“Só trazia a coragem e a cara / Viajando num pau-de-arara / Eu penei, mas aqui cheguei” (Rodovia Aza Branca, por Caio Alves)

Fui ali ver o Rei do Baião

Lais Mendonça
5 min readJul 15, 2013

A manhã estava tão cinzenta quanto o céu de São Paulo quando desembarquei na rodoviária de Juazeiro do Norte (Ceará). O café estava tão doce, que mais parecia um caldo de cana, e foi esfriando enquanto esperava o próximo ônibus.

Em pouco tempo, em uma estrada estreita e esburacada, avistei uma placa indicando que aquela é a Rodovia da Aza Branca [assim, com “Z” mesmo]. A serra e a neblina foram ficando para trás, enquanto uma garoa fina batia na janela do ônibus. Para passar o tempo, fiquei observando um matuto vender amendoim “ainda quentinho” e tapiocas no corredor.

A cada 100 metros [isso é chute], uma parada: alguns desciam e outras subiam no coletivo – inclusive o vendedor. Sem ter o que observar, colei o rosto na janela e observei um senhor carregar uma caixa dessas de feira, de plástico, no ônibus. Dentro dela, pedaços de um porco recém-abatido. Os sítios ficavam cada vez mais próximos uns dos outros; vacas e bodes caminhavam na grama rala, mas verde.

“Tão longe quanto as vistas alcançam” no meio da cerração, achei uma igreja e senti meu coração bater mais rápido.

Chegamos em Exu? Perguntei ao cobrador. Sim, senhora – ouvi em resposta.

Um emaranhado de botecos e casas adornava o entorno da estrada demonstrando que ali estava a cidade. A garoa fina persistia enquanto eu olhava para a Serra do Araripe e enrolava a procurar o telefone da pousada.

Antes de conhecer a cidade, um banho e um almoço bem servido. O Sol já castigava quando logo acima de um portão azul, uma placa com os dizeres “Bem-vindo ao Museu do Gonzagão – Exu – PE” fez com que eu sentisse um intenso arrepio.

Nesse momento do texto, preciso dar alguns passos para trás para tentar explicar minha emoção. Luiz Gonzaga faz parte da minha vida ‘antes mesmo que eu me entendesse por gente’. É com saudade e orgulho que lembro de minha avó cantarolando alguns sucessos, se emocionando em meio a lembranças e me ensinando a história desse ‘cabôco’ que marcou a história dela e, com o tempo, a minha também.

“Minha vida é andar por esse País” (Foto: Caio Alves)

Luiz Gonzaga também embalou muitas lágrimas minhas quando minha avó, que sempre gostou muito de viajar, estendia sua passagem por alguns lugares e eu ficava em casa caçando um jeito de enganar a saudade. Apesar de muito significativas, não só de histórias relacionadas à minha avó vive minha admiração pelo Rei do Baião. Grande músico, contador de histórias e compositor, é, na minha visão, um dos melhores músicos do nosso País.

Agora, voltando ao Museu…

“Todo tempo quanto houver pra mim é pouco / Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco” (Foto: Caio Alves)

Gonzagão construiu e morou no local. Ao passar pelo portão, é possível sentir a presença dele lá, como se a qualquer momento ele aparecesse com um sorriso largo no rosto, vestidos com roupas simples e frescas, sem esquecer, da chinela de couro.

Várias placas com fotos e frases adornam a caminhada pelo Parque da Aza Branca. Até mesmo, uma casa de reboco está no local para mostrar aos viajantes a construção típica nordestina tantas vezes citada pelo Rei.

No chão, perto de um Juazeiro, cada bloco carrega o nome de uma música e, “Karolina com K” não foi esquecida. Praticamente intacta, a casa de Seu Januário, pai de Gonzaga, está aberta aos visitantes e guarda fotos e um altar para Padre Ciço, entre outros objetos.

“Toda tarde à tua sombra / Conversava ela e eu” (Foto: Caio Alves)

O mausoléu da família completou a primeira parte do passeio, que foi interrompido pela sede e pelo calor. Depois da pausa, era hora de ver uma construção de muros brancos com detalhes em azul. Apesar de fechada, uma placa na porta indicava que ali é a pousada que leva o nome da mãe do Mestre, Santana. O local foi construído para que amigos e cantores pudessem ir a Exu.

Logo ao lado, uma casa espaçosa com um jardim cercado em frente chama a atenção. No viveiro, um casal de Asa Branca não deixa dúvidas de que ali é a casa do Rei. Placas, troféus, fotos e propagandas adornam sala, cozinha e o quarto. Até mesmo um calendário de uma marca de cigarro com o rosto de Gonzaga estampado continua na parede.

“E quando chego na cancela da morada, minha Rosinha vem correndo me abraçar” (Foto: Caio Alves)

Gonzaga, apesar de mito e maior representante do Nordeste, não esqueceu suas raízes, não se envaideceu. Estar em sua casa, foi uma honra e uma experiência inesquecível.

Para selar a visita, a última parada foi o museu em si. Na porta, como um cartão de visitas, uma sanfona branca ( a “Sanfona do Povo”) está ao lado do chapéu de couro e do gibão. De fotos a recortes de jornais, passando por roupas e muitos prêmios, discos e até mesmo a famosa sanfona de oito baixos de Januário estão preservados.

Três paredes estão repletas de documentos de cidades que reconheciam Luiz como cidadão local. Homenagens de fãs, curiosidades e um som ambiente inconfundível completam o espaço.

O Museu do Gonzagão é parada obrigatória para aqueles que respeitam e reconhecem a força do brasileiro. Sem contar, que Exu é uma cidade charmosa e agradável.

“Adeus Pernambuco, a saudade é de matar. Adeus Pernambuco, tô maluco pra voltar” (Foto: Caio Alves)

[Obrigada Caio Alves e Manú Mascarenhas pela companhia na realização desse sonho.]

--

--