Novembrite

Flavio Braga
Um Blog de Nada
4 min readNov 12, 2024

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Ansiedade. Taquicardia. Tontura. Irritação. Cansaço. Muito cansaço. Advogados em prontidão para o caso de mandar o réu primário às favas.

Poderia ser burnout batendo à porta. Poderia ser um dia de fúria, uma daquelas terças que nada dá certo. Mas é todo dia. É como um mês todo sendo uma terça-feira, mesmo sendo um dos meses que mais tem feriados. Nada mais importa a não ser dizer que tá tudo uma merda e o mal-estar tá ó, aqui

(aponto para um pedaço do corpo qualquer entre o pescoço e a zona do agrião)

E tá tudo muito estranho, quase deu tela azul de Windows 95 aqui na cabeça, alguém me segura, rapidão, tô desfalecendo no meio da rua, por favor! Pedi ajuda até pra um polícia — pra você ver como as coisas estão complicadas. Depois da água que o homem da lei gentilmente me arrumou, penso: melhor ir ao médico. Dei um jeito e fui. Chego na emergência, espero, espero mais um pouco, sinto os cabelos crescerem de tanta espera. Chamam meu nome. Conto ao doutor os sintomas e que o que sinto começou há alguns meses, lá pra metade de agosto, com uma pontinha de angústia do tempo não passar, mas que agora essa angústia aumentou a ponto de estar osso de trabalhar. O cara do jaleco mal me olha, nem me examina, continua mexendo no PC. Deve tá jogando paciência — ou o jogo ou jogando com a minha. E depois de eu contar tudo, com a voz quase sumindo, ele afirma:

“É novembrite, senhor”

“De novembro? Essa porra mata?”

“Não, mas tem muita gente sofrendo com ela. É a doença da época”

(Talvez seja a doença dos tempos que estamos vivendo. Um eterno dia de terça-feira em pleno novembro. Sinto que estamos presos exatamente numa terça de novembro para os próximos anos. Me cobrem se eu estiver errado)

“Tem como dar atestado? Nem que seja por hoje”, pergunto com uma pequena esperança e com uma voz querendo que alguém tenha um pingo de piedade de mim, embora reconhecendo que médicos não costumam ser muito amigos do proletariado. Algo me diz que era melhor procurar uma Ortobom. Entre os de jaleco no consultório e os amigos vendedores de cama, pelo menos eles vão entender minha agonia proletária. Talvez rolasse até tirar um ronco numa cama do mostruário.

“Novembrite não tem CID, amigo. É esperar o mês passar e vida que segue”, disse o doutor.

Vida que segue… Vida que segue… Falar é fácil quando não se tem que dar aulas sem querer e para quem não quer. E toma-lhe correção de prova, lançar nota no sistema, pacote de maldades do governo contra os trabalhadores. De onde vou tirar força, nem sei mais, porque a força foi pras cucuias em fevereiro com o carnaval — e nem sou de curtir as farras momescas. As forças pra sobreviver, duraram com muito custo até julho. As de não rasgar as roupas e sair correndo pelado por aí, findaram em agosto, dias antes do meu aniversário, que é na primeira quinzena do mês. Agora, o abismo olha pra mim e eu olho pro abismo: de onde caralhos vou tirar força para viver — veja bem, não é só “força”, é “força pra viver”? Penso, penso, repenso, calculo e só vem a minha cabeça: “ué, das contas, querido. De onde mais?” Mas a vida é só isso? Vou viver só pra isso? Nasci pra pagar contas? A essa altura do ano? A essa altura da vida?

Uma lágrima de raiva cai. Engulo o choro e tento transformar a raiva em força. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Preciso aprender a sentir raiva, apenas. Tem horas que essa de transformar tudo em força pra seguir adiante se ferrando é papo pra gente continuar cavando a própria cova sorrindo.

Então, viva a raiva. Vivo a raiva. Aumento a raiva ao lembrar que pior que a “novembrite” é a evolução dela que tanto odeio, a “dezembrite”, que mistura os sintomas todos da novembrite e a sensação de estar ficando mais pobre, mesmo recebendo o 13º.

Enquanto não inventarem CID para a novembrite, muita gente vai sucumbir. De raiva, de atos impensados, de trabalho a ser feito a essa altura do campeonato — é novembro, caralho. Trabalhei feito um corno. Me cobra depois do carnaval, que ideia! A real é que a sociedade brasileira precisa discutir URGENTEMENTE esse terrível problema de saúde pública silencioso. Ele só é silencioso porque o calendário pendurado na cozinha não fala. Mas se você, assim como eu, já escutou ele falar “Cheguei querido! Tá fudido na minha mão”, o diagnóstico é certo: você está sofrendo de novembrite.

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Crônicas, Reclamações e Resmungos de um sujeito que gosta de escrever. Entre idas e vindas, passando por diversas plataformas, desde 2007.

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Um rebelde sem calças. Uso bermudas

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