Às vezes simplesmente não vai dar — e tá tudo bem

Rafael Shintate
um retrato infiel
Published in
3 min readJul 18, 2020

Ontem à tarde, em um período de particular procrastinação — cada vez mais comuns nessa quarentena, aliás — decidi que já tinha passado tempo demais encarado meu teto estrelado (literalmente, como é tema de texto inacabado que algum dia na vida terminarei e subirei por aqui) e decidi me postar à frente do computador e escrever.

Acontece que o simples escrever não é tarefa tão fácil.

Explorei mil ideias na mente, e acredite, tenho bibliotecas (sem querer ser arrogante, ideias todos têm, mas apenas alguns se odeiam o suficiente para tentar colocar no papel), mas dentre todas pouquíssimas tem começo, meio e fim, ou nem sequer um deles, sendo pensamentos soltos, um tanto aleatórios, de uma mente bastante hiperativa. E em um dia particularmente árido na minha mente, não encontrei sequer começo que se encaixasse nas peças que tinha à disposição.

Então me deitei encarando o teto, de novo, mas com outro objetivo — coloquei na caixinha de som, que também é meu relógio do criado-mudo, curiosamente, minha playlist de lo-fi, ideal para quando estou triste ou pensativo (ah, as dádivas do mundo moderno), e fiquei me revirando com as batidas tristes e letras mais depressivas ainda.

E, eventualmente, encontrei…

Nada.

Não encontrei nada.

Foi um dia inacreditavelmente árido.

Não teve um quê, um “o”, um travessão que coloquei no papel (metaforicamente, obvio — me odeio tanto a ponto de escrever em cadernos? Apenas às vezes) que me deixou seguro sobre qual palavra viria a seguir. Céus, por vezes digitei alguma letra aleatória e fiquei folheando um dicionário imaginário procurando uma palavra — qualquer palavra — que fizesse sentido no espaço que estava ali, piscando para mim no Word.

Nesse ponto sinto que é desnecessário pontuar, mas vou de qualquer forma, por ser essencialmente um dramático: não havia uma palavra sequer. Meu dicionário naquele dia podia muito bem ter só suas 27 páginas, isso se eu fosse complacente o suficiente para dedicar a cada letra sua própria página.

E a playlist de lo-fi passou a ter seu outro significado: me consolando em momento de considerável tristeza.

Afinal — para que raio eu sirvo senão para escrever uns textos que ninguém vai ler de vez em quando? Para fazer piadas ruins, virar shots aqui e ali e questionar se o curso que estou fazendo é mesmo é o feito para mim? Parecem três coisas muito poucas para definir alguém.

Mas quem diria que no dia seguinte estaria escrevendo um texto justamente sobre a seca que me dominou?

Escrever realmente não é tarefa fácil.

Seja de fazer ou de explicar.

Não se trata simplesmente de colocar palavras no papel, de ter uma narrativa na cabeça, ou de saber o que você espera de si mesmo (o que os outros esperam de ti não importa se a satisfação não partir do lado esquerdo do seu peito).

E, às vezes, a inspiração simplesmente não vai vir.

Às vezes, o stress é que vai te dominar durante o dia, ou a ansiedade, ou o cansaço, e não vai mais sobrar nada na mente senão isso.

E às vezes vai ser a tristeza, ou a animação, ou a raiva.

E às vezes vai ser simplesmente um dia ruim, e nada que vier na cabeça vai servir para mais que um digitar e deletar do computador.

Mas o dia seguinte virá; e depois, o dia depois desse.

E depois o dia a seguir daquele.

Às vezes, simplesmente não vai dar.

E tá tudo bem.

Porque o dia seguinte vai continuar a existir.

Tá tudo bem.

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