Puerto Madero: o porto que não foi bem um porto

Amanda Roldan
Um bom par de sapatos
3 min readMar 3, 2017

Puerto Madero sempre me pareceu uma aberração no meio de Buenos Aires. Aqueles prédios envidraçados, aquela arquitetura ~moderna~ me faz sentir mais em Miami do que na capital portenha. Tudo ali destoa do resto da cidade, e talvez por eu gostar tanto de Buenos Aires eu acabe implicando um pouco com o que acontece depois do canal.

Apesar de tudo isso, a história do bairro me deixa um tanto quanto fascinada por diversos motivos, e conhecê-la me fez olhar uma maneira um pouco diferente para Puerto Madero.

A história começa quando decidiu-se mudar o porto da cidade, originalmente localizado em La Boca. Existiam dois projetos: um de Luis Augusto Huergo, primeiro engenheiro graduado no país e que já havia liderado outras obras em Buenos Aires, e outro de Eduardo Madero, homem de negócios e, coincidentemente, sobrinho do vice-presidente do país naquela época. Talvez nem seja necessário falar que projeto foi aprovado, certo?

O projeto de Madero incluía recuar o Río de La Plata e, em seguida, criar canais para a passagem dos barcos, além de todo um bairro do outro lado — e é bizarro andar pela parte de trás da Casa Rosada e pensar que o rio chegava até ali antes dessa obra gigantesca.

Acontece que esse projeto tinha algumas falhas, e uma delas foi crucial para o fim prematuro do porto: tanto a profundidade dos canais quanto a largura das entradas dos barcos eram apropriadas apenas aos barcos da época, e passado pouquíssimo tempo, barcos maiores começaram a seguir em direção a Buenos Aires. Estamos falando de míseros dez, doze anos. Depois disso, os cargueiros não conseguiam mais passar por ali e o porto tornou-se obsoleto.

A parte irônica disso tudo é que o Puerto Nuevo, criado na década de 20 e que está em funcionamento até hoje, usou o projeto de Huergo, aquele que tinha sido desprezado.

Pois então que todos os armazéns e afins construídos para o porto entraram em desuso e o que seria a coqueluche do momento de Buenos Aires virou um terreno abandonado.

Ao longo das décadas, diversos projetos surgiram para revitalizar aquela região, mas todos acabaram mal-sucedidos. Foi só em 1989, cem anos depois de ser inaugurado, que surgiu um projeto ambiciosíssimo de finalmente transformar Puerto Madero em um bairro que mostrasse uma Buenos Aires moderna e arrojada. Surgiu, então, a Corporación Antiguo Puerto Madero, responsável por transformar aquele sonho em realidade. Foi construída uma quantidade exagerada de prédios espelhados — porque, por algum motivo, não existe cidade moderna sem muitos prédios altos e espelhados — , mas também renovou-se a margem do canal, com os armazéns virando restaurantes e centros comerciais e um passeio para pedestres. Essa, sem dúvida alguma, é a minha parte preferida do bairro.

Fangio modelando em Puerto Madero

Mais para dentro do bairro está a Reserva Ecológica, que tem uma história curiosa: ela não deveria existir, nunca foi planejada. Acontece que a margem do Río de La Plata foi constantemente desprezada e usava-se o local para jogar entulho. Do meio do entulho nasceram umas plantas, mas como Puerto Madero era mesmo um bairro meio abandonado, ninguém percebeu. Com o tempo, essas plantas cresceram e ganharam espaço e transformaram-se nesse pedaço verde de Buenos Aires.

Da entrada até a costa do rio caminha-se uns dois quilômetros, percurso que eu até tentei fazer, mas o cansaço de passar o dia inteiro andando por Buenos Aires e o fato de eu ter pisado no cimento uns minutos antes me impediram de cumprir esse objetivo.

Por fim, você pode perguntar: vale a pena visitar Puerto Madero? E eu só posso responder que você que sabe. É um lugar gostoso de se andar, embora me incomode aquele ar de Miami portenha, e os canais valem bastante a visita. Mas, qualquer que seja a sua escolha, agora você já sabe que, apesar de ser chamado de Puerto e ter o nome de Madero para completar, ele foi um porto bem fajuto e o projeto de Eduardo só foi escolhido por causa de seu parentesco com o vice-presidente.

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