Vale un Potosí

Plinio Zunica
UM BICHO
Published in
2 min readJan 10, 2018

Em espanhol, ainda se usa a expressão”vale un Potosí”, eternizada por Don Quijote de La Mancha, o mais lúcido dos cabaleros ibéricos.

Potosí já foi a cidade mais valiosa do mundo por conta do Cerro Rico, ou Sumaq Urqu, a montanha de 4.800 metros de altura toda recheada de prata que alimentou os sonhos e luxos dos saqueadores espanhóis durante mais de dois séculos. De lá, partiam para a Europa galeões recheados de riquezas, deixando em troca milhares de cadáveres indígenas. Foi ali que os espanhóis começaram a importar escravos africanos, pois os Quechuas e Aymaras escravizados eram soterrados pela montanha mais rápido do que retiravam a prata, e havia ainda muito o que se escavar.

Hoje a montanha está quase oca, mas alguns milhares de mineiros ainda reviram sua carcaça atrás de zinco, chumbo, estanho e, com sorte, alguma prata. Via de regra, começam a trabalhar por volta dos dez anos de idade, e dificilmente vivem além dos trinta e cinco. As companhias que monopolizam o extrativismo não fornecem engenheiros, maquinário adequado ou equipamento de segurança, e se os trabalhadores sobrevivem aos desabamentos, acidentes e bolsões de gás, os pulmões não resistem por muito tempo. Desbravam o subterrâneo movidos a base de folhas de coca e álcool etílico 96%, com os quais também fazem oferendas à Pachamama e El Tío, o deus-diabo protetor dos mineiros.

A cidade que fez a fortuna da Europa vive principalmente do turismo. Visitantes podem conhecer as minas por um preço bastante módico, e é comum que se leve folhas de coca e álcool como regalo para os trabalhadores. No meu grupo, por exemplo, haviam alguns europeus, e eles decidiram levar três cadernos para presentear as crianças. Não vai ser isso que vai tirá-las da vida nas minas, mas uma consciência tranquila certamente vale um Potosí.

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