Um novo capítulo

Gabi Bertoni
Uma vida heliotrópica
4 min readJan 22, 2021
Foto: Arquivo Pessoal

Saber que estou gerando um mini ser aqui dentro me fez pensar, pela primeira vez, sobre como o ciclo da vida aqui na Terra é uma coisa tão doida e tão admirável ao mesmo tempo. Nascer, viver e morrer. E embora cada uma dessas etapas tenha suas belezas, tribulações e mistérios, podemos dizer que as três são igualmente grandiosas. Não acha?

Novembro de 2020, um raro atraso na menstruação e uma singela intuição me dizendo algo. Foi assim que descobri que uma pequenina criatura, ainda do tamanho de um grão de gergelim, habitava aqui dentro.

Sentada no banheiro do trabalho segurando um teste de farmácia positivo nas mãos. Desse momento em diante, a cada dia, cada semana que passa percebo que estou, aos poucos, entrando em um universo paralelo. A maternidade sempre foi um assunto pelo qual me interessei muito, mas você deve saber que na prática, a teoria é outra, né? A mistura de sentimentos é intensa, mais do que eu pude um dia imaginar. Comecei pela descrença de que aquilo estava mesmo acontecendo. Depois passei pela preocupação de que desse tudo certo durante o desenrolar desse comecinho. E então me senti empolgada, como poucas vezes senti na vida. Partilhar (mais) essa vivência ao lado de um carinha que honra o título de companheiro tem feito com que o entusiasmo seja uma constante, ainda que com a presença de leves enjoos, seios doloridos e as cômicas alterações de humor.

Sinto como se estivesse no início de uma enorme metamorfose. Ainda não sei bem como traduzir em palavras e talvez eu nunca consiga, mas tenho tentado, de maneira cuidadosa, observar minuciosamente cada transformação que, aos poucos, tem acontecido. Tanto as externas, quanto — e principalmente — as internas. A consciência que geramos sob nossas mudanças facilita a compreensão de nosso eu do futuro, além de servir como um apoio para ajustarmos as arestas de nosso barquinho rumo ao ser humano que estamos destinados a ser. Com calma, seguirei atenta a tudo para, lá na frente, saber respeitar e acolher com carinho as nuances da mulher que sou.

A todo momento renovo um choque de realidade. Que louco é notar-se entusiasmada com o fato de trazer uma pessoa ao mundo e cuidar dessa vida pelo tempo que for necessário, mesmo sabendo que essa pode ser a tarefa mais complexa de toda sua existência.

Ao longo das últimas nove semanas eu ouvi algumas vezes a frase “Nossa, você já está com carinha de mãe”. Em todas elas respondi educadamente com um “jura? risos”, enquanto pensava com meus botões “será que meu rosto está mais inchado? Meu nariz mais gordinho? Olheiras mais profundas?”, na tentativa de identificar o que as pessoas talvez estejam vendo em mim, já que o principal sinal externo de uma gestação ainda não deu as caras por aqui — o barrigão.

Essas afirmações, embora indefesas, geraram um questionamento interno envolvendo o fato de que a minha ficha ainda não caiu completamente. Ouvimos dizer que a paternidade brota no homem somente na hora do nascimento do neném. Mas e a maternidade? Em que momento ela nasce?

Pensando a respeito, me dei conta de que, ao contrário do que já li por aí, como tudo na vida, se tornar mãe é um processo. Os dois risquinhos no teste de farmácia; os níveis altíssimos de Beta HCG no exame de sangue; as palavras da obstetra ‘parabéns, você está gravidíssima!’; ouvir um segundo coração batendo dentro de você; o apoio da família e amigos; o medo de fazer coisas corriqueiras como correr para pegar o trem e se acidentar; o remorso por esquecer de tomar a vitamina no horário certo; tentar dormir sempre virada para o lado esquerdo; tomar cuidado com as coisas que come; ansiar pelo próximo ultrassom… Percebi que não é da noite para o dia que a magia acontece. A maternidade vem chegando devagarinho. Aos poucos a chave vai virando e quase que de repente você se vê presa em um emaranhado de preocupações envolvendo a vida de um serzinho de 7 centímetros.

Sempre enxerguei o amor como principal remédio para os problemas do mundo. E que louco é saber que estou prestes a senti-lo em sua forma mais pura e genuína. Vai ver o processo para se tornar mãe acontece dessa maneira mesmo. À medida em que o amor aumenta, mais mãe você se torna. Em meio a tanta maldade, transtorno e desesperança, espero poder contribuir da maneira mais bela que houver, transbordando esse sentimento que, inexplicavelmente, não para um só segundo de crescer. Do misterioso início dessa vidinha, até o último segundo dela.

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