Dona Ana e o chocopau: Um conto de páscoa

Plinio Zunica
UM BICHO
Published in
3 min readApr 1, 2018

Uma história sobre minha mãe, genitais chocolícios e espírito cristão

O ano era 1999, e era época de mais uma dessas festividades cristomercantis em que os parentes saem das profundezas e se reúnem pra palpitar na sua vida, promover rivalidade entre primos, consumir drogas lícitas, trocar lembrancinhas e comer bacalhau em nome de jesus. Pois que, dada a oportunidade, uma amiga, com então seus catorze, achou apropriado presentear um tio com um pênis de chocolate.

Na época não havia essa mamata de comprar tudo pela internet, muito menos docerias hipsters vendendo genitais de glacê em plena luz do dia. O único lugar possível pra se comprar uma manjuba comemorativa era o bom e velho sex shop. Infelizmente, essas festividades cristomercantis servem não apenas para movimentar o comércio, mas também, sobretudo, pra alimentar o sacrossanto sentimento de culpa e vergonha, elemento basilar de toda sociedade de bem que se preze. Assim, por mais sedutora que fosse a voz do deboche juvenil, minha amiga não estava confortável com a ideia de se esgueirar por um antro de perdição eróticomercial depois da aula, ainda mais na quaresma, e ainda mais naquela vizinhança mexeriquenta, e isso dificultava substancialmente a tarefa.

Então, minha amiga fez o que qualquer jovem inteligente no bairro fazia quando diante de dilemas existenciais complexos e potencialmente constrangedores: pediu ajuda pra minha mãe.

Quando dissemos para dona Ana Maria que precisávamos que ela comprasse um chocopau, ela ficou bastante ofendida. Afinal, como eu podia ter a ousadia de querer pagar por chocolate de outra pessoa, quando sabia bem que mamãe podia fazer um badalo muito melhor, bem torneado, reluzente e recheado, tudo à preço de custo?! Moleque burro da porra…

Minha mãe foi naquela mesma tarde comprar a forma. Recheou o vergalho com leite condensado, caprichou nas veias, colocou numa caixa e fez um embrulho bonito com laço de fita. Minha amiga ficou bastante satisfeita com o artesanato, e parece que o tio também se lambuzou com gosto depois da missa.

Foi a única vez que vi aquela forma ser usada. Depois, ficou por anos amarelando no armário, mas acho que valeu o custo. Não me lembro quem ficou com ela depois que minha mãe morreu, mas espero que esteja sendo bem usada. Gosto de pensar que alguém por aí está tendo um feriado serelepe com uma piroca pascoal feita nessa forma.

Essa história me lembra que meu pai sempre reclamou de como os doces que mamãe fazia davam mais trabalho e prejuízo do que qualquer coisa. De fato, dona Ana era uma péssima empreendedora: fazia experimentos mirabolantes com recheios de bolo só pela graça de misturar; desenhava com confeitos como monges desenham mandalas na areia; distribuía pães de mel pra vizinhança; comprava formas fálicas só pra fazer a alegria de uma criança. No fim, lucrava quase nada, mas ganhava seu outro tanto em troca.

Acho que talvez por isso a páscoa fosse importante pra ela, que celebrava tanto Jesus quanto Ishtar e sabia bem que chocolate comunga melhor que sangue.

Minha mãe fazia chocolates como quem multiplica pães.

--

--