Facebook está cometendo uma atrocidade contra o Snapchat

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
4 min readFeb 23, 2017

Mais uma vez vemos um gigante esmagar a concorrência

Já reparou que faz alguns meses que se tornou comum falar sobre Snapchat sem falar, diretamente, sobre o Snapchat? Isso porque a rede social, que um dia foi refúgio para os adolescentes na internet, tem sido tão descaradamente atacada pela concorrência que a imprensa se vê obrigada a mencionar a plataforma quase diariamente sem que ela seja necessariamente o foco da notícia.

O Snapchat caminha para um futuro de ostracismo graças à atuação predatória do mercado encabeçada pelo Facebook. Tudo começou com a suposta recusa à também suposta oferta de US$ 3 bilhões: Mark Zuckerberg teria tentado comprar o Snapchat, mas seus donos disseram “não, obrigado”. Aparentemente inconformado, Zuck e companhia passaram a copiar tudo aquilo que faz do Snapchat o que ele é.

Se a história da tentativa de compra permanece no campo especulativo, ao menos a questão da cópia pode ser tratada como fato. Em 2016, quando o Instagram anunciou o Stories, Kevin Systrom, cofundador e CEO do aplicativo, disse com todas as letras que quem merecia crédito pelo formato era o Snapchat. Na cara de pau, Systrom afirmou que o mercado não tem que ficar se preocupando com quem inventou o quê, e sim com a aplicação que cada criação recebe — ora, pois então encontramos os argumentos que porão fim à interminável guerra de patentes entre Apple e Samsung, basta que ambas compreendam que ser pioneiro pouco importa.

Eu fui usuário tardio do Snapchat, mas levou pouco tempo após a minha chegada para que o produto me conquistasse. Aconteceu o mesmo com um monte de internautas mais velhos, que, talvez atraídos pelas notícias a respeito das apostas que gente como Facebook e Google (que também teria tentado comprar o Snapchat) andavam fazendo, quiseram entender melhor o porquê de tamanho furor.

Essa geração não era igual àquela que fez o aplicativo explodir após o seu lançamento, em 2012. Éramos migrantes, e não nativos, mas vimos o nascimento de ferramentas que fizeram com que o Snapchat se consolidasse como algo totalmente dissonante em relação ao que rolava no mercado de redes sociais, coisas como o Stories, o Discover e as Lenses. O Snapchat chacoalhou o setor, inclusive ultrapassando o Facebook em termos de visualização de vídeos.

A turma de Zuckerberg tentou várias vezes acertar o concorrente: lançou o Poke, o Slingshot, o Bolt… nada dava certo. Até que um dia o Facebook jogou a toalha e botou o Stories dentro do Instagram. Aquilo me chateou, porque eu sabia que acabaria trocando uma plataforma pela outra, afinal é no Instagram em que está a maioria dos meus contatos. Eu sabia que em algum momento ajudaria a ferir uma empresa independente que vinha fazendo um trabalho notável. E foi o que acabou acontecendo, não só comigo, mas com boa parte dos migrantes, tanto que já há estudos indicando que o Snapchat parou de crescer quando o Instagram Stories apareceu.

Mas aquele não seria o único ataque. O Facebook deixou mais claro o que Systrom quis dizer quando minimizou o formato inventado pelo Snapchat, porque o colocou também em seu aplicativo principal e, recentemente, até no WhatsApp — que, convenhamos, não tem nada a ver com o Stories.

O Messenger hoje tem mensagens efêmeras e efeitos de câmera; o Instagram tem o Stories, com filtros regionais e publicidade vertical; o Facebook tem o Stories e publicidade vertical; o WhatsApp tem o novo Status… as empresas de Mark Zuckerberg tornaram o Snapchat redundante com a reprodução das suas características. Ninguém mais precisa baixar o Snapchat para ter acesso a qualquer uma das suas ferramentas, já que todas elas existem dentro do ecossistema facebookiano.

Essa situação lembra bastante o enredo de “O Círculo”, livro de Dave Eggers que sairá em filme com Emma Watson e Tom Hanks nos papéis principais. Na história, a empresa que dá nome à obra é retratada como uma mistura de Google com Facebook que domina todos os setores do mercado de tecnologia. Com braços para todos os lados, o Círculo se torna imbatível e implacável, exatamente o que está acontecendo com o Facebook. Por trás de um discurso de abertura e bem-estar social, Zuckerberg se comporta como um magnata egoísta que não admite que outra empresa faça sucesso independentemente.

Poderia ocorrer ao excêntrico CEO de uma das maiores corporações da atualidade que ele também foi pequeno um dia. Antes de chamar atenção por matar a própria comida, vestir sempre as mesmas roupas, fazer bullying com o Nickelback, erguer muros e processar pessoas mortas, Zuckerberg já foi um desenvolvedor independente lutando contra gigantes num oceano de possibilidades.

O mercado de tecnologia precisa se mexer para impedir que ações como essas protagonizadas pelo Facebook contra o Snapchat minem a criatividade de milhares de aspirantes. Enquanto isso, só nos resta esperar que a Snap se reinvente, talvez como uma companhia de hardware, como vem apontando com os Spectacles, talvez com outra plataforma de software. Infelizmente, se mantiver o curso atual, pode ser que a empresa não sobreviva para ver o Facebook chegar ao ponto em que redesenhará seu logo para que o “F” fique num formato de fantasminha.

A esta altura, não dá para duvidar de mais nada.

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