Product designer: quem é e o que faz?

Felipe Perobeli
UI Lab
Published in
11 min readJan 6, 2017

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Essa é uma pergunta comum em tópicos/grupos de discussão e mesmo no meio acadêmico. Afinal, quais são as competências que distinguem o designer X de um product designer? Veremos!

Primeiro vamos combinar uma coisa

A primeira coisa que você precisa tirar da cabeça para ler esse texto é o mito de que todos os designers trabalham com pixels e pontos. Nem todos nós fazemos o nosso trabalho lidando diretamente com softwares gráficos. Em especial, os designers de produto, por exemplo, não trabalham necessariamente para fazer a sua solução parecer visualmente interessante ou agradável. Na verdade é bastante diferente disso. Um designer de produto trabalha investigando e validando novas soluções para o seu problema e existem muitas formas de se fazer isso.

Então que formas são essas e o que eu deveria fazer?

Designers de produto trabalham de forma mais generalista do que especialista, unimos várias competências diferentes em uma determinada ordem de processos, que é também conhecida como Design Thinking.

Vamos dar uma relembrada de forma resumida nas etapas que um projeto de produto precisa para ter um desfecho que realmente resolva problemas ao invés de criá-los:

Primeira etapa: Compreensão

Entender quem é o seu público e para quem você está desenvolvendo esse projeto. Durante essa etapa você terá que investigar profundamente o mercado no qual o produto está inserido, fará focus groups, pesquisas de campo e alguns estudos de benchmark (concorrentes diretos ou empresas que já haviam feito algo similar em outros lugares do mundo). Nessa etapa você sairá com algumas dores do seu público para resolver.

Segunda etapa: Ideação

Essa é a hora em que você já tem uma noção de quem irá usar o seu produto e quais são suas principais dores. Então você precisa começar a especular algumas hipóteses para resolver suas principais dores. Elabore o máximo de hipóteses possíveis, sempre pensando em 3 fatores: Suas hipóteses devem ser possíveis de implementar tecnologicamente falando, você precisa ter os recursos disponíveis para colocá-la em prática e também precisa que essa hipótese seja desejada pelo seu público.

Terceira etapa: Definição

Agora que você já sabe para quem é o projeto, suas principais dores e já elaborou diversas hipóteses de como resolver o problema do seu público, você precisa votar nas melhores ideias junto com seus pares de trabalho e eleger uma dessas ideias para se tornar um protótipo na próxima etapa.

Quarta etapa: Prototipação

Aqui você começa a trabalhar com softwares de novo, volte pra frente do computador e crie protótipos para validar as ideias que foram discutidas e as hipóteses que foram levantadas. Você não precisa se limitar nessa fase, mas precisa entregar algo mínimo e rápido, então não perca tempo com muitos detalhes, isso ainda não é o produto final.

Etapa final: Validação

Teste! Pegue o protótipo desenvolvido, teste com algumas pessoas que sejam parte do seu público investigado (lá na primeira etapa, lembra?) e descubra se as soluções funcionaram! Existem muitas formas de validar isso, mas como não pretendo me prolongar muito, vou deixar algumas recomendações de livros e artigos aqui.

Você é um defensor!

Um dos maiores trunfos do seu trabalho é ser o defensor do usuário e do consumidor, nem todos vão concordar com as suas decisões do que deve ou não ser implementado no produto final mas é importante ter embasamento para defender suas escolhas. Uma das grandes ferramentas de um designer é a capacidade de coletar dados relevantes para defender seus pontos. Você pode fazer isso com pesquisas qualitativas, analytics, plugins de wordpress, etc.

A regra é usar aquilo que funciona. E o que funciona é aquilo que os dados indicam que funciona!

Use métricas, não é crime

Muitos designers são viciados em livros que tentam explicar a psicologia das cores, a proporção áurea e outras parábolas visuais e isso não tem problema nenhum, mas não é só disso que um projeto é feito. Já vi gente defender que isso é motivo para deixar o projeto mais caro. O que claramente não faz sentido, afinal você usa aquilo que for necessário para o contexto de criação do projeto e nem sempre será uma regra fixa.

Pois bem, agora vou te dizer o que realmente agrega valor ao seu trabalho: Resultado. A única coisa que indica se o que você fez é bom ou ruim é se aquilo funciona ou não. Para descobrir isso você precisa de feedback de quem realmente importa para você: a pessoa que usa o produto.

Não se apegue ao seu trabalho! Sua função é resolver problemas, não importa quantas vezes você tenha que voltar atrás e testar outra hipótese. Em termos simples: ENQUANTO o problema não for resolvido, volte e tente outro caminho.

Antes de começar o projeto defina KPIs (key performance indicators) para saber se a coisa deu certo ou errado. Aqui estão apenas alguns exemplos de KPIs para designers de produto: Aumento na taxa de conversão; aumento na passagem de pessoas por uma página específica; diminuição do custo de atendimento ao consumidor (isso indica que pessoas estão entendendo melhor o seu produto sem ter que entrar em contato); diminuir taxa de churn (taxa de abandono) e a atração de um tipo específico de público.

Lembre-se: Tudo o que você precisa é ter um objetivo para depois estudar maneiras de atingi-lo. Por exemplo: Se você tem muitas pessoas chegando no atendimento por e-mail ou intercom com alguma dúvida cuja a resposta está no site do produto, então você precisa rever o motivo das pessoas não encontrarem aquilo. A partir daí o processo é o mesmo que citei anteriormente (protótipo, validação e entrega).

Não obedeça ao usuário

As pessoas irão frequentemente tentar te indicar a solução para o problema que você está querendo resolver. Você se lembra das pessoas pedindo um botão de dislike para o facebook? Pois bem, esse pedido nunca foi atendido. Ao menos não como as pessoas esperavam.

O motivo é simples: Imagine que o facebook atendesse exatamente o que estava sendo pedido e entregasse um botão onde as pessoas pudessem indicar insatisfação ou desgosto para com a publicação de outras pessoas. Isso faria muita gente ter receio de postar na rede, ninguém quer ser rejeitado, especialmente com centenas de pessoas "olhando". Naturalmente esse tipo de feature teria derrubado o engajamento das pessoas com a rede social.

O que o facebook fez foi mais simples e interessante do que isso. Ele procurou entender o "porquê" das pessoas pedirem esse botão e a resposta era simples: elas queriam mais formas de se expressar, afinal é ruim dar um "like/curti" num status triste de um amigo. E foi daí que veio a seguinte solução:

Facebook reactions

Agora, fica entre a gente, tá? Mas eu já vi muita empresa queimar dinheiro acreditando que o usuário é quem manda e que ele deve ser atendido exatamente como pede. Isso é um perigo, muito tempo e esforço acaba sendo gasto pra atender a pedidos que podem quebrar o seu negócio.

"I mean, if Henry Ford canvassed people on whether or not he should build a motor car, they’d probably tell him what they really wanted was a faster horse. But designers do have to be more adept at knowing what target markets want." — John McNeece, The Cruise Industry News Quarterly, 1999

Acessibilidade não é uma sugestão

Quando você cria um produto, você o faz para pessoas. Seres humanos comuns. O que mais temos é diversidade nesse cenário, então é perfeitamente possível que pessoas com algum tipo de necessidade especial usem o seu produto. A questão é: Você pensou neles durante o projeto? Pensou neles durante as primeiras etapas de concepção?

Não se preocupe AINDA caso você tenha respondido mentalmente que "não", isso é bem mais normal do que imagina. O Caio Miranda Carvalho fez uma breve pesquisa sobre esse tema no mercado de tecnologia (designers e programadores) com 71 pessoas e apontou que 80% deles alegam não ter encontrado apoio ou espaço por parte da empresa que trabalham para pensar nestes aspectos. Mas de todos eles, apenas 51% tentou discutir a importância disso com seus colegas e empregadores.

Mas aqui vai uma lista com alguns exemplos de necessidades especiais que você vai acabar cruzando algum dia: Pessoas com restrições na visão (desde pessoas com astigmatismo até pessoas de idade avançada); pessoas com algum tipo de daltonismo; pessoas com dislexia; pessoas com mãos maiores do que a média (se você já fez áreas interativas pequenas no mobile, acho que alguém te odeia); pessoas com problemas como surdez ou restrição de movimentos.

Tools of trade: O que você precisa saber usar

Para chegar até o fim de um projeto você precisa ser bastante multidisciplinar e ter uma excelente capacidade de trabalhar com pessoas de áreas diferentes da sua. Por exemplo: Talvez você não saiba programar, mas você precisa saber como os programadores farão o trabalho deles, isso otimiza seu tempo, otimiza o tempo deles e o resultado final será muito mais próximo do planejado. Abaixo eu listei algumas coisas que vão te ajudar muito na hora de trabalhar em um projeto de produto digital:

Design de serviço

Essa é a parte mais perto do "business" e você vai precisar disso pois não só de amor e carinho vive um produto. Ele precisa fazer dinheiro, então é essencial saber como monetizar a ideia, como colocar a marca e o consumidor em contato para gerar receita. Você precisa saber como o modelo de negócio funciona e como isso pode rodar bem em um cenário virtual.

Gestão de projetos

A maior inimiga dos designers e desenvolvedores é a gestão de tempo quando feita de forma ruim. E isso é tão comum que tem um nome: Scope creep. Podem jogar no google e dar uma lida na definição, mas resumidamente: scope creep é quando o cliente (interno ou externo) solicita mais alterações e implementações do que havia sido combinado, isso não só atrasa todo o projeto como aumenta o stress de toda a equipe. As chances de cometerem erros aumentam muito enquanto a qualidade vai sendo minada do projeto. Essa característica é muito comum em pessoas que não fazem a menor ideia de como trabalhar, profissionais ruins mesmo. Não seja esse cara.

Arquitetura de informação e UX Design

Essa é a capacidade de organizar as informações por ordem de relevância, começando pelo conteúdo do produto para depois começar a desenvolver protótipos navegáveis que possam ser testados com usuários. Além disso é necessário saber organizar focus groups, pesquisas qualitativas, testes de usabilidade e análises etnográficas. Isso é só um resumo, existem outras competências importantes dentro desse campo.

Design visual

Agora sim, isso é o que todo mundo vê você criando. A única parte de todos os processos onde o planejamento feito se torna tangível. Ainda temos um problema cultural nas empresas que acham que essa é a única função do designer e se "cegam" para todos os processos anteriores. Mas é trabalho nosso deixar os processos bastante claros para que tenhamos espaço para fazer um trabalho com resultados reais, sem especulações ou achismos.

Benchmarking: New Coke x Pepsi x O que eu quero

Tcharam! New coke, o maior fracasso do marketing na história

Já comecei esse parágrafo de um jeito bastante didático: New Coke. Um case que todos nós já ouvimos falar em algum momento, seja nas aulas de marketing da faculdade, com nossos pais ou talvez você mesmo tenha vivido esse momento histórico para a Coca-Cola, o mês em que eles fizeram pessoas surtarem de uma forma ruim!

23 de abril de 1985

A Coca-Cola anunciou uma mudança na sua fórmula, a primeira em 99 anos. Essa mudança foi uma decisão tomada com base no fato de que a Coca-Cola estava lentamente perdendo mercado para o seu concorrente principal, no seu produto principal. Foram 15 anos consecutivos de queda! As pessoas estavam migrando para a Pepsi.

Conclusão: Temos que ter gosto de Pepsi, é claro! — Talvez não tenha sido dito com essa ênfase ou dessa forma, mas no fim a decisão foi basicamente essa: eles acreditavam que deveriam se parecer com a concorrente para voltar a ter o apreço dos consumidores. Mais de 200 mil pessoas experimentaram o produto ainda em fase de testes e disseram preferir o gosto da “new coke” em vez da versão clássica da Coca-Cola.

Fracasso total, o produto ficou apenas 79 dias nas prateleiras do supermercado, teve até um cara do Texas que comprou $ 1,000.00 em Coca-Cola (o produto antigo) para estocar por alguns anos. Qualquer pessoa que trabalhasse para a marca (de seguranças até cargos executivos) eram automaticamente "malhados" pelas pessoas nas ruas como sendo responsáveis pela mudança.

fonte: http://www.coca-colacompany.com/stories/coke-lore-new-coke

"Tá, mas o que isso tem a ver com benchmarking?" — É o que eu imagino que você esteja pensando, mas vou explicar melhor. Antes você precisa saber que benchmarking é um processo onde você implementa as melhores ideias dos seus concorrentes no seu próprio produto. É uma tática para ganhar tempo e facilitar a tomada de decisões, afinal se "está dando certo para eles (concorrentes) é porque é bom".

Foi esse o erro da Coca-Cola. Esse case também serviria para falar de branding afinal a Coca não é somente um refrigerante e isso também pesou muito no resultado catastrófico, mas vou me limitar a falar somente dela como produto.

Não é porque as pessoas preferem outro produto que você precisa imitá-lo ou copiar suas funções. O que faz as pessoas optarem por um outro são seus aspectos diferentes e suas particularidades. Pode ser no atendimento, pode ser uma única feature que você ou seu concorrente tenha. Não é razoável sacrificar a originalidade e a personalidade da sua marca para agradar alguém que talvez nem seja o seu público.

Veja bem, benchmarking é muito importante e você deve usá-lo para criar MVPs e protótipos para testar com o seu público e identificar se isso faz sentido para essas pessoas e principalmente se isso é coerente com o discurso da sua marca. Caso você tente implementar uma função que trabalhe contra sua proposta de comunicação ou não atenda ao seu público, você estará investindo esforço (tempo e dinheiro) no lugar errado.

Quanto ao resultado: bom, não seja uma New Coke.

Como gerir um produto

Gostou desse título? Eu queria falar sobre isso, mas decidi não deixar esse texto gigante, então vou fazer uma série de artigos sobre design de produto. Esse foi somente o primeiro, dependendo do interesse vou escrevendo outros (mas esse próximo eu prometo).

Sobre o próximo artigo

No próximo texto vou falar sobre os momentos de um produto. Depois da criação você precisa saber como e quando implementar novas features, identificar essa necessidade não é muito difícil e tem até alguns documentos e métodos que podem te ajudar nisso. Saber medir os resultados e investigar se suas KPIs estão sendo atingidas é outra coisa importante para avaliar o desempenho do produto. Então até lá!

Quem sou eu

Meu nome é Felipe Perobeli, trabalho como senior product designer e tenho colocado muito do meu esforço em melhorar as práticas de trabalho de toda a comunidade de designers através da criação, adaptação e às vezes tradução de conteúdos. Vamos conversar? Me siga nas redes abaixo!

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Felipe Perobeli
UI Lab

Por formação, eu sou designer. Por rótulo, eu sou arquiteto de informação. Por essência, eu sou humano. Por paixão, eu misturo tudo isso.