É por causa de gente assim…

Plinio Zunica
UM BICHO
Published in
3 min readJun 6, 2018

--

Enfadado do vazio existencial, fui ver quinquilharia na lojinha de 1,99. Escolhi duas caixinhas de incenso, um pointer de led (que veio com defeito, inclusive), quatro pilhas palito e um pacote de jujuba.

Distraído do estresse e satisfeito de futilidades, me dirigi ao caixa.

Enquanto eu tentava pagar, uma tia chegou de fora da loja, encostou no balcão e começou a gritar pra atendente:

— Mocinha, o que vocês tem do Brasil, hein?…. mociiiiinhaaaaa…

— Pode entrar, senhora, dá uma olhada ali.

— Mas o que que tem? Hein? Hein? Bandeira eu já tenho, você tem corneta? Tem corneta?

— Entra, senhora. Tem chapéu, tem confete, pode ver alí, ó…

— Ah, chapéu? Me deixa ver o chapéu! Me deixa ver o chapéeéu!

A distinta senhora lembrava um pouco o piu-piu, se o personagem fosse um projeto fracassado de socialite estricnado de valium com rebite.

Enquanto ela se distraia tirando selfies com o chapéu de plástico verde-amarelo,

tentei pagar minhas compras, mas infelizmente ela me notou:

— Ai, moço, que que é isso, hein?

— É incenso.

— Ah é? E como usa? Você usa pra que?

— Você queima a ponta dele e aí aromatiza o ambiente.

— Ah, mas não fica muito forte não? Você coloca dentro ou fora de casa?

— Depende, minha senhora. Eu, no caso, coloco em casa, enquanto trabalho, porque eu fumo.

— Ah, você trabalha em casa? Que interessante! O que você faz?

— Várias coisas, dona. Eu sou revisor, escrevo…

— AAAAAAAA!!!!! Nossa, mas Deus é mesmo muito bom! Deus sabe o que faz! Eu estava justamente precisando de um escritor!

(Aí você se pergunta: em que cenário do multiverso existe a chance de alguém, ainda mais numa lojinha de bugiganga comprando fantasia de impítima, PRECISAR de um escritor?)

— É que, sabe, eu estou escrevendo um livro também…

— É mesmo, é? Sobre o que?

— About my life! Minha história e minhas opiniões sobre as coisas.

— Huuuummmm…. bacaaaaaaana….

— E eu já tenho quase tudo pronto aqui, na minha cabeça, agora só falta saber colocar no papel.

— Bom, eu posso tentar lhe ajudar de várias maneiras, com planejamento, leitura crítica, revisão, ghost writing…

— Ah, ótimo! Me dá seu contato!

— Vou te passar meu e-mail e…

— Não não não, me dá seu whatsapp! Agora é tudo no whatsapp, melhor até que o facebook. Aí eu coloco seu nome lá no livro, como colaborador, e…

— Olha, minha senhora, acho que está havendo uma confusão. Eu trabalho com isso, são serviços…

— AAAAAAAAhhhhhhh… Mas o senhor cooooooobra? Pra ler um liiiivro? Ai, não sei… é muito caro? Porque eu também fiz faculdade, eu sei escrever, e você já vai ganhar o crédito, né?

— Quer saber, dona? Tem razão, você não precisa de mim nem de ninguém. Compra um incenso, vai pra sua casa, se tranca no quarto e escreve tudo about your life, que eu tenho certeza que vai ser um sucesso enoÓoÓoÓoÓrme. Agora, se você me dá licença…

Quando estava saindo, ainda ouvi ela grunhir pra a atendente da lojinha:

— Creeeedo, por causa de gente assim que o país tá essa vergonha…

--

--