Poema que me varreu

Plinio Zunica
UM BICHO
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1 min readApr 27, 2018

na manhã de sexta feira
em plena universidade pública
eu tentava escrever um poema triste

apesar do sol e dos bons ares de outono
trazia comigo uma enxaqueca
de café e cigarro madrugada adentro
pra chamar de musa

precisava escrever um poema triste
pra uma oficina de literatura
num casarão colonial
em plena Avenida Paulista

já tinha tomado mais dois expressos
e o diacho do poema sem pressa de vir

mas veio vindo do fundo um sussurro
de vassoura varrendo folhas
e o varredor
monástico e solene
assobiava um samba sutil

conforme se encorpava o concerto
meu poema foi se enrrugando
num versinho envergonhado

e quando a vassoura
sorrateira e inescapável
alcançou o banco em que eu repousava
eu disse:
bom dia
e ergui os pés

mas o homem rompeu o assobio e falou:
o senhor não precisa se incomodar.

O SENHOR
NÃO PRECISA
SE INCOMODAR.

poema que me varreu

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