Morte e Vida na cidade de São Paulo: o Parque do Povo

Amanda Roldan
Um bom par de sapatos
3 min readFeb 14, 2017

A história de uma jornalista que vê Jane Jacobs em vários cantos da cidade

Eu sou mais uma daquelas pessoas que se apaixonaram por Jane Jacobs. Não, eu não estudei urbanismo ou qualquer coisa do tipo. Sou jornalista, como bem diz minha pequena biografia aqui no Medium, sou das palavras, mas também sou do caminhar: minha maior alegria é pode vagar por São Paulo, observar as pessoas, as construções, a interação das pessoas com as construções. Tudo isso aí.

Então, a primeira coisa que você precisa saber antes de prosseguir com esse texto (ou nessa série de textos, vamos ver o que vem por aí) é isso: não sou urbanista e não tenho a mínima pretensão de fazer uma super análise disruptiva e lacrante. Na verdade, estou aqui para fazer o pequeno exercício de enxergar as ideias e conceitos da Jane Jacobs na cidade que eu convivo e vivo a maior parte do meu tempo. Tá bem? Então tá bem.

Eram umas cinco da tarde hoje e eu estava passando pelo Parque do Povo, no Itaim Bibi, quando lembrei do quinto capítulo da primeira parte de Morte e Vida Nas Grandes Cidades: O uso de parques de bairro. Nele, Jacobs discorre sobre as áreas verdes das cidades e do porquê a pura existência de um parque não é sinal de que ele será usado.

Esse capítulo me chamou a atenção porque, ora, uma cidade precisa de vários parques, certo? O verde é o pulmão da cidade, foi o que sempre aprendemos. E, embora eu ache que ela tenha sido agressiva demais nessa questão, ao longo da leitura eu comecei a compreender melhor o ponto de vista dela.

Um parque ou uma praça não são úteis quando estão abandonados. E por abandonados eu não quero dizer só largados, esquecidos pelo poder público, com grama alta e brinquedos quebrado; estou falando de abandonados de vida, sem gente para frequentá-lo — e nem estou falando aqui sobre como esses dois itens estão ligados um ao outros. Mais útil, diria Jacobs, transferir a metragem equivalente para as ruas.

Subtrair as ruas e adicionar sua metragem quadrada a parques ou esplanadas em conjuntos habitacionais não tem o mínimo efeito sobre a quantidade de ar fresco que uma cidade recebe — Jane Jacobs

Tudo isso me veio na cabeça enquanto eu atravessava o Parque do Povo. Faz anos que convivo com esse local à noite, quando o parque fica lotado de gente caminhando ou correndo depois do trabalho. As quadras também ficam cheias e vários grupos são vistos no gramado fazendo exercício. Mesmo com a iluminação constantemente em apuros, nesse horário, que vai até umas 21h, o parque está cheio e a maioria de seus aparelhos está sendo usada. O que fica vazio — e provavelmente é o horário, embora a localização, na parte mais escura do parque, também não seja convidativa — são os brinquedos. Esses são utilizados pela manhã e à tarde, quando as pessoas dos prédios residenciais ali por perto levam suas crianças. Entendem? O parque nunca está vazio. De manhãzinha tem gente correndo antes de ir pro trabalho, depois tem criança, no fim do dia, muitos usam o espaço como caminho para chegar à estação de trem e, por fim, ele se enche novamente de atletas. É um parque vivo.

E se não tivesse esse movimento todo? Se ele passasse um tempão ocioso? Penso que Jacobs tem razão: seria uma área desperdiçada, porque o espaço ocioso não atrai ninguém. E esse raciocínio é ligado a outro conceito de Jacobs — o de que uma região, para ser viva, precisa ser mesclada. Se o entorno do Parque do Povo fosse apenas de prédios residenciais, ele seria tão frequentado? E se ali só tivesse escritório, o que seria dessa área verde durante o dia?

Claro que ela desenvolve muito mais essa ideia ao longo de várias páginas e ISSO DAQUI NÃO É UMA TESE DE DOUTORADO, GENTE, mas gosto de pensar que tenho absorvido vários pontos da literatura dela a ponto de identificá-los no meu dia-a-dia, enquanto ando por São Paulo. E é pra isso que a gente lê essas coisas, né, gente? Para tentar entender melhor o lugar em que a gente vive e pensar em maneiras de torná-lo mais agradável.

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