um tiro pelas costas
Marcos Vinicius não chegou na escola
acordou atrasado, vestiu o uniforme, beijou a mãe
atravessou as ruas estreitas da Maré
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mas tinha uma guerra no caminho
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tanques, helicópteros e mais de cem soldados
apartando Marcos Vinícius
da escola
do mundo
da vida
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enquanto a televisão mostrava
crianças enjauladas na Terra da Liberdade
apartadas pelo American Way of Life
a nação se revoltava
contra a injustiça da copa
vestindo o uniforme de implorar
por mais ditadura militar
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Marcos Vinicius queria ir pra escola
Mas no caminho estava o delegado Amin
Que ameaçou pela televisão:
“Nós vamos caçar vocês onde quer que estejam! Não adianta colocar no Facebook que criança foi baleada! E se vocês resistirem, nós vamos manchar o ambiente com o sangue sujo de vocês!”
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Marcos Vinicius só queria dizer “presente!”
gostava das aulas de geografia
talvez aprendesse nelas
os nomes da fome
como nascem as favelas
o que o Capital come
a função da violência policial
algo sobre si
e talvez um dia se formasse
geógrafo, pedinte, poeta
militante anarcossindicalista
neurocirurgião
acionista do tesouro nacional
vereador reacionário
pai de família
policial
.
talvez Marcos Vinicius só quisesse viver
.
mas tinha um soldado buscando vingança
dentro de um helicóptero de guerra
mirando um fuzil
rasgando a Maré
ecoando a torcida de milhões de brasileiros
:
UH MILITARES! UH MILITARES!
NOSSA BANDÊRA JAMAIS SERÁ VER-ME-LHA!
SAAAAANGUE! EU QUERO É SAAAAANGUE!
BANDIDO BOM É BANDI-DO MÔ-RTÔÔ!
POW POW POW POOOOOOOOOOW!
DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃÃÃÃE GENTIL
PÁTRIA ARMADA
BRAZIL-ZIL-ZIL®!
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tinha um patriota no caminho de Marcos Vinicius
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o futuro da nação carregava uma mochila pesada
mas os livros de geografia não serviram de nada
contra um tiro pelas costas
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“Ele não me viu com a roupa da escola, mãe?”
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a ambulância queria salvar Marcos Vinicius
mas tinha polícia no caminho, e mandaram desviar na Avenida Brasil
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“A bala estragou tudo por dentro dele, não ficou nada. A única coisa que ficou foi a pressãozinha dele, que foi caindo… Meu filho lutou. Meu filho não queria morrer.”
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o prefeito cristão cedeu o Palácio para o enterro
declarou para os jornais que não é hora de buscar culpados
apenas chorar
e quando as crianças da escola foram às ruas
pedir pacificamente por justiça
policiais encapuzados lhes atacaram com pedaços de pau
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haviam caminhos em meio a maré
mas ergueram barricadas
e avisaram que se alguém discordasse
eles iam manchar as mãos no sangue sujo
dos filhos deste solo
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haviam caminhos
mas a pátria assassina crianças
em legítima defesa da sua honra, moral e bons costumes
sua bandeira é uma camisa manchada de sangue
seu hino é um grito de ódio
seus heróis são covardes
.
o futuro da nação levou um tiro pelas costas
o caminho é sobre o cadáver da pátria.