“Reflexões da madrugada” ou “Romerobrittiziram a porra toda”

Nayara Garófalo
TW: Preta!
Published in
4 min readSep 20, 2016

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Quando eu era pré-adolescente, lá nos anos 90, era comum que a gente tivesse caderninhos de frases. Lá, guardávamos trocadilhos de envergonhar qualquer adulto para escrever nas agendas e nos cadernos de perguntas dos migos.

Frases como “80ção, 20 ver, 60 aki e vamo namorar”; “o amor é uma flor roxa que nasce no coração do trouxa”; “você é + q d +”; “se amar é viver, vivo porque te amo” faziam parte do nosso extenso acervo do vexame adolescente.

Um exemplo ilustrativo dos nossos caderninhos.

Lá nos anos 90, a vida era diferente. Quando você tirava 9,5 na prova, a frase que você ouviria era certamente “quem tira 9,5, tira 10”. Estudar não era mais do que nossa obrigação e ser o melhor aluno da sala era o mínimo que esperavam da gente.

Nos anos 2000, já adolescentes, percebemos a mudança de comportamento dos pais com nossos irmãos mais novos ou os irmãos mais novos de nossos amigos. Chegou uma nova consciência: crianças precisam ser elogiadas, precisam ser incentivadas. Nessa levada, assistimos perplexos as crianças dos anos 2000 ganharem praticamente um prêmio Nobel por fazer o para-casa ou festas animadas por colorir dentro das linhas. Passar de ano com 60 pontos era motivo de reconhecimento e não mais de vergonha suprema. Até a bomba ficou mais complicada: agora as crianças tinham a recuperação e, depois, não passando na recuperação, elas ficavam de dependência. E elas podiam ficar de dependência em até três matérias.

Hoje em dia, muitos psicólogos e pedagogos discutem sobre o mal que causou essa interpretação errada que foi feita de elogiar crianças. Muitos pais entenderam que elogiar deveria ser elogiar exageradamente por coisas irrelevantes. Segundo alguns artigos, isso criou uma geração de pessoas que se acham perfeitas, são narcisistas, esforçam-se pouco e são incapazes de lidar com a frustração… mas isso é “outro” papo.

Não acredite em mim. Google it!

Voltando aos nossos caderninhos de frases, na nossa época, não tinha tanto lugar pra gente publicar nossas porcarias, que eram apenas ensaios criativos do que um dia iríamos ter capacidade de fazer. A internet era discada e conseguir conectar e publicar na Internet era um trabalho avançado de estratégia, programação e relações interpessoais. Você precisava saber o horário certo para pagar menos na conta de telefone, convencer seus pais a te deixar acordado e dominar o HTML. O Orkut começava a nascer e os blogs estavam mostrando a que vieram, mas nenhum deles tinha o formato que tem hoje. Para um blog fazer sucesso, nossa. Os caras escreviam como Chico Buarque e programavam como Steve Jobs nunca programou. Nossas melhores piadocas viravam comunidades do Orkut, que até hoje usamos como referência, como nossas avós diziam ditados populares. E as nossas frases patéticas… bom, elas então ficavam onde tinham que ficar: no limbo das agendas escolares dos anos 90, que hoje já são papel reciclado há anos.

Mas estamos nos anos 2010. E nos anos 2010, nossas frases ridículas são publicadas em livros, colocadas sobre imagens bonitas da internet e até escritas nos espaços públicos. E, de maneira curiosa, viraram arte.

A conclusão dessa reflexão é absolutamente arbitrária, trata-se apenas da minha opinião subjetiva e é, também, muito simples: a partir da criação mais rigorosa que nós, crianças dos anos 80, recebemos, desenvolvemos uma autoestima defasada, uma autocrítica implacável e um nível de exigência muitas vezes inatingível do nosso próprio desenvolvimento. Mas isso também nos impediu de encher o os bolsos de dinheiro com porcarias que nós criamos. É por isso (penso eu aqui, durante esta madrugada) que nossos trabalhos continuam cada vez melhores e cada vez menos valorizados, o que não nos espanta muito, pois fomos criados para esperar isso mesmo. Mas ao fim, ao cabo, o que era bosta na nossa época, é ouro hoje. Mas a gente foi criado com valores que nos impedem de vender bosta a preço de ouro.

Isso explica muito da nossa vida. Não acham não?

P.s.: Um detalhe interessante, que pode passar despercebido por pessoas menos atentas, é que quando começamos a ter acesso aos computadores, as crianças e pré-adolescentes da minha época tinham um costume bobo: a gente abria o paintbrush, fazia linhas desconexas com o pincel e depois pintávamos dentro dos espaços das linhas, preenchendo o tédio e o vazio de existir. Depois a gente fechava sem salvar. Salvar essa porcaria pra quê, afinal? Mal sabíamos nós do que seria a arte no futuro.

Um exemplo aleatório da Bonitta Artte que criei aqui em 3 minutos.

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