A revolução (da comunicação) não será televisionada

Daniel Neves
Tutoria Criativa
Published in
7 min readSep 24, 2018

Gil Scott-Heron é considerado por muitos, o primeiro rapper/MC da história. Em 1970, compôs “Revolution will not be televised”. O título da música era originalmente um slogan popular entre os movimentos Black Power dos anos 60 nos Estados Unidos. Sua letra menciona várias séries de televisão, slogans publicitários, ícones de entretenimento e cobertura de notícias que servem como exemplos do que “a revolução não será” ou será.

https://youtu.be/qGaoXAwl9kw

"The revolution will not go better with Coke. The revolution WILL put you in the driver’s seat. The revolution will not be televised. The revolution will be live”

Nessa época, a Nike era apenas uma empresa do Oregon que produzia tênis de corrida. Hoje a Nike é uma marca global. Uma marca que se consolidou por endossar grandes atletas, símbolos de superação, que transcenderam seus limites e deixaram uma marca no mundo.

A história da Nike se mistura com a história dos esportes americanos. Michael Jordan, LeBron James, Serena Williams. Todos atletas da Nike. Como ser um grande vencedor? Qual o segredo? ‘Just Do it’. Uma frase que definiu a própria identidade e imaginário da marca. Ao colocar um par tênis no seu pé, é como se os maiores atletas da história viessem até você pessoalmente e dissessem em seus ouvidos: “Ei garoto(a), acredite em você, faça você mesmo”.

Nike Air Jordan

Nos EUA, é uma tradição na NFL (Liga de Futebol Americano), antes da realização das partidas, os atletas e todos no estádio se levantar para cantar o hino. É um momento de reverência e respeito à pátria e à bandeira. Em 2016, o número 7, quarterback do San Francisco 49ers, Colin Kaepernick, rompe com essa tradição e se ajoelha. Esse simples gesto mudaria sua vida para sempre. Sua mensagem era clara: um protesto pela violência da polícia contra a comunidade negra nos EUA.

Colin Kaepernick (ao centro)

Naquele instante, a atitude de Kaepernick se tornou um símbolo de resistência. Por seu ativismo e protesto, arriscou o futuro de sua carreira por defender aquilo que ele acreditava. Quando o contrato de Kaepernick estava perto de expirar, nenhum time da NFL o procurou. Ninguém o queria. Os donos dos times, a toda poderosa liga de futebol americano e grande parte do país, se voltaram contra ele.

Believe in something. Even if it means sacrificing everything

A marca Nike personifica o arquétipo do Herói. O Herói sai em defesa dos vulneráveis e resgata os que estão em perigo. São motivados pelo desejo de provar seu valor por meio de atitudes corajosas e feitos nobres, especialmente em circunstâncias difíceis. A Nike é uma marca que conseguiu se estabelecer na cultura jovem como uma afirmação dessa visão, um reflexo para a construção de identidade pessoal. Por isso que em 2018, ninguém melhor que Colin Kaepernick para ser a voz da celebração da criação de 30 anos do lema ‘Just do it’.

A polarização das opiniões ao ver Kaepernick na campanha da Nike inundaram a internet. Os especialistas em Branding correram em prontidão para celebrar a estratégia da marca por conta do resultado que rendeu um aumento de 30% nas vendas após a campanha.

Agora é a hora de saber se realmente você acredita em algo

Se você acredita que esse é grande exemplo de alinhamento e posicionamento de marca, sinto dizer, mas talvez nada do que você irá ler daqui em diante poderá fazer sentido para você.

No entanto, se você chegou até aqui, acredita como Gil Scott-Heron, que a revolução não terá uma Coca-Cola na mão e tampouco virá em uma mensagem publicitária, talvez queira saber como essa história termina. A revolução vai começar no instante que você for capaz de escutar sua própria voz de maneira profunda e verdadeira.

O fim da comunicação como conhecemos

O final dessa história você já sabe. A mensagem já estava aí há algum tempo, mas você é que não estava prestando atenção. Essa é só mais uma campanha de publicidade como outra qualquer. Os fatos reais são que Michael Jordan, LeBron James e Serena Williams são tão humanos quanto nós.

Além disso, o rosto de Kaepernick e seu ativismo social deram voz a empresa que tem um contrato de quase 1 bilhão de dólares até 2028 com a mesma NFL que o perseguiu e o afastou.

A própria Nike é constantemente questionada pelas condições de trabalho e exploração de mão de obra barata em suas fábricas na Ásia.

Ficam claras as falhas das estratégias de marca e comunicação quando a realidade mostra o extremo oposto. Afinal, o que está por trás e a quem serve essa estratégia?

Como distinguir o valor da mensagem e a autenticidade da experiência?

A perspectiva da comunicação consciente

Quando duas personalidades se encontram e querem comunicar algo, há um compartilhamento de valores em uma única voz. Mas há um ruído nessa mensagem. E porque esse ruído nos incomoda de uma maneira de tão profunda?

Quando a mensagem serve a propósitos diferentes

Enquanto o propósito de Kaepernick é a igualdade, o propósito da Nike é apenas vender mais. Simples assim. No fundo, a Nike é a personagem que precisa dos valores de autenticidade e coragem de Kaepernick e não o contrário. Afinal, ele foi o único personagem nessa história que sacrificou algo. A Nike não sacrificou seus contratos nem transformou a relação com seus funcionários em suas fábricas em nome da igualdade. É por isso que nós ficamos incomodados. Houve uma cisão na mensagem original porque seus propósitos são totalmente diferentes.

O poder da palavra

A mensagem perde autenticidade porque a palavra não foi mantida. É exatamente por esse motivo que Kaepernick se ajoelha. Porque quebraram a palavra com a promessa ao dizer que os EUA são um país livre, igual para todos, enquanto tiram os direitos da comunidade negra e os tratam com violência. Apesar do emissor ser o mesmo, os propósitos não são. Quando isso acontece, a projeção da mensagem é alterada e o receptor percebe o ruído, mesmo que não saiba identificar o motivo.

Essa estratégia de comunicação desconectada da realidade tem sido usada ao longo de décadas pelas grandes marcas globais sem que a maioria de nós consiga admitir ou perceber. É usada como justificativa de um modelo competitivo socioeconômico, com sua agenda financeira particular, mas sequer respeita as pessoas envolvidas na cadeia produtiva ou o meio ambiente. As marcas geram símbolos tão poderosos que têm servido sua agenda para manipular um sentido de realidade e nos convencer com promessas que, em sua maioria, não podem ser cumpridas.

Apesar do controle da informação e a luta pelo poder através das grandes marcas globais, esse modelo não vai prosperar e está condenado ao colapso. Simplesmente a disputa por atenção não vai funcionar mais. Esse paradigma atual da comunicação não vai funcionar porque faz duas vítimas. A primeira é a realidade. A segunda é a esperança.

“Lógica, razão e argumento estarão ultrapassados. A base da comunicação será a sensibilidade da sua natureza intuitiva.”

Yogi Bhajan

Yogi Bhajan, mestre de Kundalini Yoga delineou a Comunicação como uma ciência e uma arte. Ele o chamou de Comunicação Consciente. Nós, Professores de Kundalini Yoga, temos a grande oportunidade de nos aprofundar nesse tema tão vasto e maravilhoso ao longo de nossa formação. É uma fantástica ferramenta para ouvir e expressar nossa voz interior.

Ele dizia que nosso poder pessoal está em nossa projeção: “Sua existência é sua comunicação e sua projeção é a sua relação. Você é o poder”. Significa não subestimar o valor de cada palavra que você diz para outro ser humano — suas palavras são tão valiosas quanto ouro. “Suas palavras devem ser a chave para criar um diálogo na mesma freqüência, no mesmo momento, com a mesma paixão, mesma compaixão, mesma individualidade e identidade.” Por isso que na Comunicação Consciente, a energia mais alta e mais eficaz neste planeta é a palavra.

A Comunicação Consciente nos traz uma experiência de coração para coração que vai além da mente. É uma comunicação entre você e sua verdadeira identidade. Quando esse fenômeno acontece, encontramos um modo de agir mesmo em situações onde parece não haver uma saída. Você não se comunica para convencer, você não se comunica para sobreviver. Você se comunica para estabelecer uma relação de confiança. É para isso que nos comunicamos.

Essa é uma revolução que também não será televisionada. É necessário ajustar-se a uma nova frequência para sintonizá-la. Se você não puder ver em tudo, não poderá ver em nada. É uma revolução diferente de todas as outras. É uma revolução silenciosa. Se quisermos viver em mundo com mais empatia, aberto ao diálogo e em harmonia, o nosso desafio está em silenciar as vozes do ego e ouvir os sussurros da alma. Por isso que não há nada para buscar. É o momento de praticar. Não está em lugar algum, pois está com você desde sempre. Você ainda não percebeu, mas já tem tudo o que precisa. A revolução, na verdade, está dentro de você.

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