Alan Turing: O homem que mudou a história

Vida, história e desafios

Vitoria
Turing Talks
8 min readJun 20, 2021

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Texto escrito por Luís Henrique e Vitoria Rodrigues.

Quem foi Alan Turing?

Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912 e foi um matemático, cientista da computação, lógico, criptoanalista, filósofo e biólogo teórico britânico. Turing foi extremamente importante para o desenvolvimento do conceito de computação e algoritmos como conhecemos hoje. Por esse motivo, ele é conhecido por muitos como o pai da ciência da computação.

Vida

Alan nasceu em Londres, no distrito de Maida Vale. Seus pais o matricularam na escola St. Michael’s, em Charles Road, aos seis anos de idade. Desde cedo, Turing já demonstrava sinais de uma grande inteligência, que seria melhor desenvolvida durante seus anos escolares, já que era notada tanto por sua família quanto por seus professores e diretores. Alan também transitou pelas escolas Hazelhurst Preparatory School, de 1922 a 1926, e na Sherborne School, em 1926, que frequentou dos seus 13 anos a diante.

Embora fosse reconhecido por certos docentes, alguns insistiam em levar em conta apenas seu desempenho nas matérias de humanas, enquanto sua verdadeira aptidão estava na área de exatas, como Matemática e Física. Por esse motivo, ele começou a resolver problemas extremamente avançados enquanto ainda tinha apenas 15 anos, não tendo sequer tido matérias mais avançadas, como cálculo.

Foi na última escola em que estudou que Turing conheceu Christopher Collan Morcom, seu grande amigo pessoal que é descrito por historiadores como sendo “seu primeiro amor” — fato comprovado apenas por cartas que Turing escrevia. A amizade entre ambos foi um ponto de extrema importância na vida de Alan, tendo o inspirado em diversos momentos da sua vida. Entretanto, a amizade teve um triste fim, com a morte de Christopher por complicações de tuberculose em 1930. Sobre o amigo, Alan Turing escreveu:

“Tenho certeza de que não poderia ter encontrado em lugar nenhum outro companheiro tão brilhante e, ao mesmo tempo, tão charmoso e despretensioso. Eu considerava meu interesse em meu trabalho, e em coisas como astronomia (que ele me apresentou), como algo a ser compartilhado com ele e acho que ele sentia o mesmo por mim… Eu sei que devo colocar muita energia e interesse pelo meu trabalho como se ele estivesse vivo, porque é isso que ele gostaria que eu fizesse.”

Alan Turing (a direita) e Christopher Morcom (a esquerda)

Alguns historiadores teorizam que a morte do amigo foi o que guiou Alan para algumas crenças, como o ateísmo. Entretanto, são apenas teorias baseadas nas cartas que ele escrevia para a mãe de Christopher depois da morte do amigo.

Após sair da escola, Turing estudou e se formou na King’s College, uma faculdade constituinte da Universidade de Cambridge. Lá, ele se graduou com honras em sua turma no curso de matemática. Logo depois de formado, Turing começou a publicar e a trabalhar em diversos artigos, muitos de extrema importância, como o seu trabalho provando o teorema central do limite. Dentre esses trabalhos, um dos mais importantes foi o artigo “Sobre números computáveis, com uma Aplicação ao Entscheidungsproblem, que continha uma noção de uma “máquina universal” que poderia executar tarefas de quaisquer outras máquinas de computação, como cálculos. Foi reconhecido, anos depois, que a noção central do computador moderno se deve ao artigo de Turing.

Também depois de formado, enquanto continuava sua carreira acadêmica através do PhD, ele se dedicou ao estudo de criptologia. Por fim, em 1938 ele conseguiu concluir a pós e obter seu título de doutor com o artigo Sistemas de Lógica Baseada em Ordinais.

Em 1950 ele desenvolveu o que hoje em dia ficaria conhecido como “Teste de Turing”, cujo o objetivo era definir um padrão através do qual uma máquina poderia ser considerada inteligente. No caso proposto, a partir do momento em que um humano não conseguisse distinguir se estava falando com um humano ou uma máquina, aquela máquina poderia ser considerada inteligente. Para saber detalhadamente sobre uma das teorias mais importantes criadas por Turing, leia nosso artigo sobre o assunto aqui:

Trabalho e papel na Segunda Guerra Mundial

Como já mencionamos, o trabalho de Turing foi crucial para a concepção da computação moderna com as Máquinas de Turing. As ideias derivadas deste trabalho ficaram conhecidas como a tese de Church-Turing, em homenagem aos seus autores Alonzo Church e, é claro, Alan Turing, que chegaram, sozinhos e em momentos distintos, a conceitos equivalentes de computabilidade.

O trabalho teórico logo se demonstrou muito útil. Com o início da Segunda Guerra Mundial, as forças armadas alemãs começaram a utilizar as máquinas Enigma para comunicação. Estas máquinas tinham o trabalho de “embaralhar” ou criptografar (de forma que se acreditava ser indecifrável) as mensagens alemãs transmitidas por rádio, dando enorme vantagem tática dos contra os aliados.

É aí que entra Turing. Logo que a Grã-Bretanha entrou na guerra, Alan começou a trabalhar na Government Code and Cypher School, divisão de Bletchley Park, onde tentava decifrar o código gerado pela Enigma. Durante esse período, Turing tomou inspiração no seu próprio trabalho em computabilidade e nas máquina Bomba (criada pelos poloneses para quebrar o Enigma) e projetou, junto com seus colegas em Bletchley Park, a máquina Bombe. Esse mecanismo, mais eficiente que sua versão polonesa, era capaz de testar, automaticamente, configurações dos códigos Enigma para diminuir as configurações que teriam que ser checadas manualmente.

Com esse avanço, os aliados começaram a conseguir decifrar as mensagens alemãs frequentemente, evitando ataques em navios cargueiros e militares no oceano Atlântico. Se estima que o trabalho de Turing na Segunda Guerra salvou mais de 14 milhões de vidas, e encurtou a guerra em dois anos.

Após a Guerra, Alan Turing continuou trabalhando em diversas áreas, desde formação de padrões por reações químicas na biologia até contribuições para os primeiros computadores eletrônicos, ideias que antecederam a arquitetura de Von Neumann e trabalhos em estatística, probabilidade e criptografia que se mostram relevantes até hoje.

Vida pessoal e morte

Em 1941, Turing pediu sua colega Joan Clarke, do Hut 8, em casamento. O noivado, entretanto, foi curto. Depois de pouco tempo, Turing admitiu a ela sua homossexualidade, culminando no fim do relacionamento. Sua orientação sexual permaneceu um segredo durante os seguintes 11 anos.

Entretanto, em 1952, quando tinha 39 anos, Turing iniciou um relacionamento secreto com Arnold Murray, um jovem de 19 anos. Nesse período, a casa de Alan foi roubada, e durante as investigações policiais, ele admitiu em seus testemunhos um relacionamento com Murray. Nessa época, práticas homossexuais eram consideradas crime na Inglaterra— como em diversas outras partes do mundo — , por esse motivo Turing foi acusado por “indecência” de acordo com a Seção 11 da Lei de Emenda à Lei Criminal de 1885 e condenado a julgamento.

O caso foi levado ao tribunal, e ainda em 1952 Alan se declarou culpado. Em sua sentença, ele pôde escolher entre prisão ou liberdade condicional ligada à tratamentos com hormônios (castração química), optando pela liberdade. As injeções continham o chamado estilbestrol (agora conhecido como dietilestilbestrol ou DES), um estrogênio sintético, e duraram cerca de 1 ano, deixando Turing com sequelas irreversíveis.

Sua condenação culminou em sua proibição de entrar nos EUA e levou a sua demissão de seu emprego no governo, onde ainda servia como consultor de criptografia.

Imagem

Em 1954, dois anos após sua condenação, Turing foi encontrado morto em sua residência. Na autópsia, foi revelado que o motivo fora intoxicação por cianeto. Seu corpo foi cremado e sua cinzas espalhadas no jardim do crematório, assim como as de seu pai.

Até os dias atuais, muitas teorias são levantadas a respeito de sua morte, sendo principalmente três:

Suicídio

Quando seu corpo foi descoberto, uma maçã comida pela metade estava próxima do local, e muito se especulou que Alan tivesse envenenado a fruta com uma dose letal de cianeto e depois ingerido, culminando na sua morte. Inclusive, um inquérito foi aberto sobre as causas da morte, determinando que se tratou de um suicídio, apesar da maçã nunca ter sido testada para a substância.

Morte acidental

Após a conclusão do inquérito, o professor Jack Copeland questionou a conclusão da polícia, dando uma teoria alternativa para a morte de Turing: inalação acidental de cianeto ao longo dos anos, vindo de um aparelho para galvanizar ouro em colheres, que utilizava cianeto em sua composição. Essa teoria é muito relevante e acreditada pelo fato de que Alan tinha um aparelho desses em sua casa e porque a quantidade da substância encontrada em seu corpo se assemelhava com doses pequenas através de inalação. Nesse caso, a maçã teria apenas sido uma coincidência.

Assassinato

Essa é provavelmente a teoria menos falada a respeito de sua morte. De acordo com alguns pesquisadores e teóricos da conspiração, os serviços secretos temiam que os comunistas pudessem sequestrar ex membros afastados do governo para conseguir informações confidenciais. Como Turing fora banido dos EUA, mas não dos países europeus, mesmo depois de sua condenação ele teria realizado algumas viagens pelo continente, inclusive em países próximos a cortina de ferro, o que preocupou o governo. Por fim, o serviço secreto o considerou uma ameaça muito grande para o país caso fosse capturado, optando por assassiná-lo.

Perdão do governo

Muitos anos depois da morte de Alan Turing, apenas em 1967, a Inglaterra descriminalizou a prática homossexual no país — sendo descriminalizada em 1980 na Escócia e 1982 na Irlanda do Norte. Entretanto, somente 42 anos depois, através de uma petição com 30 mil assinaturas, o primeiro ministro britânico Gordon Brown pediu desculpas em nome do governo pelo tratamento recebido por Turing na época:

“Ainda que Turing tenha sido tratado sob as leis da época e nós não possamos voltar no tempo, seu tratamento foi evidentemente injusto e eu tenho o prazer de ter a chance de pedir profundas desculpas por todos pelo que lhe aconteceu. Então, em nome do governo britânico e de todos que vivem em liberdade graças ao trabalho de Alan eu orgulhosamente digo: Perdão, você merecia algo muito melhor”

De 2005 a 2015, Jonh Leech, um deputado, apresentou diversas propostas para que fosse concedido um perdão a Turing, dessa forma retirando as acusações contra seu “crime”. Depois de muita insistência, finalmente o governo retirou suas acusações e emitiu um perdão oficial. Turing também recebeu um perdão oficial da rainha em 2013, quando o casamento gay foi legalizado na Inglaterra.

Além disso, uma lei intitulada “Lei Turing” entrou em vigor logo após, declarando perdão a todas as outras 75 mil pessoas que haviam sido condenadas por sua orientação sexual no país.

London Pride Parade on June 27th 2015

Conclusão

Alan Turing foi um homem excepcional com uma mente brilhante, mas que teve sua história ofuscada durante muito tempo apenas pela sua orientação sexual. Nós, do Turing USP, não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem em razão de um mês tão importante. Junho é reconhecido não somente pelo nascimento e pela morte de Alan Turing, mas também como o mês do orgulho LGBTQ+.

Ano após ano ainda precisamos relembrar todos os esforços que ajudaram a comunidade LGBTQ+ a chegar onde estão, e lembrar constantemente que esse é apenas o começo da luta pela igualdade merecida. Em um país como o nosso, todo apoio a essa luta é pouco. Devemos sempre procurar fazer nossa parte para que o mundo seja um lugar acolhedor e pacífico para todos os representantes da comunidade, ajudando, por fim, na luta por um mundo onde Alan Turing merecia ter vivido.

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Vitoria
Turing Talks

Estudante de Linguística na FFLCH e membro do Turing USP. Você pode me encontrar no GitHub: https://github.com/vitoriars