Cansei de defender o Fernando Haddad

Leonardo Pereira
Uma Pera
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7 min readSep 27, 2016

Chega, meu

O prefeito skatista — não sei de quem é a foto, peguei no Facebook do Haddad

Dois anos atrás, num outro setembro, eu estava tão cansado de aturar encheção de saco por ser constantemente flagrado defendendo políticas implementadas por Fernando Haddad em São Paulo que resolvi escrever um desabafo. Já que não conseguia convencer as pessoas de que meus elogios tinham base lógica, e não emocional, "assumi" que, na verdade, eu fazia aquilo por estar apaixonado pelo prefeito. Sem querer, viralizei, e de quebra descobri que havia um monte de gente "apaixonada" por aí.

Dois anos se foram desde então e eu nunca parei de ser sugado para discussões em que sou forçado a provar que minhas convicções não têm nada a ver com gostar ou deixar de gostar da pessoa Fernando Haddad — ou, ainda, do Partido dos Trabalhadores. Eu gosto é das políticas dele, simples. Mas uma coisa mudou em relação a 2014: se naquela época eu tinha de me explicar para quem prefere candidatos de centro-direita, talvez por estarmos próximos de eleições municipais agora eu gasto ainda mais tempo e paciência debatendo com gente da esquerda.

Confesso ter imaginado que, a esta altura, mais gente sentiria efeitos positivos da administração haddadista e concordaria comigo, mas eu não podia estar mais errado. Como se sabe, o que acontece é justamente o oposto: o prefeito tem uma taxa de rejeição alta combinada com baixas intenções de voto. E a sua imagem está tão ruim que ele está conseguindo ficar atrás de um grupo de candidatos que parecem mais preocupados com a vitória no pleito do que com a proposição de ideias que possam melhorar a cidade.

A todo momento me esfregam na cara números de Datafolha e Ibope para que fique bem claro que só quem gosta da atual administração são os moradores de áreas nobres. Gente que gosta de Berlim, como disse um sociólogo ao El País, lembrando que a população carente não se interessa pela Europa, e sim por São Paulo. Mas eu não entendo; se ele não fez mesmo nada pela periferia, quer dizer que o seguinte mapa de realizações é uma mentira?

Eu geralmente argumento que há um monte de coisas a se levar em conta na hora de analisar o que acontece com a imagem do Haddad, incluindo a crise econômica que o Brasil inteiro atravessa e o desgaste gerado pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff; afinal, eles estão no mesmo partido. Também levanto que, na minha humilde visão enquanto jornalista, boa parte do problema recai sobre a área midiática. Tanto pelo lado da imprensa, que nem se envergonha com a campanha do contra, quanto pelo lado do próprio prefeito, que sequer tinha página no Facebook até criar uma o último trimestre de 2015 — o que o fez, suspeitosamente, depois de um pedido meu 🤔.

Eu fico batendo nessa tecla da construção de imagem porque isso explicaria como é possível termos um prefeito com políticas claras em respeito à cidade que seja tão odiado pela população. Quando paro para pensar, chego à conclusão de que talvez um dos maiores "problemas" aí seja o fato de ele ser um quadro do PT, o partido que mais leva bordoadas da mídia neste país. Sei lá, suspeito que se o Haddad fosse do PSDB a situação seria diferente.

Tudo bem, pode me julgar, eu sei que isso soa como conversa de esquerdista doído, mas se você for capaz de racionalizar por um instante vai perceber que ninguém mais fala da crise hídrica provocada pela administração do Governo do Estado, e que não há comoção em torno do desastroso plano de expansão do nosso transporte sobre trilhos. Gente, há mais de duas décadas o PSDB governa o Estado de São Paulo e só agora começaram a construir uma linha de trem que ligue a maior cidade ao maior aeroporto internacional do país.

Não importa o que aconteça, a imagem do partido segue cristalina. Por outro lado, a imprensa foi implacável com o Haddad quando ele resolveu botar em prática ações que estavam previstas no plano de governo que o elegeu em 2012, como se fosse crime cumprir o que prometeu. Mas se fosse só a implacabilidade eu estaria feliz, é papel do jornalismo fiscalizar; o problema foi o investimento na criação de picuinhas.

As ciclovias, por exemplo, custaram uma fração ínfima do orçamento municipal, mas geraram escândalo. A redução da velocidade máxima para os carros é uma medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde e que vem sendo adotada em capitais do mundo inteiro porque tem eficácia comprovada no combate às mortes no trânsito; em São Paulo, porém, a ideia acabou transformada em munição para imprensa e candidatos que disputam a cadeira da Prefeitura.

O projeto "Braços Abertos" é uma versão tímida da política de combate ao vício em drogas pesadas por meio da redução de danos, e há pesquisas mostrando que ele não só está dando certo como ainda conta com aprovação dos envolvidos e da população. Digo tímido porque Haddad e equipe ajudam os doentes “apenas” com emprego, opção de moradia fora das ruas e oferta de tratamento sem internação compulsória; há países que fazem tudo isso e ainda fornecem as drogas para que os usuários não precisem cometer crimes e evitem, por exemplo, usar material que os exponham a doenças. Aposto que, se pudesse, o Haddad ofereceria até maconha para viciados em crack, porque a medicina sugere que os efeitos relaxantes da plantinha ajudam a tirar a tensão provocada por substâncias mais pesadas — mas eu nem quero pensar na capa e no editorial que sairiam n'O Estado de S.Paulo no dia seguinte à tomada de uma atitude dessas.

Você vai dizer que é bobagem, que eu vejo pelo em ovo e que tudo não passa de paranoia de um petista inconformado com o fato de que a população esteja rejeitando o candidato do seu partido. (Ah, sim, porque, para a vasta maioria dos que me questionam, apoiar a candidatura de Fernando Haddad automaticamente me transforma em petista. Nem passa pela mente dessas pessoas que o ser humano seja capaz de gostar de beijinho sem cravo, que o paulistano consiga comer pastel sem tomar caldo de cana.) Mas dê uma olhada na forma como age a nossa imprensa e reflita se está tudo bem:

Para a Folha, a compra foi feita pelo Estado, e não pela sua administração
De um lado, cita-se o Metrô e se esconde o Governo; do outro, cita-se a Prefeitura
Segurança é atribuição do Governo do Estado, mas o aumento da violência recai sobre existência de ciclovias

Eu culpo demais o circo que a imprensa montou em torno do Haddad e sei que isso causa discórdia. As pessoas vêm me dizer que se ele sofre tanta rejeição nas periferias, por exemplo, é porque evidentemente não fez o suficiente por quem mora nas periferias. Pode ser, mas o mapinha ali de cima conta outra história. Conta que foram instaladas 90.000 lâmpadas de LED nessas regiões. Sabe o que isso significa? Mais segurança para a população local e mais eficiência na manutenção, porque essas lâmpadas duram 12 anos enquanto as antigas duram 5. O prefeito colocou internet gratuita em 120 praças e começou a colocar também dentro dos ônibus que circulam pela cidade — muitas vezes, inclusive, dentro dos corredores, outra bandeira haddadista que gerou gritaria na imprensa mas beneficia quem depende do coletivo, já que ele não fica preso no trânsito.

São Paulo passou a contar com 20 salas de cinema que ou não cobram entrada ou cobram preços populares. Para você pode não significar muita coisa, mas graças a isso tem gente voltando a frequentar o cinema depois de décadas. Por falar em cultura, pela primeira vez a Virada Cultural envolveu todas as subprefeituras e deixou de ser totalmente centralizada, sem contar que a regulamentação do Carnaval de rua deu margem para a criação de uma festa absurdamente grande e também fez com que aumentasse a quantidade de blocos nas periferias.

Vê? Teve investimento, sim. Trago mais exemplos: as pessoas criticam o gerenciamento das ciclovias, mas não é só porque a da Avenida Paulista é mais bonita que ela seja a única. O mapa da CET indica que hoje há mais de 400 km de vias cicloviárias pela cidade e, embora a maioria delas orbite o centro, é notável que há um movimento de expansão de dentro para fora. Sobre a qualidade das ciclovias, é óbvio que não é das melhores, afinal de contas quem responde por isso é a CET, vocês já viram como a CET vem cuidando das ruas por onde passam os carros? Pois é. Isso é outro problema, um que tem de ser resolvido, obviamente, mas que não pode ser confundido com o plano de criação de espaços para os ciclistas.

Eu torço muito por uma reviravolta nas urnas, ou que as pesquisas simplesmente não representem a realidade (porque isso já ocorreu antes). Gosto do que vem sendo feito pela cidade e acho que, mesmo sem perceber, muitos dos que odeiam o Haddad também gostam. Ou vão acabar gostando daqui a algum tempo, porque políticas inovadoras são assim mesmo, demandam mais tempo de digestão. Afinal de contas, ele não está inventando uma forma de administrar, está simplesmente copiando o que deu certo em outros lugares que guardam semelhanças com a nossa cidade.

São Paulo deve crescer de forma inovadora tanto pela sua importância, quanto para honrar o famigerado status de locomotiva que lhe foi imposto, mas a cidade também merece se tornar mais humana. E eu acredito que o Haddad seja a pessoa necessária para que cheguemos à combinação dessas coisas. Não é à toa que venho dedicando voluntariamente tempo, paciência e determinação para defendê-lo.

Não dá pra negar que isso cansa bastante, mas eu acho que vale a pena.

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