duas da manhã…

Rafael Shintate
um retrato infiel
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2 min readJul 14, 2020

este é de uma tarde em que o teto do meu quarto refletia a luz rosa do pôr-do-sol

Você tem uma mensagem de voz.

O-oi…

Sabe, hoje eu tava lembrando… Faz tempo, né? Que a gente não se fala. É, eu tava querendo ligar, mas… sei lá, sempre esqueço, tu sabe como é, eu acho, mas enfim…

Eu tava lembrando, é, daquela vez que você quis, hã… que você quis, quando eu tava viajando, a trabalho, acho que pra Itália…

Não, não era pra Itália, ainda não tinha conseguido sair do país, não, eu devia tá em Atibaia, naquele centro grande de convenções que tem por ali, sabe? Eu tava em Atibaia, e eram poucos dias, mas tu tinha ficado sozinha em casa, e eu… Bom, eu tava meio nervoso, né? Eu sempre fico meio nervoso quando tem convenção, sabe, mesmo hoje, ainda fico, porque falar pra muita gente nunca fica mais fácil, nunca mesmo, mas acho que naquela época eu ainda ficava mais, e dava pra perceber, acho, porque você…

Bom, tu achou que ia me fazer ficar mais de boa, talvez menos… menos cansado, menos exausto, se eu chegasse pra uma cama quentinha e umas roupas lavadas, porque você… bom, claro que tu se lembra, eu nunca fui lá muito organizado, e as vezes as pilhas de roupa ficavam meio que amontoadas no cantinho do banheiro, ali do lado do bidê, até que só tivesse mesmo uma camisa daquelas rosas que eu não gostava muito no armário, e aí eu ficava estressado porque tinha que torcer pra secar até o dia seguinte, pra eu ter roupa pra ir trabalhar, e você ficava rindo da minha cara, toda vez a mesma coisa… menos quando era sexta, de sexta dava tempo pra roupa secar durante o fim de semana, né, mas enfim…

Mas eram poucos dias a viagem, né. Pelo menos naquela época as viagens eram curtinhas, e nem tinha como ser muito mais longe, Atibaia não dá nem quatro horas de casa, né, e então você não tinha muito mais que um final de semana pra preparar a surpresa, e a gente só tinha uma máquina de lavar, e nem dava pra pedir pra sua mãe ajudar porque sua mãe nem máquina tinha, então deve ter sido toda a correria, e você acabou jogando uma camisa rosa dentro da máquina junto da colcha, lembra? E a colcha era branca.

Era, né, porque saiu toda rosa.

E eu lembro que voltei todo cansado, exausto, e nem vi que a colcha era rosa, ou branca, ou vermelha, porque caí lá todo destruído, e você começou a rir.

E eu quis ficar bravo quando vi, primeiro porque você me acordou rindo, e depois porque vi que a colcha tava rosa… E eu sempre gostei daquela colcha, sabe? O quarto era todo branco… Era bonito, branco. Realmente era.

Ainda é. O quarto e a colcha, mas não aquela, é uma outra que eu comprei, depois que… Bom, você sabe.

Enfim, tudo isso é pra… Bom, não sei, a colcha hoje é branca.

Mas eu queria que fosse rosa…

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