A saudade do futuro

Gabi Bertoni
Uma vida heliotrópica
2 min readMar 21, 2024
Foto: Pexels

Não posso dizer com certeza isso que vou afirmar porque sei que ainda tem muita água pra rolar debaixo dessa ponte, mas arrisco dizer que estamos atravessando uma das tidas como melhores fases da vida de um filho.

Claro, perrengues e encantos existem em cada momentinho desde que eles nascem, e provavelmente deve ser assim pra sempre, mas ter um bebê que fala é, sem dúvidas, a coisa mais legal do mundo. E digo bebê que fala porque é exatamente assim que o enxergo: tem todos os trejeitos e características de um bebê (por aqui ainda mama no peito e usa fralda pra coroar o combo), mas já tem poder de escolha, forma frases e conta histórias. Tá aprendendo a reconhecer e expressar seus sentimentos, desenha e faz gracinhas, enquanto dança, canta e pula. Como se tivéssemos o melhor dos dois mundos em uma única fase: nem tão bebê precisando de colo o tempo inteiro, mas também nem tão independente a ponto de deixar nosso coração apertado.

Reconheço o privilégio que é poder viver esse momento tendo essa consciência. Daqui a pouco ele não vai mais precisar de ajuda pra ligar a TV, colocar a roupa ou, sequer, descascar uma banana. E provavelmente vou pensar algo como “meu Deus, meu bebê cresceu”, enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto (é raro, mas acontece sempre rs), mas, sem dúvidas, lembrarei feliz do fato de ter aproveitado cada segundo dessa fase. De ter ouvido com plena atenção suas histórias que gradativamente tomam forma, ganham verbos conjugados e vocabulários cada vez mais vastos. De ter pegado no colo pra ninar ao som de “tocando a playlist Forró Pé de Serra no Spotify” (para todos os efeitos, leia com a voz da Alexa). De ter passado horas a fio empurrando na balança do parquinho, descendo e subindo uma gangorra com o pé e de ter brincado de lobo mau e chapeuzinho vermelho por, no mínimo, umas 9 vezes seguidas, em looping, após ouvir repetidas vezes um empolgado “de novo, mamãe”, e, principalmente, de ter, genuinamente, conseguido me fazer tão presente quanto pude, e o quanto pude, talvez não seja exatamente o quanto eu gostaria, mas, no fim do dia, essa conta nunca fecha. Seria esse o grande paradoxo da maternidade?

Respiro fundo. Olho em perspectiva e noto: estou vivendo a saudade do futuro, bem aqui, agora, debaixo dos meus olhos, do meu nariz, entrelaçada nas minhas pernas em forma de mini bracinhos que me atrapalham andar. E quando ela chegar, lá na frente, me arrancando lágrimas e espremendo meu coração, vou poder respirar em paz na certeza de ter vivido com gosto o caminho que teremos percorrido até lá.

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