Nayara Garófalo
TW: Preta!
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5 min readDec 2, 2015

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“Um tiro no escuro e um corpo na lama.”

“Eu sonho com o sorriso das crianças e lembro de um futuro de um menino.”, por Vinícius Souza, irmão do Betão, um dos garotos assassinados.

Na madrugada de domingo, 29 de novembro, fechando o Novembro Negro, cinco jovens foram assassinados com 111 (CENTO E ONZE) tiros de fuzil nas proximidades da Estrada João Paulo, em Costa Barros, subúrbio do Rio de Janeiro.

Os jovens passeavam de carro, comemorando o primeiro salário de um deles, quando foram surpreendidos pela polícia militar abrindo fogo contra eles. Após metralharem o carro, os PMs teriam tentado forjar um cenário de auto de resistência (quando o policial alega ter atirado para se defender) no local. A Polícia Civil, inclusive, já identificou indícios de fraude processual no registro de ocorrência feito pelos policiais.

O tenente-coronel do 41º Batalhão, Marcos Netto, foi exonerado pelo comando da Polícia Militar “em razão dos últimos lamentáveis acontecimentos envolvendo policiais sob o seu comando”. Os outro quatro policiais militares envolvidos são “SUSPEITOS” de envolvimento na morte. Os PMs Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos e Antonio Carlos Gonçalves Filho e Fabio Pizza Oliveira da Silva estão presos, aguardando um julgamento a que os cinco jovens não tiveram direito.

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ) admitiu a hipótese de execução, mas não deixou de afirmar: “Não é racismo.”

Não é?

Os cinco jovens têm nome. Têm endereço. Têm família. Têm histórias de vida.

Roberto de Souza Penha, 16, Carlos Eduardo da Silva de Souza, 16, Cleiton Correa de Souza, 18, Wilton Esteves Domingos Junior, 20, e Wesley Castro Rodrigues, 25.

Wilton ia se formar no início de dezembro em um curso de contabilidade e administração e tinha acabado de adquirir uma moto. Uma prima declarou “Na noite do acontecido, vi as fotos dele no Parque Madureira. Ele quase não saía, fiquei feliz de ver ele se divertindo porque ele praticamente só estudava”.

Quando a mãe de Wilton chegou à cena do crime, ele ainda estava vivo. Ela teve que assistir aos PMs tentando colocar uma arma de brinquedo na mão dos jovens e ver seu filho morrer na sua frente, pois foi impedida de prestar socorro pelos policiais que ameaçaram atirar nela caso ela se aproximasse.

Wesley pretendia apresentar a filha para bisavó. Filho de Rosileia, que o criou sozinha, pretendia trabalhar e se formar. “Era um exemplo para a família. Queria ser um grande homem, pegar o diploma dele. Queria comprar uma casa para a família, Ia começar o estágio, mas não deu tempo”, disse a tia Débora.

Roberto estava comemorando seu primeiro salário, do seu primeiro emprego. Seu irmão tem feito constantes declarações no seu facebook pessoal que são de partir o coração de qualquer pessoa: “amo o seu sorriso ta guardado na minha memoria e na minha historia”.

Cleiton era ajudante de caminhão e queria entrar para a Marinha. “Quando eles botaram a mão fora do carro, eles foram metralhados. Foram cinco sonhos destruídos”, disse Monica, mãe de Cleiton.

Os jovens poderiam não ser nada disso. Poderiam ser, inclusive, criminosos. Nada justifica esta barbárie num Estado de Direito que não possui Pena de Morte, que é onde teoricamente vivemos. Mas eu cito esses dados não para aumentar a sensação de injustiça. Tampouco para tentar fazer um sensacionalismo da história dos garotos. Eu cito porque não é do meu interesse que os 5 virem apenas 5. Eu quero que lembremos de suas histórias, de seus sorrisos, de seus nomes, de suas vidas e sonhos interrompidos.

Tente se lembrar de últimos casos vastamente noticiados de pessoas brancas assassinadas. Sabemos seus nomes ou o nome dos envolvidos: Suzane Ritchthoffen, Isabella Nardoni, Bernardo Boldrini.

Contudo, quem se lembra de Juan Moraes? Rodrigo Marques da Silva? Henri Gomes de Siqueira? Djavan Rodrigues? O menino Eduardo? Alex de Moraes? Cláudia da Silva? Não cabe aqui a lista dos jovens negros assassinados bem na nossa frente.

De acordo com estudo do IPEA, jovens negros tem 3,7 vezes mais riscos de serem assassinados do que brancos. Negros morrem numa proporção 135% maior que não negros e a taxa de homicídios é de 36,5 por 100 mil habitantes. Sua expectativa de vida é 114% menor que a de não negros. Os números são grandes, mas não assustam a sociedade. O que nos atinge não são dados, mas fatos: o que nos atinge é que Eduardo, de apenas 11 anos, foi assassinado na porta de casa por um PM enquanto fazia seu dever de casa.

O que leva uma sociedade a disparar cento e onze tiros de fuzil contra cinco garotos em um carro antes mesmo de perguntar quem são é a mesma coisa que leva esta sociedade a transformar estes garotos em números e varrer para debaixo do tapete mais um caso “de fatalidade”:

O racismo institucional, que nos coloca constantemente nesta posição, que já é esperada para nós, para os jovens negros periféricos: o caixão ou a cadeia.

O que nos leva a colocar números em nossos irmãos é o racismo institucional que nos coloca na posição de dado estatístico. De objeto. Que nos tira nossa subjetividade, nossa individualidade, tudo que nos torna quem somos, e nos coloca como mais um na multidão. Jamais seremos a inocente Isabella Nardoni, com infindas passeatas e reportagens no Fantástico. Jamais contarão nossas histórias na televisão por tantas e tantas vezes que acabam virando conhecimento público. Jamais seremos personalidades pós-morte, jamais teremos uma lei com nosso nome.

Permaneceremos números, que por serem frios, maqueiam a queimadura com fogo vivo que nos fazem nas costas. Porém, estes cinco jovens são meus irmãos. E poderiam ser meu irmão de sangue. Poderiam ser nossos maridos ou filhos. Poderiam ser nossos amigos. Poderão ser um dia. Um dia, serão. E viver com esta arma engatilhada é muito mais do que podemos suportar em silêncio.

“Não corra”. Desabafo de Juçara Nunnes, mãe de filhos negros.

Pelo fim do genocídio negro. Pelo fim do silêncio. Pelo fim do descaso. Pelo fim do acaso. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo.

  • Informações:

O ato é nacional e será realizado simultaneamente no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.

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