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É errado achar clássicos chatos? Sobre “O Sol Também Se Levanta” e outras divagações

Precisamos falar que nem sempre vamos achar os livros clássicos incríveis

Larissa Martins
Um Ano Sem Amazon
Published in
6 min readOct 9, 2016

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O último livro que comprei antes de começar o projeto foi a tradução da Companhia das Letras para Atlas de Nuvens do David Mitchell. Meu plano era começar o livro assim que ele chegasse, mas a Amazon (quando eu botei o nome no projeto eu falava sério — eu sempre compro pela Amazon) deu uma atrasadinha na minha encomenda e, como eu estava mesmo proibida por mim mesma de comprar livros novos, comecei a escarafunchar minha biblioteca em busca de um livro interessante pra ler dentre os que eu já tinha.

Queria um livro curto. Isso porque Atlas de Nuvens ia chegar logo e eu estava mesmo muito ansiosa pra ler (inclusive estou lendo e é ótimo). Sendo assim, achei na estante o meu exemplar de O Sol Também se Levanta do Ernest Hemingway e resolvi dar uma chance.

Teve uma época na minha vida que eu encasquetei que eu tinha que ler mais livros clássicos e também mais livros de literatura estrangeira. Por isso, jovem que era, resolvi acreditar nessas listas de “x livros que você deve ler antes de morrer”. Se você fizer uma busca rápida no Google, vai ver que algum livro do Hemingway fatalmente vai estar em todas as listas que você encontrar. E O Sol Também se Levanta é um dos títulos mais recorrentes do autor nessas listas de importância.

Sei que um dia estava no sebo, achei o livro por míseros R$7 e comprei. Ler nunca li, mas o livro foi escrito há anos e anos e segue em listas de melhores livros da vida, então ele nunca ficaria velho e podia esperar na estante enquanto eu lia outras coisas.

Até semanas atrás finalmente resolvi tirar ele da estante.

Anos atrás, escrevi um diário de leitura e no meio dele li Mrs. Dalloway da Virgínia Wolf. Lembro de ter escrito a seguinte frase: “é errado achar um clássico chato?”. A razão pra eu ter escrito isso é que eu fiz um esforço sobrehumano pra terminar aquele livro (que é bem curto, diga-se de passagem). A imagem mais vívida que eu tenho da leitura do clássico da Vírgina Wolf sou eu sentada em um cartório, esperando a minha vez e forçando pra terminar o livro. Ali eu tinha impressão que nunca mais juntaria duas coisas tão burocráticas no mesmo espaço-tempo. Aquele livro que divagava longamente demais sobre a burguesia inglesa e a mania brasileira de ter que reconhecer firma em cartório. Era até de uma ironia engraçada.Por alguns minutos pensei que nunca mais fosse sair dali: nem do livro e nem do cartório.

É claro que Mrs. Dalloway não é exatamente um livro ruim, a Virgínia Wolf não escreve mal e você entende a importância histórica da coisa, etc etc. Nada disso me impediu de achar o livro de uma chatice lancinante. Principalmente do meio pro fim.

Coisa parecida aconteceu com O Sol Também Se Levanta. O livro trata sobre o pós guerra (primeira guerra) e conta a história de Jake e um grupo de amigos americanos que moram em Paris e que viajam para a Espanha para assistir algumas touradas durante uma fiesta que acontecia por lá em uma dada época do ano. Entre amores e bebedeiras, o livro fala um pouco da falta de perspectiva da época, do beber-para-esquecer, do falso hedonismo, etc etc. Importante para a literatura mundial? Sim. Clássico? Também sim. Mal escrito? Longe disso. Chato? Certamente.

No começo o livro tem um ritmo interessante, o Hemingway tem um humor sutil porém inteligente, você se diverte com umas tiradas do Jake e pensa: agora acertei na escolha do livro. Só que aí eles vão pra Espanha, tudo vira uma imensa repetição de constantes bebedeiras, brigas pela única personagem feminina do livro, a Brett, e gigantes tratados sobre touradas que, apesar da importância histórica, não deixam de ser pra mim a forma de entretenimento mais boba já inventada juntamente com o rodeio. Em uma dada hora eu tinha vontade bater com a cabeça na parede se visse mais uma longa descrição sobre um touro correndo até um tecido vermelho. Não aguentava mais que alguém pedisse uma taça de vinho. Não aguentava mais os dramas amorosos de Brett. Não aguentava mais nada e só segui forte lendo porque queria saber se no fim ia ficar melhor. Não ficou.

Não me entendam mal, o livro não é ruim. Longe disso.Tem toda uma importância pelo contexto pós-primeira guerra, é um recorte muito importante de uma geração, dos ingleses e americanos que foram para a Europa depois da guerra, que estão desolados por tudo que aconteceu, por terem visto gente morrer, por terem perdido amigos e todo o mais. O aparente “vazio” do livro tem razão de ser, mas nem sempre entender algo faz com que gostemos desse algo. Aliás, esse é aquele típico livro que seria ótimo pra levantar questões em aulas de literatura, mas viria com o revés de fazer com que gerações de crianças demorassem um tempão pra ler outro livro por medo de todos serem chatos como esse.

Sabe aquele argumento do “você não gostou porque não entendeu”? Ele é pra mim o mais vazio de todos porque, pra não gostar de uma coisa, em boa parte das vezes, é realmente preciso entendê-la. Eu entendi O Sol Também se Levanta, assim como entendi Mrs. Dalloway, mas não foram livros que me prenderam.

E admitir isso é sempre muito difícil porque é sempre um pouco mal visto não ver graça em clássicos. É só dar uma corrida de olho nas resenhas sobre esse tipo de livro que é muito difícil ver alguém dizer: “entendi a importância, mas achei chato”. Digo aqui então: achei O Sol Também Se Levanta bem chato. E digo sem medo de julgamentos, de nada. É um livro que achei ruim de ler. Não sei exatamente porquê. Talvez pela impessoalidade, talvez por não ter conseguido sentir empatia por nenhum personagem, talvez simplesmente por não ser meu tipo de livro.

Inclusive, evitem a tradução da Abril Cultural (essa aqui ao lado). Tem uma tradução truncada e tive que apelar pra um e-book pra continuar lendo. Se não me engano, li a versão da Editora Beltrand, que é bem digna. Aliás, essa é uma dica preciosa para evitar leituras chatas: escolham boas traduções. Faz uma diferença tremenda.

No mais, o livro não me traumatizou nem nada. Tem uma hora que a gente aprende que tá ok você não amar um clássico, que você não é mais burra e nem mais inteligente por isso e que leituras são só leituras: às vezes agradam e às vezes não. Já diria Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra. Vale pros livros também. Inclusive, tem uns livros que a gente sempre acaba se perguntando se não figuram na lista de melhores-de-todos-os-tempos só porque ninguém nunca teve coragem de desmentir o resto das pessoas dizendo que o livro é um porre e então segue-se reproduzindo o pensamento. Vai saber.

Tenho mais dois livros do Hemingway na estante e pretendo dar uma chance mais pra frente. Não tão logo, mas eventualmente.

Espero que esse relato não desencoraje ninguém a ler o livro. Acho que opiniões sobre leitura são sempre muito pessoais. Eu mesma tenho um amigo que ama esse livro de paixão. E entendo porque ele ama. Coisa estranha que é o gostar. Mas, também espero que esse relato ajude mais gente a admitir que, nem sempre, os livros clássicos vão nos agradar. E tudo bem.

Desculpa Hemingway, mas não foi dessa vez.

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