa no Canadá. Na época, nossa startup fazia parte de um grande grupo canadense, que viria a se tornar a maior empresa do mundo no ramo.

Foi um prazer enorme, olhando do ponto em que estamos agora e tudo que aconteceu depois disso, conseguir fazer essa troca técnica com os técnicos, ter essa vivência lá dentro, mostrando o que é um cultivo profissional, o que é uma extração profissional, como se prescreve, que tipo de patologias, entre tantas outras coisas. Hoje, vemos tudo isso como uma realidade no país. De certa maneira, eu também tive uma contribuição nesse processo.

Depois, mesmo saindo dessa primeira empresa, fui consultor de uma farmácia magistral. Trabalhei com um produto voltado à genética, ao diagnóstico, à identificação de características genéticas que predispõem à resposta terapêutica de canabinoides, ainda uma área polêmica e de amplo horizonte e desenvolvimento, eu diria, mas que acho que tem bastante potencial na farmacogenética. Participei diversas vezes como assessor técnico em casos jurídicos.

É bem interessante ver como o nosso conhecimento pode ser aproveitado de diversas formas. Tive essa oportunidade por ter feito uma carreira com um pé fora da academia, embora eu ainda tenha uma participação como pesquisador voluntário na UNILA, como o Rui mencionou.

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Uma história bem interessante relacionada ao Professor Mechoulam, acho que é muito importante a menção do Professor Chico Guimarães a esse baluarte, a pessoa mais importante de todo esse campo. Tive o prazer de também ter contato com ele algumas vezes e acho que o mais significante foi a minha primeira palestra internacional, já numa mesa redonda com o senhor Mechoulam. Na época, o meu orientador, o Professor Takahashi, tinha sido convidado, mas ele não pôde participar. Eu estava morando na Alemanha e por isso tive a facilidade.

Em 2008, foi a primeira vez que a comunidade internacional de pesquisa falou abertamente sobre o potencial terapêutico do canabidiol, num evento específico para isso. Tive a honra de ser um dos palestrantes nessa mesa redonda, discutindo diretamente com o Professor Mechoulam. Imaginem eu, na minha primeira palestra internacional, aos 25 anos, um guri ao lado da pessoa que era a maior referência da área. Lá eu fiz uma piadinha ao final da minha fala, no início das discussões, falando assim: “Professor, eu acho que o CBD é a nova aspirina porque, para todo lado que a gente olha, parece que tem resposta terapêutica.” Ele começou a discussão na mesa redonda com essa provocação.

E hoje a gente vê que talvez um dos maiores desafios seja realmente alinhar essa percepção, da ideia de que pode ser uma espécie de panaceia, visto que ele é um potente antioxidante, ele tem diversos mecanismos de ação, e muita gente está usando para qualquer coisa, com o que a gente tem de evidência científica concreta, seja do estudo clínico randomizado, seja de estudos de vida real, como o Alex comentou.

Acho que, na área de canabinoides, é muito importante a gente ter uma certa flexibilidade nos conceitos, visto que há muita informação que é obtida de maneira que ainda não é estudo clínico randomizado. Usar essa justificativa para dizer que não há evidência, eu acho que é um pouco leviano, ou demonstra ignorância se a pessoa é bem informada, e desculpável se a pessoa não é bem informada.

Mas viver hoje em dia, em 2023, dizendo que não há evidência da eficácia de canabinoides para qualquer patologia, não é aceitável, é simples assim. Na verdade, o cenário evoluiu muito desde que tudo começou e essa ideia de pequenas associações de pacientes “fazendo saúde com as próprias mãos” para usar o ditado, está muito mais complexo.

Quando tive as primeiras oportunidades de ter contato com produtos, a minha experiência foi muito semelhante à que o Alex descreveu.

Certamente, estava contaminado com efeitos colaterais ou com efeitos indesejáveis, como o Professor Chico mencionou. Na época, eu trabalhava no Rio de Janeiro na Rede D’Or e alguns dos produtos que estavam sendo comercializados no Brasil chegaram até mim para fazer uma caracterização simples, com uma cromatografia em camada delgada, que era o que eu expunha ali imediatamente no laboratório. Mas com uma técnica tão simples quanto essa, a gente percebe que o que estava sendo chamado de CBD tinha as composições mais diversas possíveis. Muita gente até usava óleo de CBB. Não dá para ser mais errado do que isso. Mas assim, talvez óleo de cânhamo poderia ser adequado, CBD certamente não era. Assim, bebê-lo puro certamente não era uma opção.

Eu me deparei também com casos de teores de THC que não eram aceitáveis, particularmente para o tratamento de crianças com epilepsia naquele primeiro momento. No segundo momento, tem uma história muito curiosa que o mesmo erro, por assim dizer, gerou uma oportunidade de pesquisa muito interessante. Um paciente idoso com problemas cognitivos referiu o uso de CBD, auto instruído. Não foi, nesse caso, nem prescrito, mas auto instruído: “Ah, me disseram que isso aqui é bom, eu vou usar. Tenho Alzheimer, dei para o meu avô, não sei o quê” e chegou já com o neurologista, neurologista da Unila da equipe de Neurologia Clínica, referindo melhora cognitiva.

E aí, na época, eu ainda não tinha acesso a recursos analíticos muito melhores, resolvi analisar aquele produto. Então o tal CBD, que foi comprado na Colômbia nesse caso, tinha tudo, exceto CBD. Na verdade, nem tinha CBD. Com HPLC a gente consegue chegar a esse nível de revelação, de refino da análise. E aí, a gente identificou que esse paciente estava tendo melhoras cognitivas com um THC muito diluído. Olha que interessante!

Daí, houve oportunidades de primeiro acompanhamento de alguns estudos, alguns casos clínicos, e que hoje é um estudo clínico randomizado, já com sucesso parcial, com duração superior a um ano, com THC em pacientes com demência, com doses muito baixas de THC na faixa de 1mg. Então, é muito interessante como a bagunça que literalmente é esse meio às vezes também podem dar oportunidades como essa que foram bastante interessantes e hoje é uma das principais pesquisas que eu estou envolvido na Unila, o uso de doses muito baixas de THC para melhora cognitiva, e melhora de qualidade de vida em pacientes com Alzheimer, com demência de maneira geral, aliado ao desenvolvimento de um biomarcador, que foi de fato o meu trabalho de doutorado que eu venho continuando a desenvolver, um marcador relacionado ao sistema endocanabinoides.

Bom, isso foi um plano de fundo para contar um pouco da história da minha participação, acho que a ideia também é essa aqui nesse webinar. E eu queria trazer como provocação, já que eu mencionei que é uma espécie de bagunça, quais são os desafios para que a gente evolua e torne esse mercado, que é complexo, cada vez mais sofisticado, rigoroso, seguro e eficaz? Como farmacêutico e proponente do uso racional de medicamentos, um dos desafios que vejo é a necessidade de laboratórios certificados. Atualmente, não temos laboratórios suficientes para atender às empresas que estão desenvolvendo e produzindo produtos.

Certamente precisamos de laboratórios certificados, seja como serviço das universidades ou de fato laboratórios comerciais. Ainda há muita dificuldade associada a diferentes qualidades de produtos, como já foi mencionado, e as diferentes composições e classificações de produtos. Então isso ainda é inicial, é rudimentar na regulação.

A minha perspectiva é de que a diversidade na composição dos produtos que a gente observa em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, vai estar sempre um passo à frente da nossa capacidade de classificá-los. Então, a gente tem canabinoides que eram considerados raros hoje em dia já com algumas evidências de benefício medicinal e de efeito biológico e que é muito difícil transformar em uma diferença e classe de produtos. Então um exemplo aqui é o Cannabigerol (CBG). Se a gente tem um produto que é majoritário em CBG, ele é considerado cânhamo se a origem foi cânhamo ou ele não entra porque isso só se aplicava ao CBD? Já começa a exigir uma espécie de classificação diferente do que inicialmente, que olhava só para CBD e THC. Então isso é um grande desafio.

Outro desafio que vem dessa também diferença entre compostos psicoativos e não psicoativos é se o Brasil se posicionará fazendo a diferenciação entre canabinoides psicoativos e não psicoativos. Essa diferenciação é cada vez mais difícil, porque as derivações genéticas e a seleção das plantas faz com que haja toda sorte de variedades.

Você tem cânhamo muito diferente do que a gente ensinava no início, que cânhamo era só plantas com fibras muito compridas, praticamente sem produção de flor, simplesmente para produção de sementes e fibra têxtil. O Brasil nem chegou a cogitar até o momento o uso industrial de cânhamo e a gente vê uma complexificação da planta que talvez até dificulte a existência desse setor no Brasil, mas que talvez seja bem-vindo.

Diferentes formas de administração, a regulamentação inicial é bastante restritiva e existem outras formas e composições de produtos que não estão sendo contempladas e outros segmentos. Eu mencionei aqui, farmácias magistrais estão começando a atuar no país, mas sobre liminares. E a indústria de biotecnologia, uma grande oportunidade para a indústria no país, seja obtendo novas fontes de canabinoides, como eu mencionei essa empresa que eu participo, seja fazendo melhoramento de planta, seja produzindo produtos de biotecnologia que facilitem de alguma forma o cultivo quando ele for permitido no país. Percebam que eu digo “quando”, não “se”, para mim é uma questão de tempo, é uma questão de como, não é mais uma questão de ser realizado.

E talvez a oportunidade mais evidente e mais óbvia para a gente, como farmacêuticos ligados à pesquisa clínica, é que a regulamentação atual implica na existência das autorizações sanitárias que são temporárias. As autorizações sanitárias de produtos comercializados no Brasil levam em consideração a qualidade farmacêutica,

As autorizações sanitárias de produtos comercializados no Brasil levam em consideração a qualidade farmacêutica, mas nada falam em relação à eficácia e segurança. É um compromisso dessas empresas, se quiserem permanecer no mercado no longo prazo, a realização desses testes clínicos. E essa é, evidentemente, a evolução desse mercado, trazendo muitas oportunidades aos pesquisadores clínicos. Possivelmente haverá bastante financiamento de pesquisa. Foi muito interessante a colocação do professor Chico de que os órgãos brasileiros financiam bastante pesquisas. Possivelmente a gente vai ver mais uma onda de financiamento nos próximos anos.

E é só com pesquisa clínica de qualidade que a gente vai conseguir preencher esse gap que eu mencionei desde o início, entre as diversas percepções de efeito e de benefício clínico com de fato a realidade. O controle e a sistematização desse conhecimento são necessários para deixar os médicos tranquilos e para que possam prescrever com segurança.

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal, um campo da medicina que está florescendo nos últimos anos. Às vezes, a gente se arrisca a falar de uma outra curiosidade menos explorada sobre este planta ou o mercado. Interessou? Siga acompanhando ou receba conteúdo no seu email.

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Fabricio Pamplona
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Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.