Fã de primeiras vezes

Gabi Bertoni
Uma vida heliotrópica
6 min readAug 22, 2024
Foto: Pexels

Já me perguntaram algumas vezes ao longo dos últimos anos qual é a coisa mais legal de poder ter um filho e, a primeira vez que tive que respondê-la, fiquei um pouco sem saber o que falar. Gael ainda era muito pititico e eu estava naquela fase de entender meu novo momento de vida com um bebê para cuidar. Com o passar do tempo, moldei essa resposta baseada em minhas vivências de mãe-de-primeira-viagem e hoje posso dizer em alto e bom tom que a coisa mais legal de poder ter um filho é você ter a chance de acompanhar, de camarote, o crescer e se desenvolver de uma vida, na forma mais ampla e intrínseca que pode existir.

Hoje, 22 de agosto de 2024, meu passarinho, como gosto de chamá-lo, embarcou em sua primeira excursão com a turma da escola. Estávamos sabendo desse passeio já há alguns meses e não mandá-lo para esse evento nunca foi uma opção, então eu estava tranquila com a ideia de que sim, ele iria, e que seria algo normal, pelo menos dentro da nossa rotina: acordar, arrumar, fazer lancheira, checar mochila, colocar o uniforme, escovar os dentes, entrar no carro e deixá-lo na escola. Porém, foi mais uma das milhares de peças que a maternidade prega na gente, no sentido de transformar algo simples e corriqueiro em um mar de reflexões, fichas caindo e emoções à flor da pele.

Gael não é aquela criança considerada “vida louca”, se assim podemos dizer. A maioria das coisas que ele faz é sempre com muita cautela, cuidado, zelo e tranquilidade, na medida do possível. Tomei a liberdade de traçar esse comparativo pois, além de conhecer algumas crianças tidas como “vida louca”, eu sempre fui uma — rs — , então falo com propriedade. E, como sei desse jeitinho dele e já presenciei alguns momentos parecidos com o que ele está vivendo agora com os colegas da escola, estava há alguns dias tentando prepará-lo para o que aconteceria, como fazemos sempre.

“O cavalo é nosso amigo, você sabia? Tá tudo bem chegar perto, fazer um carinho e a gente pode até subir nele se a gente quiser”, eu disse. “É?”, ele respondeu. “Sim! E você vai ver não só cavalos, mas cabritos, coelhos, patos, e vários outros animais diferentes dos cachorros e gatos, que a gente já conhece, né?!” O diálogo aconteceu assim em praticamente todas as vezes que tocamos no assunto Passeio Para Fazendinha Com Os Amigos Da Escola. E ele sempre animado, respondendo com empolgação, mas, na minha cabeça, eu já visualizando a situação “Gael preferindo o parquinho pois tem medo dos animais”.

Eis que saímos de casa e, no caminho, eu, mais uma vez, falando com ele sobre os animais serem nossos amigos e que está tudo bem olhá-los de perto, fazer carinho e dar comida a eles. Chegamos na porta da escola, dei o abração que sempre dou e, de repente, na minha cabeça, foi como se alguém tivesse abaixado uma alavanca, dessas que fazem a moeda girar dentro de uma máquina e uma bolinha pula-pula sair instantaneamente pelo buraco para você pegá-la. “É a primeira excursão da vida dele.”

Dei tchau, a tia fechou o portão, entrei no carro e fiquei parada por algo como dois minutos olhando para o absoluto nada, enquanto essa frase ecoava na minha cabeça: “É a primeira excursão da vida dele”. E como num vídeo rápido, em modo reverse, comecei a lembrar do dia que descobri que estava grávida, de quando ele nasceu, de quando mamou, quando sentou, engatinhou, da introdução alimentar, de quando entrou na escolinha, dos 457 resfriados, das doenças que nunca tinha ouvido falar, das noites em claro, dos dias incomuns, do primeiro dente, das primeiras palavras, dos primeiros passos, do primeiro xixi no vaso, do primeiro rabisco, da primeira amiga, do primeiro chilique no mercado, do primeiro “eu também te amo, mamãe”. E enquanto pensava em tudo isso, já dirigindo de volta para minha casa, comecei a me dar conta de que ele tem três aninhos e são apenas três aninhos, mas puxa… quantas primeiras vezes couberam dentro desses curto espaço de tempo?

Peguei meu celular enquanto esperava o farol ficar verde, abri o rolo da câmera, fui até novembro de 2021 e vim subindo rapidamente, vendo as fotos de inúmeras primeiras vezes que tive o privilégio de presenciar, tanto as dele, quanto as minhas — até porque, nessa jornada, também sou estreante — , e atestei, mais uma vez, o fato de que a coisa mais legal de você ter um filho é poder vê-lo crescer.

Temos um grupo de mães da sala dele no WhatsApp e estávamos pedindo umas às outras para que, quem conseguisse, filmasse o momento de saída da escola rumo ao passeio. E eu estava tão certa de que seria só mais um dia comum como todos os outros que tinha me colocado no lugar de esperar as fotos do passeio subirem no aplicativo da escola e ficar contente com aquilo. Porém, depois que a minha ficha de viver o extraordinário no ordinário caiu, decidi pegar o carro de novo e ir até lá, ficar parada na porta da escola esperando o momento em que eles embarcassem no ônibus.

Chegamos 10 minutos antes e ficamos lá, eu e Filó, aguardando, literalmente paradas na esquina. Quando o ônibus de viagem estacionou em frente à escola, meus olhos instantaneamente começaram a marejar. “Meu Deus, não é possível que eu tô chorando, sem nem ao menos estar de TPM.” Sequei os olhos na tentativa de evitar parecer a mamãe maluca emocionada e me posicionei em frente ao portão, já com o celular preparado para captar esse momento para as outras mamães do grupinho que infelizmente não puderam ir até lá também.

A tia abre o portão e vejo todos eles, em uma tentativa de fila indiana, saindo. Gael me vê e abre um sorriso, olha para a Filó e faz uma cara de “(?)”, soltando a seguinte frase: “Onde você tava?” Acho que tentando entender o que eu estava fazendo ali, aquele horário, com a Filó. Só respondi, com a voz embargada: “Tava aqui te olhando! Até mais tarde!” E ele subiu no ônibus com seus colegas.

Ouço e leio sempre que o tempo voa, corre, vai muito depressa. Mas será que é isso mesmo? Será que ele que é implacável ou nós que passamos distraídos por toda a vida que há dentro da nossa vida? Dos inúmeros aprendizados que carrego em relação aos últimos (talvez cinco) anos, um que me orgulho muito é o da atenção e consciência. Sempre muito avoada, desprendida, easygoing até demais, levei tempo para aprender sobre a importância da percepção, da lucidez, da vigilância e, principalmente, para colocá-las em prática. Hoje, muitos momentos que passariam como um ônibus num ponto desativado, faço questão de dar sinal, esperar parar, subir, sentar e olhar atenta por tudo o que acontece pela janela, garantindo que nada de importante vá passar despercebido, me esforçando ao máximo para processar esses momentos na cabeça e deixar que ecoem no meu coração.

Não foi fácil, mas finalmente posso dizer que tenho aprendido a dar às coisas seus devidos valores, porque, no fundo, onde você deposita sua atenção e dedica seu tempo, é ali que você está deixando um pedacinho seu e trazendo um pouquinho daquele momento para dentro de você. Porque, onde está teu tesouro, lá também está teu coração. (Mt, 6–21) E vivenciar as primeiras vezes de um ser humaninho — algo que acontece quase que diariamente — me lembra constantemente onde é que está o meu tesouro.

Enquanto escrevo aqui, agora, ele ainda está lá, em sua Primeira Excursão Da Vida, e não sei se ele subiu no cavalo, se deu comida para os cabritos, se pegou um coelho no colo ou se ficou com receio e preferiu só ver de longe (ou chorar de medo no colo da tia, essa hipótese também é válida). O que sei é que junto das primeiras vezes vêm também as últimas vezes, e essas, meus queridos, essas doem o coração. São essas que fazem a gente lembrar, de verdade, que o tempo vai passando e a alegria de ouvir um “papa” ou um “mama” pela primeira vez quando eles ainda são bem titicos, tem o mesmo peso do aperto que dá quando eles simplesmente aprendem a falar pantufa em vez de tanfufa, e a última tanfufa já passou. Ato-ílis, hipopópopo e minhãnha dão lugar a arco-íris, hipopótamo e homem-aranha e quando isso acontece você simplesmente sente o gosto amargo das últimas vezes, e que, graças a Deus, só existem por causa do sabor doce das primeiras.

Que a consciência em relação ao inestimável nos faça viver plenamente as muitas primeiras vezes que ainda temos pela frente, para que quando percebermos que as últimas vezes passaram, o aperto não seja de tristeza, mas de saudade e gratidão por ter sempre vivido integralmente toda a vida que houve dentro da nossa vida.

--

--