Sobre cadeiras e quem senta nelas

Nayara Garófalo
TW: Preta!
Published in
7 min readFeb 15, 2019

Daí que estoura a polêmica da EX-editora-chefe da Vogue. Todo mundo tem uma opinião. Quem não tem, pega de alguém. É a lei da Rede Social (e da vida, tenho visto).

Muitos bons textos saíram deste momento. Análises sobre a simbologia da cadeira utilizada, a declaração de Elza Soares rainha, textos sobre Apropriação Cultural de Ivete Sangalo. Eles já existem e, portanto, não vou me concentrar em repeti-los.

Acontece que, após alguns dias de polêmica rolando, as baianas se manifestaram. Que estavam sendo agredidas (porque o ser humano consegue ser escroto deste nível: para lutar contra o, ‘’’’ digamos ‘’’’, suposto racismo, é racista). Que estavam perdendo contratos, porque as pessoas que tinham contratado estas profissionais para outras festas começaram a cancelar por medo de repercussão negativa. Que estavam sendo subjugadas e menosprezadas, no sentido de que as pessoas não consideraram a capacidade delas mesmas de se defenderem e de se posicionarem sobre uma potencial atitude racista direcionada a elas. Não precisa acreditar só em mim.

Tão certas, inclusive.

Donata prontamente corrigiu nosso ledo engano:

“Nas fotos publicadas, a cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé.”

Risos. Em que isso melhora alguma coisa é o que eu me pego pensando, às vezes, no silêncio da noite.

Surgiram declarações dos internos (o pior tipinho típico da humanidade) de que parte da festa de três dias ocorreria no Terreiro de Gantois. E mete-lhe o pau no Terreiro, nos filhos daquele Ilê porque, óbvio, a gente já aprendeu que a melhor maneira de lutar contra o racismo é metendo o pau em preto.

Daí sobrou pro Caetano, pra Ivete, pra Preta Gil. E, então, começam a circular outras fotos do evento. As cadeiras eram das baianas. Tem fotos delas sentadas nas cadeiras e da ex-editora-chefe em pé. Não era bem isso, disseram. Não era bem assim.

E, no meio de postagens contra e comentários a favor, aparece na minha timeline um texto do Catraca Livre. Dimenstein se desculpa alegando ser pelo certo. E o certo, neste caso, seria Donatta (veja aqui).

Dimenstein, eu não vou te bater não. Bater nos outros, atirar neles, sufocá-los até a morte num supermercado, colocar as pessoas amarradas num poste para apanharem em praça pública não é coisa da minha raça. Fica tranquilo.

Deixa só eu lembrar a você, que me lê agora, ao Dimenstein, aos migos das minhas redes sociais que estão compartilhando as baianas putas da vida (e tão certas as baianas, afirmo mais uma vez) como se uma coisa invalidasse a outra:

A Donatta não é racista só porque sentou a bunda branca dela numa cadeira simbólica pra nós.

A Donatta é racista porque 2018 foi o ano em que um fotógrafo negro assinou a capa da Vogue EUA pela primeira vez.

A Donatta é racista porque, em pesquisa de Nairim Liz Bernardo Marques (aqui), a proporção de mulheres negras e brancas nas revistas Vogue do ano de 2011 era esta aqui:

A Donatta é racista porque em pesquisa da Ana Caroline Siqueira Martins, A REPRESENTATIVIDADE ÉTNICA NEGRA NA REVISTA VOGUE BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA (2009–2012 E 2013–2016), constatou-se que “nas edições do primeiro período (2009–2012) a porcentagem de modelos negras nas capas foi de 6,25%, (3 das 48 capas analisadas), enquanto nas edições de 2013 a 2016 (segundo período estudado), a porcentagem foi de 10,4%, ou seja, apenas 5 das 48 capas analisadas”.

A Donatta é racista porque a Vogue Brasil, lançada em 1975, teve sua primeira capa com uma mulher negra sozinha em 2011, e o texto da capa é, no mínimo, contraditório.

A Donatta é racista porque em 2013, após um hiato de dois anos sem modelos negras na capa, a Vogue lança uma capa com uma frase que vale refletir: “Joan Smalls, a número 1 do mundo, é negra. ESTA edição também!”

A Donatta é racista porque no famoso Baile da Vogue, festa anual que é objeto de desejo de 9 a cada 10 fashionistas, os temas são de chorar e as roupas que as convidadas usam, de matar. E a Vogue reverbera estes “looks”. Um exemplo é a edição de 2016, que homenageou a África e produziu “belezas” como esta daqui (este post aí é da própria Vogue!):

Estereótipos, exotificação e animalização como estas daqui:

E polêmicas como esta daqui:

https://www.facebook.com/didiwagneroficial/photos/a.418624051536846/1032621486803763/?type=3&theater
https://www.uai.com.br/app/noticia/mexerico/2018/02/02/noticias-mexerico,221026/blogueira-e-acusada-de-racismo-apos-usar-look-homenageando-escravos.shtml

A Donatta é racista porque a Vogue publicou uma matéria deixando BEM CLARO que mulheres negras não podem usar cabelo vermelho:

https://vogue.globo.com/beleza/noticia/2013/07/top-colorista-explica-como-e-quem-pode-copiar-o-ruivo-de-marina-ruy-barbosa.html

A Donatta é racista porque na Nota de ESCLARECIMENTO (e não podia ter nome melhor) da Vogue Brasil, eles acenam para o aprendizado de, agora, ampliar as vozes dentro da equipe. Em outras palavras: decidimos que, em 2019, vamos contratar preto.

https://www.instagram.com/p/BtwzL97lSE6/

A Donatta é racista porque tudo isso que vem aí agora, rolando a tela, aconteceu com ela olhando e nunca houve um único editorial dela falando sobre nada relacionado a isto. Uma simples manifestação. Uma matéria direcionada a ensinar o leitor. Nem uma palavra sobre:

A Donatta é racista porque o tema do Baile Vogue deste ano mostra que não aprendeu absolutamente merda nenhuma com as 14 edições anteriores:

Daniela Falcão, que comanda a Condé Nast, editora que publica a revista Vogue, contou à Amaury Jr. o tema da 15ª edição do evento, no carnaval de 2019: Opera D’Oro. “É uma brincadeira com todos os períodos exuberantes dos vários impérios. Uma grande viagem pelos vários impérios. Cada ambiente vai falar de um império. Ouro é a cor principal. Então vamos ter muito dourado. A ideia é se inspirar em musas do império, como grandes rainhas ou a Cleópatra.”… — Veja mais em https://amauryjr.blog.bol.uol.com.br/2018/11/13/tema-da-15a-edicao-do-baile-da-vogue-ja-esta-definido-vem-saber/?cmpid=copiaecola

Mas respingou no marido da Donatta também. Muita gente importante saiu em defesa dele. Porque o marido da Donata é dono de uma agência chamada África, uma das maiores do país, que atende marcas importantes e, doravante, tem contatos importantes.

E é curioso porque o marido da Donatta vem causando náusea no povo negro desde 2002 pela ausência gritante de negros no quadro de funcionários de uma agência que teoricamente homenageia-os:

https://www.revistaforum.com.br/agencia-africa-e-criticada-nas-redes-por-postar-fotos-sem-pessoas-negras-na-equipe/

E porque seus diretores entram em polêmicas deste nível:

https://exame.abril.com.br/negocios/diretor-da-agencia-africa-critica-voto-de-nordestinos-e-e-afastado/

E porque, ano após ano, anúncio após anúncio, são estas as carinhas que a gente vê nas equipes diretoras da agência:

“África anuncia novos diretores executivos de criação”
“África anuncia diretores de mídia”
“África anuncia trinca de diretores na criação”
“África partners”

O marido da Donata é racista porque na festinha de Carnaval da agência, tá ok ir assim:

Álbum público de fotos da página da agência no Facebook
Álbum público de fotos da página da agência no Facebook

Eu poderia passar mais tempo pesquisando se eu tivesse tempo para gastar. Mas creio eu que diante das referências que estão aqui, todas públicas, dá pra dizer com tranquilidade pros migos, polemistas, Donatta, Nizan e Dimenstein: vocês estão se emocionando muito fácil.

A Donatta não é racista só porque sentou a bunda branca dela numa cadeira simbólica pra nós.

Tanto faz pra mim se ela puxou uma salva de palmas para as baianas quando ela chegou na festa e as viu. Tanto faz onde ela senta. Tanto faz quem sentou antes dela. Tanto faz o dono da cadeira. Tanto faz quem defende. A Donata e todos os outros brancos deste país só deixarão de ser racistas quando forem antirracistas. E não, meus caros. DEFINITIVAMENTE, não é o caso.

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