Um café sobre a felicidade

Asafe Gonçalves Pereira
Um Café
Published in
4 min readAug 15, 2015
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— Alfredo, responde pro blog: o que te faz feliz?

— Respondo. Quer café?

— Quero sim. Sem açúcar, por favor.

— Então, ainda não sei se alguma coisa me faz feliz… Adoçante então?

— Não, não, adoçante é pior; só café mesmo, obrigada. Tá, Alfredo, mas o que te faria feliz? Colabora aí, vai!

— Estou dizendo! Não sei mesmo… Talvez a música, mais provavelmente a eternidade, quando a beleza de sabermos tão pouco sobre tudo se enrugar… Não sei.

— “Não sei”? Dá essa resposta vaga e termina com “não sei”? Fredo, relaxa. Tenta de novo, um pouquinho mais objetivo, por favor. Finge que eu nem tô gravando.

— Haha! Olha, não sei se consigo ser mais objetivo… Que tal assim: quanto mais conhecimento eu acumulo, mais longe eu fico de acreditar em qualquer felicidade real na existência presente. Ainda assim, e talvez por causa disso, cresce a esperança sobre as pequenas alegrias passageiras… Você percebe que é uma pergunta extremamente difícil, né?

— Difícil é sua resposta, Alfredo. Para de tentar ser profundo. O que te faz feliz é o que te faz respirar fundo pela simples imaginação. O que te vem à cabeça quando pensa em felicidade?

— Nada… aliás, tudo. Nada do que podemos desfrutar aqui, mas tudo o que essas coisas representam. Veja, tudo o que eu consigo chamar de felicidade mais me parece um reflexo, ou uma réplica de uma felicidade maior, pura, completa… quase imaginável.

— Ai, Fredo, não sabia que você era tão desesperado. Podia ser “o almoço de domingo com a família”, sabe? … Na verdade acho que eu esperava que você me desse algum vestígio da sua fé na resposta. Vocês parecem estar sempre tão cheios de confiança… acreditar na felicidade era o mínimo.

— Eu não duvido da felicidade, Gabi. Creio inteiramente; só não sei descrevê-la. E minha fé não é baseada em felicidade; na verdade é o que me leva a questionar uma felicidade presente.

— Alfredo, felicidade são as coisas que te fazem sorrir sem força, que te realizam…

— Por isso mesmo! O que é a realização? Tudo é tão passageiro, e a cada dia eu quero uma coisa diferente, e nada do que quero parece valer a pena no fim de tudo… Sinto uma sede que não se satisfaz em lugar nenhum… Confesso que a felicidade me foge, Gabi. Nos foge a todos e não percebemos.

— Não. Não foge de mim, nem de você. Eu sou feliz, e você não quer perceber que também é.

— Bom que você pense assim. A isso eu chamo fé! Mais café?

— Não, obrigada. E a isso eu conheço quem chame ingratidão… É sério! Só de você estar vivo, pensando, de barriga cheia enquanto questiona a comida, já não deveria se considerar feliz? Você sabe quantas pessoas não tem um décimo do tempo e do dinheiro que você gasta aí se lamentando né? E, adivinha só, são felizes! Por motivos diferentes dos nossos, obviamente, mas são felizes. Essa obstinação com o que você não tem não deixa você ver o que você já tem, o que você já conquistou e o que já fizeram por você, Alfredo. Felicidade é coisa simples, não precisa complicar tudo também!

— Não sou ingrato, Gabi. Frequentemente tenho alegrias sim! Tenho tempo (que aliás todos temos em igual medida) e algum dinheiro também, agradeço por tudo isso. Mas felicidade, pra mim, não dá pra ter… não parece algo que se possa possuir, ou que seja alcançável nesta terra. Parece mais uma coisa que guardo dentro de mim numa gaveta que só vai se abrir quando tudo acabar, entende? Ou alguma coisa maior que eu, que vá me engolir quando eu estiver pronto… Talvez eu não saiba explicar, mas sei que você entende.

— Não sei se entendo, não, Fredo. Mesmo tentando olhar pelo seu ponto de vista, a felicidade não me parece tão longe assim. Olha, o que a maioria das pessoas neste país chama de felicidade nós dois temos em abundância! E não sei o que você vê de tão fascinante no “fim de tudo”, mas também não acho que a felicidade esteja lá. Felicidade é muito mais simples que isso, e mais perto também… felicidade tá nas coisas da gente!

— Pode ser mais simples que isso, mas é certamente muito mais longe que as coisas da gente. Pode ser que muita gente se considere feliz. Eu não. Sou grato pelo presente da existência e pelas alegrias diárias, mas sei, simplesmente sei que a felicidade real não está ao nosso alcance.

— Pois eu não entendo como você consegue chamar de “real” uma coisa que você nunca experimentou. Eu vivencio a minha felicidade no dia a dia. Acho que é mais real que essa sua “vindoura”, que um dia vai sair de uma gaveta e te engolir… na boa, como amiga: acorda pra vida, Fredo! Você é feliz. Sei disso e é por essa certeza que vim até aqui te entrevistar.

— Pois acho que estou mais acordado que você consegue perceber, Gabi… e não sei se é pra “vida” que você quer que eu acorde. Acordar pra vida é aceitar como completa essa sombra de felicidade? Ou ainda, aceitar como vida essa amostra fraca, pálida até, da verdadeira vida?

— Tá. Vou colocar aqui que você respondeu “um café com os amigos”. Aliás, ainda tem?

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Asafe Gonçalves Pereira
Um Café

Impostor em vários frontes. Usuário de drogas pesadas, a saber, café e transporte público. Viciado numa, dependente da outra.