Esperancinhas e esperançona

Gabi Bertoni
Uma vida heliotrópica
3 min readApr 8, 2021
Foto: Arquivo pessoal

“Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas.” (Gn 1:4)

A Páscoa tem sempre mais a nos ensinar do que podemos enxergar. Todo ano me esforço na tentativa de perceber algo novo em relação a um mistério que já é muito antigo e conhecido por todos: um homem, que também é Deus, nasceu, viveu, sofreu, morreu e ressuscitou para salvar a humanidade. Parece coisa de maluco ao pé da letra, mas para mim faz tanto sentido que soa até óbvio. Explicar isso a um descrente talvez seja uma tarefa complexa, mas creio que essa evidência só pode, de fato, ser interiorizada se vista com os olhos da alma — alguns chamam isso de fé.

Na noite de ontem, seguindo um ritual que tenho tentado tornar hábito, sem qualquer pretensão meditativa, acendi uma vela aromática na hora de tomar banho. Por alguns segundos, fiquei analisando aquele ponto iluminado e percebi como a escuridão é capaz de potencializar o poder da luz.

Essa mera divagação pré-banho, risos, me lembrou de reflexões que vinha fazendo ao longo das últimas semanas sobre um tema muito intenso e foi como se eu estivesse enxergando a aplicação de uma teoria na prática.

Eu não sei exatamente o que vem à sua cabeça quando alguém lhe diz: “Tenha esperança!” A tendência é que a frase soe como uma dessas expressões lindas de serem ouvidas, mas, na prática, seu lado clichê faz com que elas ecoem em nossa cabeça como algo vago, genérico e inconsistente. Para mim, antes, ter esperança era algo como pensar positivo ou mentalizar uma situação futura favorável aos meus desejos. “Eu tenho a esperança de que vou passar naquela prova.” “Eu tenho muita esperança de que a minha tia vá se curar dessa doença.” “Eu tenho esperança de dias melhores.”

Não que esse tipo de esperança seja incorreto, até porque está tudo bem esperar por algo que julgamos adequado a nós ou aos demais. Mas, percebe como que essa esperança vem sempre acompanhada de uma incerteza? Tudo bem eu confiar e esperar que a saúde da minha tia seja recuperada, mas pode ser que isso não aconteça. E então, de que serviu minha esperança, além de possivelmente me frustrar?

Curiosamente — ou não — , uma das primeiras coisas que Deus criou foi a luz. Ele poderia ter começado por qualquer outro elemento, mas não o fez. E olhando para o destaque que um ponto de luz tem em meio a um mar de escuridão ao seu redor, traço aqui um paralelo com a esperança que quero apontar, que não se trata dessas esperanças terrenas, em coisas aqui deste mundo, mas de uma esperança voltada para Aquele que verdadeiramente nos ama.

Repito, não há descrédito algum nessas esperancinhas que temos aqui, mas se à frente de todas elas não houver o foco nessa esperança maior, nessa esperançona, que sustenta toda a vida, é como se o que esperássemos fosse nulo. Como se ao primeiro sinal de fragilidade, ela desmoronasse igual a um castelo de areia construído à beira-mar.

É difícil voltar o coração para Deus e, com extrema humildade, confiar e esperar nEle. Estamos acostumados a pedir, suplicar e decepcionar quando não somos acudidos. Assim sendo, dia após dia, a conduta de concentrar essa esperança no que sustenta a vida, em si, deve ser potencializada, sabendo que o mundo é essa grande escuridão, enquanto bem no centro de tudo há essa intensa luz que se destaca, nos lembrando a todo momento que, do outro lado de nossa existência, há uma eternidade regada de amor esperando por nós. Olhe sempre para a luz.

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